Em Caná da Galileia...


O fim da história

Esta semana, o carteiro tocou à nossa campainha. Trazia uma encomenda para mim, que só posso abrir no dia de Natal: A autobiografia de Dorothy Day, The Long Loneliness. O Niall sabe que nenhuma prenda me dá maior alegria que as histórias dos santos, e por isso encomendou o livro pela internet com antecedência, para me dar este singelo prazer no dia de Natal. Quando o Niall chegou, apressei-me a dar-lhe a boa notícia:

“Niall, chegou a minha prenda de Natal!”

Ele sorriu: “Ainda bem que veio a tempo! Agora, nada de mexer!”

Eu continuei a olhar para ele com um olhar suplicante, que o Niall conhece tão bem. Depois pedi com voz fininha: “Deixas-me espreitar só um bocadinho?”

“Nem pensar! Se espreitas, deixa de ser surpresa!”

Baixei a cabeça, fingindo amuar. Até que o Niall me sugeriu:

“Fazemos assim: abres o pacote, espreitas o final da história como gostas de fazer, e voltas a fechar. Combinado?”

E assim fiz.

Ler o fim das histórias antes de começar a leitura pelo princípio é um dos hábitos que mais surpreendem a minha família. “Assim não vale!” Dizem eles, quando me veem a ler um livro pelo fim. Mas eu não consigo fazer de outra maneira. Preciso de ter a certeza de que o fim justifica a leitura do livro inteiro.

Ora acontece que esta minha forma de agir não é assim tão disparatada. A Igreja procede da mesma maneira há dois mil anos! Não acreditam? Vejam comigo:

Começámos o Novo Ano Litúrgico no passado dia 3, com o Domingo Primeiro de Advento. Sim, para a Igreja, o ano novo começa com o Advento! Se querem uma boa data para abrir uma garrafa de champanhe e comemorar, podem escolher a noite de sábado para o Domingo Primeiro de Advento, e assim estar mais descansados no fim do mês de dezembro e arranjar tempo para participar no Retiro de Natal, aberto a todos 🙂 (Já se inscreveram em Eventos?)

Estamos, pois, a começar um novo ano. E já repararam nas leituras que nos são apresentadas ao longo destas duas semanas? Elas não nos falam do princípio, do nascimento de Jesus, do Presépio – isso fica para a segunda parte do Advento, as semanas três e quatro – mas do Fim dos Tempos! Na companhia do profeta Isaías, somos convidados a visitar os últimos dias da História da humanidade. E sabem qual é a boa notícia? É que a humanidade tem um final feliz. Graças aos textos da liturgia destes dias, ficamos a saber que vale a pena ler – ou viver – o “livro” inteiro, pois o final é mesmo, mesmo muito bom!

Assim, quando à minha volta vejo destruição, consumismo, mundanidade, escolhas de morte em vez de escolhas de vida; quando me apercebo de que o Natal continua a ser a festa do velhinho de barbas brancas, bem agasalhado e bem alimentado, em vez de ser a festa do Bebé pobrezinho despido nas palhinhas; quando sinto o calor subir cá dentro diante de uma discussão sem nexo algum sobre temas como a eutanásia, o aborto ou o “casamento” homossexual – eu penso nesta graça que me foi dada: eu já li o fim da História! Eu já sei como vai terminar esta luta! Ânimo, alegria e esperança, que o Senhor virá triunfante!

Qual é então o nosso papel neste teatro mundial da História da Salvação? O estudo da História dos países e das civilizações faz-nos perceber que cada época teve as suas lutas. Mas todas as causas precisaram dos seus mártires e dos seus heróis, das mais variadas idades, cores e classes. É assim que nos situamos também na História da Salvação. A nossa época, com lutas e causas bem específicas, precisa de mártires e de heróis. Como todas as épocas, precisa urgentemente de santos! Estamos pois convocados para as lutas de hoje. Sabemos que, no final, o triunfo é garantido, mas para nossa felicidade eterna, queira Deus que este triunfo aconteça através de nós, e não apesar de nós…

Olhai, Eu vou criar um novo céu e uma nova terra; o passado não mais será lembrado e não voltará mais à memória. Alegrem-se e rejubilem para sempre por aquilo que vou criar. Olhai, vou criar uma Jerusalém cheia de alegria e um povo cheio de entusiasmo. Eu mesmo me alegrarei com esta Jerusalém e me entusiasmarei com o meu povo. (Is 65, 17-19)

2 Comments

  1. Helena Isabel Barros Le Blanc

    Ola Teresa

    Acho que tens muita razão (nesse teu habito de ler primeiro o fim dos livros!)
    Gostei muito deste post.
    Um abraço

  2. Eu também tenho o hábito de espreitar o final. Não é antes de iniciar a leitura, mas quando a história começa a suscitar mais interesse, vou espreitar o final (não vá eu estar ansiosa com uma coisa que depois não acontece 🙂 ).

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