Em Caná da Galileia...


A missa compartimentada e o verdadeiro papel do catequista

De norte a sul do país, por onde vamos andando a testemunhar a alegria de viver a fé em família, temo-nos deparado com um cenário idêntico: em quase todas as paróquias existe a chamada “missa da catequese”, e que geralmente tem lugar depois da catequese, acontecendo também por norma sábado à tarde. A maioria dos pais deixa os filhos na catequese e vai recolhê-los depois da missa. Os catequistas dão catequese aos meninos e depois conduzem-nos à Eucaristia, onde há um espaço reservado para cada ano de catequese. Assim, nestas “missas de catequese” encontramos filas de meninos, todos da mesma idade, acompanhados pelos respetivos catequistas. Os pais que entretanto, por coerência de fé e de vida, decidem acompanhar os filhos à missa, por norma ficam atrás, continuando a deixar os filhos entregues aos catequistas.

Como na nossa paróquia não existe nada parecido, temos tido a oportunidade de meditar neste tema com a distância necessária para uma reflexão o mais objetiva possível. E cada vez nos parece mais absurda esta forma de participar na Eucaristia dominical. Porquê?

Porque a missa não é escola. Porque a missa não é mais uma atividade da semana, como são os escuteiros ou como é a catequese.

A missa é o centro e o cume da minha vida e da vida de qualquer família cristã. Eu não levo os meus filhos à missa para os educar na fé. Esse é o papel da catequese, tal como o da escola é educar nos conhecimentos do mundo. Eu levo os meus filhos à missa porque, sem missa, morremos. Eu levo os meus filhos à missa para que eles se encontrem com Jesus da mesma forma que eu me encontro, com o mesmo direito a este encontro. Eu levo os meus filhos à missa para que a nossa família saia fortalecida, rejuvenescida, cheia da vida abundante que só o Pão Vivo pode alimentar. Eu levo os meus filhos à missa para que a nossa família se cruze com a família dos filhos de Deus e se possa sentar lado a lado, nos bancos da igreja, com estranhos a quem chamamos “irmãos”. Na missa dominical, é preciso que eu e os meus filhos nos cruzemos com aquele paroquiano velhinho que fica eternamente a fazer trocos no cesto das ofertas, e ainda o outro que resmunga sozinho. Mas também com aquele paroquiano simpático que lhes dá um rebuçado todos os domingos, e o outro que os chama para acolitar ou para cantar.  E ainda com o bebé barulhento que não me deixa concentrar. É preciso que o escuteiro se sente ao lado do cursista e que o casal das Equipas de Nossa Senhora aperte a mão ao focolarino. É preciso que o mordomo e o catequista se ajoelhem lado a lado, e que o rico e o pobre caminhem na mesma fila para receber o mesmo Pão. Na missa dominical, é preciso que haja comunidade e que todos os movimentos, grupos e pessoas se cruzem e encontrem. A começar pela família de cada um.

Missa da catequese? Missa das crianças? Missa dos velhinhos? Missa dos doentes? Missa dos jovens? Fará algum sentido compartimentar a comunidade desta forma? Não estará a comunidade crente já suficientemente compartimentada, nos encontros semanais ou mensais dos diversos movimentos, incluindo as catequeses? Não será a missa dominical o tempo e o lugar privilegiados para todos os movimentos, todos os grupos, todas as famílias e todas as pessoas da paróquia se encontrarem como irmãos, em pé de igualdade, diante d’Aquele a quem vão chamar Pai Nosso?

O catequista ajuda a criança a crescer na fé. Mas não foi o catequista quem fez a promessa, no dia do batismo, de educar aquela criança na fé. Foram os seus pais. É pois aos pais que cabe conduzir o filho ao encontro da comunidade e do seu Senhor.

Por que aceitam os catequistas hoje substituir os pais? Por que aceitam eles este papel, assumindo-o às vezes com fatalismo (“os pais não vêm, temos de tomar conta dos meninos durante a missa”), outras com vaidade (“são os meus meninos”)?

Um dia de agosto passado, na praia, sentei-me perto da educadora de infância de alguns dos meus filhos. Mas não me passou pela cabeça entregar-lhos para que cuidasse deles ali na areia. Primeiro, porque não delego a ninguém o privilégio que me cabe de brincar com os meus filhos na praia. Segundo, porque ela estava de férias com a sua família e não ousaria perturbar o seu descanso.

Por que tratamos os catequistas na missa de forma diferente? Por que delegamos neles o privilégio de cuidarem dos nossos filhos no momento mais importante das suas vidas? Por que não nos incomoda perturbar o próprio privilégio dos catequistas de partilharem aquele momento com as suas famílias e com todos os paroquianos em geral?

Enquanto o catequista não assumir a verdade do seu papel, necessariamente secundário em relação ao papel dos pais, não conseguirá que os pais respeitem esse mesmo papel nem ajudará os pais a assumir o seu.

Como eu dizia há uns dias, a mim parece-me que está tudo de pernas para o ar…

9 Comments

  1. Pilar Pereira

    Na nossa paróquia a missa das dez horas de domingo é chamada “missa da catequese” ou “missa das crianças”. A ideia por trás é a homilia ser mais direcionada para as crianças (aproveita-se e os adultos também percebem melhor…). No entanto, não há bancos reservados para as crianças, que (as que aparecem) ficam ao pé dos pais. Nas festas da catequese, as crianças costumam ficar no banco da frente e os pais logo atrás (são tão poucas crianças que no máximo ocupam duas filas). Por vezes os catequistas não estão presentes nestas festas, o que me parece o contrário da situação que descreveste… Não devem substituir os pais, mas também não devem estar ausentes em momentos importantes!

    • Olá Pilar! Claro que não me refiro a momentos pontuais, como as festas, e concordo plenamente contigo quanto à possibilidade de algumas homilias serem mais direcionadas para crianças, embora com os devidos cuidados (pois os adultos que vão sempre às “missas de crianças” também têm direito a escutar conteúdo adulto). Quanto à ausência dos catequistas desses momentos importantes, esse é outro problema grave, que não cabe neste post 🙂 Bjs!

  2. Pilar Pereira

    O nosso pároco costuma ter esse cuidado. Até pede desculpa às crianças e diz que vai falar um bocadinho para os adultos. 🙂
    Beijinhos e tudo a correr bem com os nove!

  3. Catarina Ramos Tomas

    Ao ler este post, achei que a Teresa estava a descrever a missa de sábado da minha Paróquia. E como tudo se passa dessa maneira…
    A Igreja enche-se com mais de 200 crianças e jovens…A comunidade que fica atrás das “intermináveis” filas de crianças e jovens não conta mais de 100 pessoas.
    Temos efectivamente “casa cheia”, que enche de “orgulho” o nosso Pároco, mas temos também tudo o que a Teresa descreveu. Onde estão os pais? Passamos a Eucaristia a “mandar calar” pois não existem catequistas ou Chefes de Escuteiros para cada uma das crianças. E a “dança das cadeiras”? Os mais irrequietos trocam de lugar várias vezes por missa…
    E torna-se muito difícil para o adulto concentrar-se e participar realmente da Eucaristia. É muita criança!
    Já experimentámos vários formatos. É um tema recorrente no Conselho Pastoral de final e início de ano pastoral. Mas ainda não encontrámos a melhor solução! Porque de uma maneira não temos pais, de outra, não temos crianças…
    A mim parece-me que falta a Comunidade perceber o verdadeiro sentido da Eucaristia, pois pensa-se em tudo, menos no mais importante!

    • Obrigada pela partilha, Catarina! E ainda bem que ela surge agora, em fim de ano pastoral, porque estamos sempre a tempo de fazer diferente. De facto, se queremos números de crianças, este formato oferece-os. A questão que se coloca é: depois da Primeira Comunhão ou depois do Crisma, ou simplesmente em tempo de férias, esta imensidão de crianças e adolescentes continua a vir à missa todos os domingos? Ou desaparece quando a missa deixa de estar obrigada à catequese, para daqui a uns anos enviar os filhos à catequese e à missa enquanto vai fazer compras ao Continente? A resposta a esta pergunta deve-nos ajudar a decidir qual o formato preferível. A mim parece-me que a norma “poucos e bons” funciona muito melhor… Bjs

      • Catarina Ramos Tomás

        A “casa cheia” termina no último fim de semana de actividades dos escuteiros e só porque são os últimos a acabar em termos de calendário.

        Depois desse sábado a missa dos jovens também vai de férias!

        E que diferença se sente! As crianças e jovens que nela participam não enchem a primeira fila e estamos a falar de 11 cadeiras… Ficam os poucos… E os outros? Como trazê-los?

        • Está visto que este modelo não funciona então, e que os números não nos devem deixar descansados nem orgulhosos… Soluções, não as tenho. Mas tenho ideias que gostava de poder pôr em prática, se eu “mandasse” um bocadinho 🙂 Vamos conversando aqui no site, quem sabe esta gotinha de água ajuda a maré a mudar? Bj

  4. Gostei tanto desta reflexão!
    Aqui na aldeia o problema que sempre tivemos foi que a geração dos pais não ia à missa. Apenas avós, netos e os catequistas (alguns na faixa etária dos pais). Assim que deixámos de ter catequese deixou de haver crianças na missa. Raramente temos crianças além das minhas… penso que a mudança só vai acontecer quando os pais perceberem bem que o matrimónio é um sacramento no qual se faz a promessa de receber e educar os filhos na fé cristã, que o batismo é um sacramento na qual se renova a promessa da educação cristã…

  5. Também me parece que não faz sentido compartimentar a comunidade em missas diferentes e que é fundamental os pais assumirem o seu papel, não o deixando para os catequistas.
    Será que alguém lhes falou de qual é o seu papel? Por aqui pelo menos nunca ouvi nada que os chamasse, antes pelo contrário, o que lhe é indicado podia ser indicado noutro local qualquer do mundo fora da Igreja.
    Na lista dos motivos que bem indica para levar os filhos à missa falta o oferecimento que Jesus torna presente no Altar, em oferta ao Pai na unidade do Espirito Santo, em adoração, acção de graças, pelos nossos pecados e pelas nossas petições.
    Acho que falta ajudar os pais encontrar esse papel em relação a Deus, a conversão, de forma a que o centro de atenções não seja o «Eu» para passar a ser «Deus».

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