Em Caná da Galileia...


A graça de cada dia

Devo estar, de facto, muitíssimo grávida:

Entro na sala de espera da maternidade para a consulta das 37 semanas, e três grávidas (!) levantam-se ao mesmo tempo para me dar lugar…

Tento passar pela porta da cozinha com o alguidar cheio de roupa acabada de apanhar da corda, e ficamos os dois – o alguidar e eu – presos na passagem. “Estou farta de ser tão gorda!” Grito, e desato a chorar, que as hormonas nesta fase do campeonato não estão pelos ajustes. Em vez da esperada reação de compaixão da minha família, ouço um coro de estridentes gargalhadas…

Uma partida de dominó entre a Sara e eu, com peças de papel feitas na escola. “Deixa-me pôr algumas peças assim na tua barriga para eu as ver melhor”, diz a Sara, expedita. E sem esperar pela minha resposta, ajeita as peças com naturalidade, fazendo da minha barriga um tabuleiro firme…

Aproxima-se a hora, a hora que Jesus assim anunciou:

A mulher, quando está para dar à luz, sente tristeza, porque chegou a sua hora; mas quando deu à luz um menino, já não se lembra da sua aflição, com a alegria de ter vindo um ser humano ao mundo. (Jo 16, 21)

Como é bom saber que Jesus me compreende! Como é bom saber que esta tristeza, esta angústia, este medo e este cansaço são o sinal de que estou a bater no fundo, e portanto, a partir de agora as coisas só podem melhorar – ou seja, a minha hora está mesmo, mesmo à porta! O Niall estará a meu lado, as enfermeiras parteiras também, talvez chegue a tempo da epidural, ou talvez não (em sete partos, já experimentei um bocadinho de tudo). Mas eu sei que, não importa quanta gente me rodeie e apoie, naquele momento estarei só. Como na hora da morte.

“Desta vez não me sinto com forças para pôr um bebé cá fora”, desabafei com a minha obstetra. Acho que tive com ela exatamente o mesmo desabafo quando chegou a hora do parto da Sara… A resposta também foi a mesma: “Tem, claro que tem! Verá! Naquele momento, a natureza toda ajuda!” E eu sei que é verdade.

Há duas formas de reagir à angústia do parto: entrar em pânico, desesperar e recusar a graça que o Senhor nos oferece; ou deixar-se conduzir pela natureza e pela graça, sabendo que Deus tem tudo previsto na sua Providência. Deus não nos dá a graça por antecipação, pelo que o receio e a falta de coragem que agora eu sinto são perfeitamente naturais: afinal, nada está a acontecer, ainda não preciso da graça específica para o parto! Mas no momento exato em que o parto se desencadear, receberei a graça de que preciso para trazer o Daniel à luz. Sei que será assim, pois foi já foi assim sete vezes. “A graça de cada dia, nos dai hoje…” Rezo.

Fé é também isto. É saber que, na hora certa – nem antes, nem depois – o Senhor nos dará tudo o que precisamos para enfrentar a situação que temos diante de nós.

Não falo só de partos, queridos leitores. Falo da vida. E falo da morte. Falo daquela força que me inundou quando o Tomás partiu para o céu, falo da coragem que recebi quando a Sara passou o primeiro Natal da sua vida internada no hospital, falo da ousadia que me possuiu quando decidi, com a minha família, dar vida e corpo ao Movimento Famílias de Caná. Em nenhuma dessas situações me senti preparada – até ao exato momento em que arrisquei abrir-me à graça de Deus.

“Que coragem a tua, tantos filhos!” Dizem-me quase todos os dias. E acrescentam: “Eu não seria capaz…” Sorrio, para não magoar os que assim falam, mas cá dentro apetece-me responder: Não sabes o que dizes! Não se trata de coragem, trata-se de confiança. De saber que Deus não faltará com a sua graça, sempre que eu dela precisar. Como achas que os mártires se descobrem de repente capazes de verter o seu sangue, ou os pais de dar a vida pelos filhos? Como achas que Asia Bibi aguentou nove anos numa masmorra, ou Meriam Ibrahim deu à luz na prisão, com os tornozelos algemados? Não são, todos eles, feitos da mesma natureza que nós?

E sim, serias capaz. Serás capaz. Se também tu quiseres dar o passo que te falta, o passo sobre o abismo, enquanto o medo te possui. Porque no exato momento em que saltares da falésia, descobrirás que tens asas.

Não temerás o terror da noite,

nem da seta que voa de dia.

O Senhor deu ordens aos seus anjos

para que te guardem em todos os teus caminhos.

Eles hão de elevar-te na palma das mãos,

para que não tropeces em nenhuma pedra.

Poderás caminhar sobre serpentes e víboras,

calcar aos pés leões e dragões.

“Porque acreditou em Mim, hei de salvá-lo;

hei de defendê-lo, porque conheceu o meu nome.

Quando Me invocar, hei de responder-lhe.

estarei a seu lado na tribulação,

para o salvar e encher de honras…”

(Sl 91/90)

Ámen!

 

 

 

 

 

 

9 Comments

  1. Marisa Milhano

    Obrigado, querida Teresa, pela bênção deste post! Intensificarei as minhas orações por ti nestes dias. Um grande beijinho para todos

  2. Tens tanta razão! Se soubermos bem onde procurar, se conseguirmos ver para além do “problema”, das “dores” descobrimos em nós uma força e uma certeza de que conseguimos ultrapassar tudo! Só mesmo com o dom da fé conseguimos confiar!
    Rezamos por ti e pelo Daniel!

  3. Catarina Silva

    Como compreendo o que quer dizer!!!
    Tão difícil perseverar na confiança…perseverar na fé quando tudo parece perdido… Para Deus, nunca nada está perdido. NADA…
    Nós é que nos perdemos muitas vezes…
    Que Nossa Senhora, vos acompanhe nessa hora, e que (como se costuma dizer) seja uma hora pequenina!

  4. Catarina Ramos Tomás

    Obrigada Teresa!

    Também eu me sinto a bater no fundo. Não são as hormonas da gravidez, mas é a vida… O turbilhão dos dias, a roupa que não seca, os rapazes que não vestem o pijama. Hoje o mais pequeno perguntava: Mamã, porque não te ris?

    Não me falta saúde, não me falta dinheiro, não me falta trabalho, nem comida…

    Falta-me pedir a graça para cada dia e sorrir…

  5. As lagrimas corriam me pela cara. sei o que falas Teresa. Deus está do teu lado. Sempre te deu coragem e a força que te caracteriza. Que
    o Daniel venha como o menino jesus alegrar as vossas vidas nesta época. Que Maria, nossa mãe, te ampare e te dê a força para por o bebé cá fora tal como ela, no meio de todas as adversidades, fez tao tranquilamente. rezo por vos. beijinhos Claudia e Cristóvão

  6. Sara Graça da Silva

    Querida Teresa,
    Para que morada posso enviar um miminho? Força! Beijinho, Sara
    ps – desculpe…tb me ri na parte do gorda 🙂 Não está nada gorda, vi o vídeo da sua entrevista e está tão bonita. Mesmo. Aqui no blogue está toda a gente à espera do Daniel com carinho também, mesmo que nem sempre comentemos. Para a próxima empurre o alguidar com o pé a ver se o safado entra primeiro 🙂

    • Obrigada, Sara! Se enviar um mail para o endereço eletrónico deste site, ele vem direitinho ter comigo. Depois, por mail, envio-lhe a morada! Bj!

  7. Licínia Maria Rodrigues Martins Vieira

    Sim, Teresa, nós sabemos como mães que há momentos em que estamos sós !!!!!! Mas a natureza, a graça e a confiança estarão connosco sempre. E, não me canso de te dizer que tu tens todo o poder porque tens fé, tens capacidade de reflexão e tens caminhos em que descobriste a importância da simplicidade onde reside a alegria e a razão da vida. O Daniel já é um bébé feliz por estar contigo e vai ajudar-te.
    Estás uma gordinha bonita !!!
    Na horinha pequenina, pensa em todas as pessoas que gostam de ti e tudo será rápido e lindo. Beijo amigo.

  8. Olá teresa.

    que fé, que força, que testemunho nos transmite…

    obrigada pela suas partilhas.

    São encorajadoras, para qualquer que seja a situação.

    Como escrevia a Catarina, o que nos falta na maior parte das vezes ou dos dias é “pedir a graça para cada dia e sorrir”

    Teresa, que tudo corra conforme deseja

    Abraços.

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