Em Caná da Galileia...


Domingo XVII do Tempo Comum, ano B

Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga

NADA SE PERDE, TUDO SE MULTIPLICA

A Palavra deste domingo confronta-nos diretamente com o que há de mais radical na doutrina de Jesus – e com o que de menos radical nós, cristãos, vamos fazendo. Porque no dia em que vivermos o que hoje nos é proposto, o mundo será um lugar diferente.

Um homem do povo oferece ao profeta Eliseu as primícias do seu trabalho: vinte pães de cevada e de trigo novo. É a sua forma de agradecer a Deus, na pessoa do profeta, os dons recebidos. Eliseu agradece a oferta, certamente a abençoa, mas não permite que ela pare ali: “Dá-os a comer a essa gente”, diz. É preciso que os dons recebidos circulem com abundante generosidade. O homem hesita: vinte pães para cem pessoas? Mas Eliseu conhece o seu Senhor. Ele sabe que Deus recompensa a cem por um, e que tudo o que Lhe entregamos por amor é multiplicado em favor dos irmãos. O homem distribui os pães, todos comem até à saciedade “e ainda sobrou, segundo a Palavra do Senhor”.

Séculos mais tarde, do outro lado do mar e no cimo de um monte, qual novo Moisés, Jesus ensina a multidão. Mas não basta falar: é preciso que o povo experimente a generosidade do Senhor e a generosidade dos irmãos, traduzida em obras de misericórdia. É preciso que o povo aprenda a grande lição do amor, a lição que Deus nos tenta ensinar desde a Criação de um universo infinitamente maior do que seria necessário ou até sensato – e que continua a colocar nas nossas mãos, gratuitamente, abundantemente, com alimento suficiente para todos. “Todos têm os olhos postos em Vós, e a seu tempo lhes dais o alimento. Abris as vossas mãos e todos saciais generosamente”, canta o salmista.

Nunca experimentaremos esta fartura divina se não abrirmos, como Deus, as nossas mãos para partilhar com os irmãos. Por isso, Jesus provoca a generosidade dos discípulos, perguntando a Filipe: “Onde havemos de comprar pão para lhes dar de comer?” Filipe não é capaz de pensar como Deus, respondendo antes com aquilo a que todos nós chamaríamos bom-senso: “Duzentos denários de pão não chegam para dar um bocadinho a cada um.” Não é esta a resposta que Jesus espera dos seus discípulos. André tem uma resposta um pouco mais ousada: “Está aqui um rapazito que tem cinco pães de cevada e dois peixes…” E embora André termine com uma interrogação cheia de dúvidas – “Que é isso para tanta gente?” – Jesus aproveita esta pequenina abertura de coração e a simplicidade de uma criança para fazer o grande milagre.

A lógica divina desarma sempre a nossa lógica. Pois não é verdade que a grande maioria de nós, cristãos, está convencida de que não tem qualquer poder para solucionar os grandes problemas do mundo, como a fome, a exploração infantil, a guerra? E que, a haver soluções, precisam de ser encontradas nas assembleias dos G8, as reuniões dos países mais ricos do mundo? Os assuntos sérios, dizemos, ficam para a gente grande. Mas agora, no Evangelho, Jesus vem dizer-nos que a solução dos problemas está na gente pequena

Seria para nós difícil acreditar nestes dois relatos de multiplicação do pão se a história dos santos não os ilustrasse. De facto, enquanto os “grandes do mundo” vão debatendo os problemas, alguns “pequenos do mundo” vão-nos resolvendo. Santa Teresa de Calcutá e Dorothy Day, entre centenas de outros santos, são nos nossos tempos recentes um sinal eficaz do poder da generosidade, concretizada em obras de misericórdia. E não apenas da generosidade, mas na sua pequenez, também da humildade, mansidão e paciência, como sugere S. Paulo aos Efésios, em oposição à altivez, à violência e à prepotência daqueles a quem, erroneamente, chamamos “poderosos”.

Quantos cristãos há que seguem estas pegadas de santidade, dando tudo, e dando até doer, como dizia Teresa de Calcutá! Estaremos nós entre eles? Ou preferimos o “bom-senso” tal como o mundo o entende, dando apenas do que nos sobra, evitando correr riscos pelos outros, fechando as portas e as janelas da nossa casa e da nossa vida, não vá o Senhor enviar-nos mais um filho para sustentar ou mais um irmão para ajudar?

Só abandonaremos esta forma mundana de pensar quando, como Paulo, descobrirmos que “há um só Deus e Pai e todos, que está acima de todos, atua em todos e em todos Se encontra”, fazendo de todos nós um só Corpo, uma só família. E se somos família, somos responsáveis uns pelos outros e cuidamos uns dos outros. Dar pão a quem tem fome, suportando com o nosso sacrifício pessoal o irmão necessitado, torna-se assim um gesto natural para quem tem um coração alicerçado na caridade.

E aqui estamos nós celebrando a Eucaristia. Não temos, na nossa vida, senão alguns pães e alguns peixes para oferecer, tão pouco… Mas o Senhor não deixará que nada se perca. E do nosso dom generoso fará Pão, Pão multiplicado até ao infinito e à eternidade, capaz de saciar a nossa fome mais profunda. Contemplemo-l’O sobre o altar, humilde, manso, paciente, transbordando amor. Deus maior não há. E contudo, partido e repartido entre todos, é mais pequeno que o mais pequeno entre nós…

One Comment

  1. antonio assuncao

    Foi certamente da fé e confiança nesta Palavra de jesus que nasceu o ditado da sabedoria popular “O pouco com Deus é muito E o muito sem Deus não é nada”

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