Em Caná da Galileia...


A misericórdia em casal

Aqui há uns tempos, ao abrir a caixa do correio, deparei-me com um aviso para levantar uma carta registada. Estava em nome do Niall, embora ele não fizesse a menor ideia do que se tratasse. Assim, no dia seguinte, fui aos correios com o impresso e levantei a carta. Vinha da Direção Geral de Viação. «Outra!» Pensei, assustada. Abri devagar, sem pressa… Sim, lá dentro estava uma multa de 120 euros para pagar, por excesso de velocidade. Outra, sim. E de novo, como a primeira, em nome do Niall, pois a carrinha de sete lugares, que eu conduzo, está em nome do Niall.

Cheguei a casa, cabisbaixa. 120 euros! E agora? Como ia eu dizer ao Niall que ele tinha outra multa para pagar, ele que nunca chega perto sequer dos limites de velocidade, na sua teimosia irlandesa de que os limites são mesmo para respeitar? Peguei no telemóvel. «Niall», comecei, «já levantei a carta…» «E então? Do que se trata?» «Bem… Tens de pagar nova multa…» Arrisquei uma brincadeira: «Voltaste a exceder-te na velocidade!» Do outro lado do telemóvel, uma gargalhada. «Não te preocupes! Havemos de conseguir pagar!» Relaxei, e também eu fui capaz de sorrir. Ele insistiu: «Anda, não fiques triste! Tudo se resolve! Estou quase a ir para casa!»

carro

Quem apanha as multas sou, naturalmente, eu. Mas quem as paga é o Niall. Não só porque vêm em seu nome, mas porque é ele que costuma ir ao multibanco fazer as tranferências e os pagamentos necessários. Até hoje, e embora discorde da minha forma de conduzir, o Niall nunca me chamou à atenção, nem me criticou por me exceder na velocidade. Mas eu, sabendo como lhe custa pagar por um erro que nunca cometeria, esforço-me sinceramente por corrigir este meu defeito. E lá vamos vivendo, agora com menos multas!

Outro dia, ao dirigir-me ao confessionário, este episódio veio-me à mente. Lembrei-me de como os meus pecados são recorrentes, de como Jesus nunca os cometeria, e de como nunca reage agressivamente, repetindo “Quantas vezes te avisei?” Ou ainda “Nunca mais aprendes?” E no entanto, Jesus já pagou por cada um deles… Não, não pagou com 120 euros; pagou com o seu próprio sangue:

Fostes resgatados da vossa vã maneira de viver herdada dos vossos pais, não a preço de bens corruptíveis, prata ou ouro, mas pelo sangue precioso de Cristo, qual cordeiro sem defeito nem mancha. (1Pe 1, 18-19)

No Ano Santo da Misericórdia, repetimos vezes sem conta aquele belíssimo versículo do Evangelho:

Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso (Lc 6, 36)

Será que nos esforçamos verdadeiramente por imitar esta misericórdia divina no seio da nossa própria família e do nosso próprio casamento? Ou cobramos continuamente os erros do nosso cônjuge e dos nossos filhos, trazendo-os à memória e à conversa de cada vez que eles voltam a errar? “Quantas vezes já te avisei!” Gostamos nós de repetir. Mas o Papa Francisco recorda-nos: “O amor convive com a imperfeição, desculpa-a e sabe guardar silêncio perante os limites do ser amado.” (Amoris laeticia, nº113) Tal como o amor divino por cada um de nós, claro…

2 Comments

  1. ooooh! Teresa, isto nao e nenhum juizo de valor mas nunca pensei que tivesse o pe pesado no acelerador! Seria uma das ultimas pessoas na qual eu pensaria que apanhasse multas!!! (Eu, a cautela, nem carta tenho)

    😀

    felicidades para o novo site.

    Patsy

    • Vê como é fácil julgar os outros, mesmo os que pensamos conhecer bem? Na verdade, eu sou cumpridora dos limites quando me lembro de que tenho de o ser. Geralmente, ao conduzir, estou a pensar em tanta coisa, que me esqueço de me concentrar nesse ponto, e o monovolume, ao contrário dos carrinhos que eu costumava conduzir, acelera mesmo muito depressa, sem darmos por isso! Mas não sou minimamente agressiva na condução, nem viajo colada ao carro da frente, coisa que me faz imensa impressão, nem gosto de fazer ultrapassagens… É mesmo apenas com a velocidade em estrada aberta! Bjs

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