Em Caná da Galileia...


Asia Bibi e o dom da fé

“Meninos, tenho uma grande notícia para vos dar”, anunciei há dias, reunindo a família junto ao Canto de Oração Familiar. A rebentar de curiosidade, todos se sentaram para me ouvir. “Asia Bibi foi libertada!”

Gritos de alegria, palmas e muita animação. É que cá em casa, há anos que rezamos diariamente por esta grande cristã paquistanesa. A Sara é, por norma, quem primeiro se lembra desta intenção, antes do terço familiar. Nos dias que se seguiram ao anúncio, falámos do assunto com muita frequência.

“Mãe, a Asia Bibi já pôde abraçar os filhos?” Queria saber a Lúcia, que tem uma sensibilidade muito à flor da pele. “Coitadinha! Que saudades deviam ter todos!”

“Hoje, nada no trabalho me conseguiu aborrecer. Cada vez que pensava na libertação da Asia Bibi, uma onda de alegria invadia-me”, confessou o Niall ao fim da tarde.

Soubemos depois que afinal, a libertação não foi imediata, pois os protestos nas ruas do Paquistão impediram Asia Bibi de sair da prisão. Temia-se pela sua vida, e a família pediu asilo no estrangeiro. Finalmente, Asia Bibi foi libertada em segredo e empurrada para um avião, que partiu para parte segura ainda dentro do Paquistão, mas desconhecida. A sua saga ainda não acabou.

A história de Asia Bibi remonta ao ano de 2009. Trabalhando nos campos com temperaturas acima dos 45 graus, Asia ousou beber água de um poço, servindo-se do balde comum. As suas companheiras muçulmanas revoltaram-se, dizendo que, pelo facto de ser cristã, Asia tinha acabado de contaminar o poço, e já ninguém podia beber dele. Gerou-se uma discussão acesa, em que as camponesas exigiram que Asia se convertesse ao Islamismo para poderem partilhar o mesmo poço, ao que Asia terá respondido: “O meu Senhor Jesus Cristo deu a vida por mim numa Cruz, nunca O trairei. Mas o vosso profeta, que fez ele por vós?” Foi quanto bastou para que Asia Bibi fosse condenada à morte. Os anos seguintes foram passados na prisão, e a partir de 2013, numa cela sem janelas, no chamado corredor da morte.

Como passava Asia Bibi o seu tempo na prisão? Numa oração contínua, ao ritmo da respiração: “Senhor Jesus Cristo, tem piedade de mim!” A graça de Deus nunca abandona os seus mártires ou confessores (confessores são os que estão prontos para o martírio, mas acabam por não o sofrer), e por isso, o Senhor sustentou Asia Bibi durante tantos anos de solidão, escuridão e maus tratos.

Durante todos estes anos, uma palavra teria bastado e Asia Bibi teria sido imediatamente libertada. Sim, uma só palavra: apostasia. Asia Bibi podia ter renunciado à sua fé cristã, e nada mais seria necessário para ser libertada. Mas bem pelo contrário, Asia escreveu cartas à sua família – marido e cinco filhos! – pedindo-lhes que nunca perdessem a fé em Jesus, nunca deixassem de acreditar. E na Páscoa do ano passado, compôs uma oração a Jesus Crucificado e Ressuscitado, oferecendo o seu perdão aos seus perseguidores, que comoveu o mundo. A sua família não só manteve a fé, como tem feito tudo o que pode para obter a libertação da mãe e esposa, tendo inclusive sido recebida no Vaticano pelo Papa Francisco, que lhes disse: “Asia Bibi é uma mártir. Eu lembro-me dela muitas vezes e rezo por ela.”

Com ela, outros cristãos deram testemunho de Jesus, alguns até à entrega da própria vida. Entre eles, Shahbatz Bhatti, ministro para as minorias, assassinado dias depois de defender publicamente Asia Bibi. A sua vida é agora proposta para canonização. As suas últimas palavras, gravadas em entrevista, foram estas:

Quero partilhar aqui que acredito em Jesus Cristo, que deu a vida por nós. Eu sei o significado da cruz. E eu quero seguir a cruz. E estou pronto a dar a minha vida para defender as minorias que não podem expressar a sua fé. E nenhuma ameaça me fará mudar de ideias. Prefiro morrer a ceder nesta luta.

Aqui fica o extrato da entrevista, pouco mais que um minuto, mas um minuto que lhe custou a vida:

Grandes homens e mulheres cristãos, que dão a vida de uma vez ou a conta-gotas, em sofrimentos contínuos, por Jesus Cristo. E do outro lado do mundo, nas sociedades ocidentais, vemos cristãos que renunciam publicamente à sua fé, sem perseguição, sem ameaças, sem intolerâncias, simplesmente porque sim, numa apostasia generalizada que, em alguns países, até se tornou pública, como contei aqui.

Quando, há dias, escrevi um post a partilhar a minha surpresa perante a falta de fé de crismandos, gerou-se um interessante debate na caixa de comentários. Falou-se das crises de fé e da sua importância para o crescimento humano, falou-se da necessidade de duvidarmos para aprendermos. Fiquei, contudo, com a sensação de que a maioria dos comentadores e eu falávamos de coisas diferentes.

É que quando falamos numa tentação contra a fé, estamos a falar de algo que Deus permite para nos santificar. Tenho a certeza de que tanto Shabatz Bhatti como Asia Bibi sofreram fortes tentações contra a fé. E como reagem a essas tentações os santos, mártires e confessores? Redobram a sua oração, multiplicam os atos de fé e, por fim, com a graça de Deus que nunca abandona quem procura, estão prontos a dar a vida por Jesus.

Pelo contrário, quando eu falava de alguns jovens de hoje, eu não falava de uma tentação contra a fé. Falava da simples falta de fé, a falta de fé de alguém que não procura, um encolher de ombros de quem está seguro de que existem muitas outras coisas mais importantes na vida com que se preocupar e, por isso, com naturalidade e facilidade falta à missa e não encontra tempo nem vontade para rezar. Esta atitude, que descrevi no dito post, muito comum no mundo ocidental, graças a Deus coexiste com uma outra atitude também característica da juventude, presente em vários jovens deste grupo de crismandos e a que a maioria dos comentários se referia: a atitude de quem duvida, mas não deixa de procurar. São atitudes que precisamos de distinguir, pois exigem abordagens diferentes, se realmente quisermos ajudar os nossos jovens.

Que os exemplos dos santos de hoje, os mártires e confessores do nosso tempo, nos fortaleçam na fé, na esperança e na caridade, para que também nós, ultrapassando todas as tentações contra a fé, alcancemos o Céu! Ámen.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *