Em Caná da Galileia...


Foi para isto?

“Deixei de frequentar a igreja há muitos anos. Na altura, ia batizar o meu filho mais velho, e o padre não me deixou escolher para padrinhos quem eu queria. Nunca mais pus os pés na igreja.”

“Este ano tomei uma decisão: nem mais um tostão para a igreja! Cá na terra costumávamos ter duas procissões todos os anos, e agora os andores já não saem. Anda uma pessoa a dar dinheiro para quê?”

“O novo padre opôs-se à festa do santinho que por aqui havia sempre. Como resultado, deixei de ir à missa.”

“O padre queria obrigar-me a fazer catequese de pais. Ora esta! Eu queria inscrever o meu filho, mas com tanta obrigação acabei por não o fazer. Deixámos de ir à missa.”

Estas e outras razões para a falta de frequência da igreja têm chegado aos meus ouvidos nos últimos tempos. Um sacerdote amigo contou-me como é cansativo escutá-las todos os dias, repetidas vezes, especialmente quando se tem uma agenda tão cheia, que não sobra tempo para futilidades. E é naturalmente de futilidades que estamos a falar.

A vida numa paróquia – não só entre os cristãos que deixaram de ir à missa por ninharias, mas também entre os que continuam fiéis – está recheada destes mimos. Não precisamos dos grandes temas dos abusos sexuais para sermos, nós cristãos, motivo de escândalo no mundo! Basta olhar para nós próprios, para as guerrilhas entre coros, os amuos entre catequistas, as lutas entre floristas, as discussões entre mordomias.

Aliás, nada disto é novo. S. Paulo queixa-se do mesmo na sua Carta aos Coríntios, como escutámos certamente na semana passada:

Quanto a mim, irmãos, não pude falar-vos como a simples homens espirituais, mas como a homens carnais, como a criancinhas em Cristo.  (…) Pois se há entre vós rivalidades e contendas, não é porque sois carnais e procedeis de modo meramente humano? Quando um diz: “Eu sou de Paulo”; e outro: “Eu sou de Apolo”, não estais a proceder como simples homens? (1Cor 3, 1-4)

Mas enquanto discutimos “quem é de Paulo ou quem é de Apolo”, por que ruas deve a procissão passar, ou quem tem o direito de enfeitar os andores; enquanto guerreamos sobre qual dos coros dominicais deve animar a missa da festa, ou que roupa devem os meninos da Primeira Comunhão vestir, vamos esvaziando as igrejas, perdendo as verdadeiras batalhas da vida e cedendo terreno ao inimigo.

Ontem, diante do sacrário, enquanto refletia sobre todas estas questiúnculas, pequenas alfinetadas que por vezes também a mim, como paroquiana ativa, atingem diretamente, olhei para a cruz de Jesus e dei comigo a perguntar ao meu Senhor: “Foi para isto que morreste?”

Não deixemos que o preciosíssimo Sangue do nosso Salvador corra em vão! Que este ano pastoral que agora começa seja verdadeiramente cristão em cada uma das nossas paróquias. Que este ano nos encontre tão ocupados a servir e a amar, que não nos sobre tempo para ninharias. E que os de fora, os mundanos, os apóstatas, os incrédulos, os escandalizados, os mortalmente feridos pelas nossas falhas, possam finalmente constatar, como outrora os pagãos diante dos primeiros cristãos segundo o testemunho de Tertuliano:

Vede como eles se amam!

3 Comments

  1. Helena Atalaia

    Li, o livro “Sr. Bispo, o Pároco Fugiu” que poderia ser apenas um relato com muito humor sobre estas ninharias, mas é muito melhor. De uma forma mordaz e muito inteligente abre os olhos ao leitor para o trabalho e perda de tempo de um sacerdote, com todas as problemáticas de gestão humana e como isso o pode afastar da sua relação com Deus. Mas este sacerdote não quer abandonar a sua relação de amizade com Deus e a história desenrola-se de forma inesperada, cheia de peripécias e impele o leitor a sentir-se também faminto dessa relação e compreender melhor o que realmente importa. Para dias assim ajuda a desanuviar 😉
    Bjs

  2. Boa noite, pois foi mesmo para isto e por isto que Cristo morreu… Lamentavelmente continuamos a mata-Lo… Quantas e quantas conversas e advertências nos trazem os Evangelhos sobre sepulcros caiados e, directamente, a crítica explícita aos fariseus… Apenas o Amor nos permite seguir a Cristo no humano que somos. Quantas desculpas tecemos sobre o não querer o trabalho e desconforto que decorre do compromisso… Entre vaidades melindradas e orgulhos empoiarados lá se vão afastando, legitimando o erro que sabem, se é que sabem, cometer.
    Entreguemos ao Senhor e procuremos não incorrer tanto nestes tropeções, que também são os nossos, ora porque caímos, ora porque poderemos fazer cair, ainda que inadvertidamente.

  3. Tiago Atalaia

    Cristo criticava os fariseus e doutores da lei porque transformavam Deus em preceitos humanos. Era mais importante lavar as mãos e os utensílios do que amar. Todos os dias, quando existem estas questões, não estamos a tornar Deus em meros preceitos humanos? “Fiz o andor, logo já estou nas graças de Deus”, “canto no coro, logo Deus já sabe que sou melhor que os que não cantam”. “Quem é aquela para pensar que pode chegar aqui e fazer isso? Que falta de respeito por mim que sempre fiz isso e ninguém me pergunta nada?”, “Olha aquele que nem sabe que se tem de levantar e ajoelhar…”, “E a criancinha que não se cala…”. Pois, fazemos coisas mas esquecemos de uma coisa. Amor. O que Deus nos pede é Amor, em dois Mandamentos que resumem toda a lei, Amar a Deus sobre todas as coisas e ao outro como a nós mesmos. Para nos ajudar a mudar o nosso coração de pedra, a Santa Igreja impõe a obrigatoriedade da Missa Dominical. Não é para fazermos um check list e dizer “Já despachei Deus logo estou livre para fazer a minha outra vida”. “Vou à Missa todos os Domingos, logo amo a Deus mais do que os que não vão”. Não, serve para que por nossa vontade, vamos à Missa porque amamos a Deus, e queremos estar com Ele. Lembro-me agora da parábola do fariseu e do publicano…quem queremos ser? Amar deste modo não é fácil e é uma luta para toda a vida, mas se por questões humanas amuamos com Deus, bem, então a nossa vida cristã é como o futebol que se ama quando se ganha e se maldiz quando se perde e deixamos de pagar as quotas de sócio do clube. Trabalhemos no Amor, no Amor a Ele que se fez carne e por todos nós, e que por todos, se entregou na Cruz. Seremos assim tão insensíveis que não sintamos na nossa carne os acoites que Jesus recebe por cada um destes nossos actos? Amando a Deus, conseguimos de certeza melhorar no amor aos outros. Bem hajam.

Responder a Helena Atalaia Cancelar resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *