Em Caná da Galileia...


Uau!

Será que o Tríduo Pascal é adequado a crianças? Deverão elas participar nas cerimónias longas e solenes destes dias?

Pois eu estou convencida de que não há, no ano inteiro, liturgia mais adequada às crianças. Nenhuma “missa para crianças” se lhe compara! Na verdade, o Tríduo Pascal é uma experiência profundamente sensorial, feita de cheiros, cores, sons, silêncios, gestos expressivos, ou seja, tudo aquilo de que nos servimos quando queremos que os mais novos aprendam alguma coisa. De tal maneira o simbolismo destas cerimónias se impõe, que as palavras da homilia ou as nossas palavras explicativas deixam de ser necessárias para que os mais novos entendam o drama que se desenrola diante de nós.

De facto, que há de mais sugestivo do que o som estridente dos sinos e das campainhas a tocar incessantemente durante o glória, na missa do lava-pés? Ou o silêncio absoluto, sem cantos nem órgão, que acompanha a entrada do sacerdote na celebração da morte do Senhor? Sou só eu que fico com os olhos cheios de lágrimas ao ver os sacerdotes prostrados em adoração no chão frio da igreja?

Que há de mais sugestivo do que o cheiro intenso do incenso durante todo o Tríduo?

Que há de mais sugestivo do que o gesto do lava-pés, a água morna que se derrama, as mãos que acariciam, o sacerdote que se dobra até ao chão para servir os irmãos? “Posso ir ali também lavar os meus pés, mãe?”

Que há de mais sugestivo que a porta do sacrário aberta, como que arrombada, o altar despido como se de um cenário de guerra e desolação se tratasse? “Posso ajudar a tirar as toalhas, mãe?” “Onde fica Jesus agora? Aonde O levaram?”

Que há de mais sugestivo do que uma cruz de madeira elevada em cortejo, diante da qual uma assembleia inteira se ajoelha, um após outro beijando as feridas do Senhor?

Que há de mais sugestivo que uma Via Sacra pelas ruas da nossa terra, as casas iluminadas, as crianças conscientes do seu papel, representando os passos de Jesus? (Que belas, as “meninas” de Jerusalém… Que contraste entre a coroa de “Pilatos” e a coroa de “Jesus”…)

Por fim, que há de mais sugestivo do que o fogo novo, aceso no pátio da igreja, e a entrada na Vigília Pascal às escuras, para logo de seguida, uma explosão de luz e canto cobrir a multidão?

O Tríduo Pascal não é adequado às crianças? Eu diria o contrário. Eu diria que só entende o Tríduo Pascal quem tiver um coração de criança…

Por causa do Daniel, eu tinha decidido faltar à Via Sacra na noite de Sexta-feira Santa, pela primeira vez desde que estou em Mogofores. Mas não há, para mim, celebração mais bela o ano inteiro que esta singela caminhada… À última hora, e porque a noite estava suave e quente, não resisti. Enrosquei o Daniel no pano, bem junto ao meu peito, e lá fomos nós também. Não chegámos ao fim, porque foi preciso voltar para casa a tempo do leitinho, mas ainda fizemos nove estações! E o Daniel não pareceu achar nada complicado 🙂

Quinta-feira Santa, missa solene do lava-pés, nove horas da noite. A Sara vibra com os sinos e as campainhas no “glória” e orgulha-se do David, o “senhor do incenso”. Momento da consagração. Em vez da habitual hóstia de tamanho médio, o senhor padre eleva uma hóstia enorme. Todos contemplamos em silêncio, rezando interiormente as orações de adoração que o Espírito nos sugere. Menos a Sara. De olhos fitos na hóstia branca, redonda, grande, a Sara exclama: “Uau!”

Que os sons, os silêncios, as cores, os cheiros, os gestos e os movimentos destes dias maiores provoquem em nós uma profunda e sincera conversão…

E enquanto aguardamos para cantar de novo Aleluia, não nos esqueçamos do espanto. Como a Sara, exclamemos: “Uau!”

2 Comments

  1. antónio assunção

    É bela esta descrição… porque “respira vida vivida e participação sentida”!…
    É verdade!
    Agora só falta a Solene Vigília Pascal
    Santa Páscoa Aleluia

  2. Não há de facto dias mais belos do que estes para vivermos a nossa fé fora de casa, com as crianças pois claro! Este ano fomos celebrar a Paixão do Senhor a Fátima. Na basílica da Santíssima Trindade estavam centenas de pessoas, de Portugal, da Europa, do Mundo… Muitas crianças que ora choravam, ora brincavam em silêncio… Ora dormiam, foi uma celebração muito longa, mas belíssima! Uma a uma todas as pessoas que quiseram foram adorar a Cruz ao som de lindos cânticos e de pequenas frases evocativas da solenidade, mas o momento que me comoveu verdadeiramente foi quando, depois da adoração, toda a assembleia de pé entoou “Vitória, tu reinarás, Ó Cruz tu nos salvarás!”
    Sim, as nossas crianças merecem viver verdadeiramente estas festas! E agora pela primeira vez iremos à Vigília Pascal, crianças incluídas!

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