Em Caná da Galileia...


Mundanidade e tempo de ecrã

Na nossa casa, o tempo passado diante de ecrãs é cuidadosamente controlado. Para os mais novos – até entrada no segundo ciclo – o tempo de ecrã limita-se à televisão nos fins de tarde de sábado e a algumas pesquisas sobre origamis ou atividades engraçadas a fazer com materiais reciclados, com recurso à ciência, etc, em sites da nossa confiança. Os mais velhos decidem o que querem ou não ver, e podem, à semana, ver alguns episódios de uma ou outra série da sua escolha. A Clarinha gosta de ver ginastas a atuar, de aprender receitas de culinária e de aprender instrumentos musicais; o Francisco passa muito tempo a aprender ilusionismo, artes fotográficas e artes cinematográficas. O David decidiu agora aprender com o irmão mais velho a construir imagens a partir de fotografias e, comigo, anda a aprender a escrever no computador utilizando todos os dedos no teclado. De vez em quando, sobretudo nas férias, escolhemos em família algum filme para ver, acompanhado de pipocas, uma manta quente e muitos abraços.

No entanto, apesar do tempo de ecrã cá em casa ser geralmente formativo, ele é limitado. Com exceção do Francisco, que é quase adulto e, por isso, já toma as suas decisões de forma autónoma, todos os nossos outros filhos têm tempo limite em frente do computador ou da televisão. O resto do tempo, queremos que o passem uns com os outros, a brincar. Agora que a primavera chegou, queremos que brinquem o mais possível lá fora e fixem os olhos no maior ecrã do mundo: a Criação de Deus.

“Coitados!” Dizem os meus alunos, quando lhes falo deste limite em minha casa. “Coitados!” Penso eu sobre eles, quando me dou conta de que ninguém controla o tempo ou o conteúdo do que consomem diante dos seus pequenos ecrãs.

“A minha mãe não me deixa andar na rua”, diz-me um rapaz de quinze anos. “É perigoso hoje em dia! Por isso, jogo playstation desde que chego a casa até ir dormir.”

Fico a pensar nesta incongruência. É perigoso andar na rua, brincar nos campos, subir às árvores, ir de bicicleta para a escola, trepar aos telhados, andar de patins. Mas não é perigoso ver novela atrás de novela, reality show atrás de reality show, ou jogar jogo atrás de jogo… Que ingenuidade, meu Deus!

Não vou falar aqui da qualidade dos jogos de computador ou playstation, porque os desconheço por completo. Não temos nada disso cá em casa. Mas confesso que fico preocupada quando o Francisco me diz que a maioria dos seus colegas universitários passa o tempo livre a jogar… Estamos a falar dos futuros engenheiros deste país. A sério que não têm nada de mais interessante para fazer nos tempos livres?

Já as novelas e os reality shows são muito mais que uma enorme perda de tempo: são uma escola de contra-valores. Como é que nós vamos ensinar as crianças e os adolescentes a respeitar os outros, a servir, a ser puro e casto, a chegar virgem ao casamento, a ser simples, a ser misericordioso, e tudo o mais que pertence ao Evangelho, se eles consumirem horas e horas de novelas onde se faz a apologia do “salve-se quem puder”, da vingança, da traição, das relações sexuais ao primeiro encontro amoroso, do adultério justificado porque a mulher do herói merecia mesmo ser traída ou porque a rapariga que se mete no meio era mesmo a sua alma-gémea? Como queremos formar cristãos, se as histórias que eles consomem, as canções que escutam, os modelos que seguem são totalmente pagãos? Até os desenhos animados estão de ano para ano a perder a inocência.

As crianças que conheço e que por norma não vêem televisão, entre elas os meus filhos, não são melhores que as outras. Mas são mais inocentes. Há no seu olhar um brilho diferente, nas suas conversas um tom sonhador, nos seus pensamentos uma simplicidade pouco comum nos dias de hoje. Do que me é dado escutar das conversas entre os meus filhos e os seus amigos, ou entre os meus alunos na escola, concluo que a diferença se expressa numa palavra: mundanidade. Quanto mais expostos aos valores do mundo, mais mundanos nos tornamos. Ser mundano não significa cometer pecados, claro. Mas o Papa Francisco tem passado o tempo a alertar para a tristeza que é ver um cristão mundano.

Nestes dias em que escutamos as últimas palavras de Jesus, encontramos esta oração:

Dei-Te a conhecer aos homens que, do meio do mundo, Me deste. Eles eram teus e Tu mos entregaste e têm guardado a tua Palavra. (…) Doravante já não estou no mundo, mas eles estão no mundo, e Eu vou para Ti. Pai Santo, Tu que a Mim Te deste, guarda-os em Ti. (…) Eles não são do mundo, como também Eu não sou do mundo. (Jo 17, 6.11.16)

Durante estes dias santos, tenhamos a coragem de nos desligarmos do mundo, desligando os ecrãs. Que a Sexta-feira Santa seja verdadeiramente um dia de jejum, também televisivo, um dia de silêncio e contemplação, para chegarmos, puros e simples, aos aleluias da Páscoa.

E durante o ano inteiro, tenhamos a coragem de educar os nossos filhos, controlando o tempo de ecrã. Não tenhamos medo da sua reação, pois nenhum filho reage com revolta a um gesto de amor. Basta de cristãos mundanos, basta de crianças mundanas! Nós não somos do mundo. É preciso que os nossos filhos também não sejam…

3 Comments

  1. Ricardo Correia

    Olá!
    Antes de mais, queria dizer que sou novo aqui neste site (conhecio há uns dias atrás) e tocou-me profundamente, principalmente este post. Infelizmente, no que toca a televisão, sou um pouco pecador, não sou pessoa de fazer maratonas de televisão, mas também não posso dizer que não veja. Eu adoro ver uma coisa que eu acho inofensivo e que não faz mal nenhum e que tem por nome de desporto, há também a Canção Nova que é um canal, com programação católica e que aconselho vivamente. Uma coisa concordo, ainda por cima agora com a chegada da primavera, é aproveitar o ar fresco do exterior ao máximo e poder contemplar a obra de Deus. Todos os meus colegas de trabalho, ou é televisão ou computador e sempre agarrados ao telemóvel (outra doença), que para mim só deveria servir para telefonar e receber chamadas. Adoro a vossa família e acho que deveria servir de exemplo para as outra, ao mesmo tempo que vai servindo também de exemplo para mim e posso dizer que estou a aprender bastante. Sou católico e crente, mas acho que posso e deveria fazer muito mais. Adoro profundamente este site e os vossos videos no YouTube e muito obrigado pelo vosso contributo na propagação da fé cristã. Que Deus Vos Abençoe.

    • Bem vindo, Ricardo! Que bom ter novos comentadores no site! E sim, concordo com o que diz! Um abraço e comente sempre, Teresa

  2. Adorei ler. Bem interessante.😊

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