Em Caná da Galileia...


A escola, a TV e a meia-hora mais importante

Ontem fiquei indignada ao ponto de me sentir fisicamente incomodada, depois de visualizar os três minutos de desenho animado “As Destemidas”, que a RTP2 transmitiu no horário de programação infantil ZigZag e que anda a circular nas redes sociais católicas como forma de alerta e denúncia. Em três minutos, o aborto, a homossexualidade e o divórcio são tratados, explicita e subliminarmente, como grandes conquistas civilizacionais (não deixo, propositadamente, o link, mas convido os adultos que me leem, e só os adultos, a pesquisar).

Ainda me refazia do susto quando, ao abrir o livro de português da Sara para marcar as atividades diárias enviadas pela professora, me deparei com um texto intitulado “O novo namorado da mãe” (na ficha seguinte à sugerida pela professora). Compreendo e aceito que haja nas nossas escolas muitas crianças para quem este texto faça sentido. Mas não posso aceitar a base ideológica que está por detrás do contraste marcante e pouco natural entre a mãe “pré” e “pós” namorado.

Depois do almoço, enquanto tomávamos café no jardim (dez preciosos minutos que os nossos filhos aprenderam a respeitar), o Niall e eu conversámos sobre tudo isto, particularmente sobre a sensação de impotência que sentimos diante de uma sociedade cada vez mais relativista e ditatorial, onde quem pensa diferente, quem pensa catolicamente, é olhado com o mesmo horror com que se olha um pedófilo, um nazista ou um racista, ou talvez ainda pior.

O que podemos fazer?

Podemos fazer várias coisas. Por exemplo, escrever para o provedor da RTP, manifestarmo-nos online, fazer abaixo-assinados. Vamos a isso!

Podemos também controlar melhor o tempo que os nossos filhos passam diante do televisor e do computador e os conteúdos a que acedem. Na nossa casa, esse assunto está bem resolvido.

“Estudo em Casa”, pois claro!

Algumas famílias vão mais longe e optam por retirar os filhos da escola, afastando-os assim de todo o tipo de influência que possa fugir ao seu controlo. Porque já várias famílias me pediram em privado opinião sobre o ensino doméstico, que é uma tendência crescente, e eu nunca a dei em público, ela aqui fica, como simples partilha:

O ensino doméstico é, à partida, seletivo, pois a esmagadora maioria dos portugueses não tem condições de o realizar. Cá em casa, não colocamos os filhos em formas de ensino seletivas (e por isso, também  nunca equacionámos escolas católicas caras).

A escola é fantástica precisamente porque expõe os nossos filhos a todo o tipo de pessoas, permitindo-lhes fazer amigos improváveis sem a nossa intervenção e sem a nossa supervisão, e aprender com os mais variados professores, os que pensam como nós e os que pensam diferente. Eu quero tudo isto para os meus filhos.

“Ah, mas fora da escola, sem terem que caminhar ao ritmo dos colegas de turma, as crianças aprendem mais depressa e ficam com mais tempo livre”, argumentam alguns. A vida, contudo, não é nenhuma corrida. Podemos ir mais rápido sozinhos, mas vamos com certeza mais longe acompanhados. Uma das lições mais importantes da vida é aprender a acertar o passo com o passo do outro.

“Aula-zoom” para o António e, claro, para o Daniel

Como professora, eu gosto de olhar a escola não como inimiga, mas como aliada, e acredito na bondade da grande maioria dos professores. A criança precisa de sentir o mundo à sua volta como um ambiente seguro, e não como um ambiente hostil. Diz o Papa: “A família não deve imaginar-se como um recinto fechado, procurando proteger-se da sociedade.” (AL nº 181)

Sobretudo, partilho profundamente desta convicção do Santo Padre: “Mas também não é bom que os pais se tornem seres omnipotentes para os seus filhos, de modo que estes só poderiam confiar neles, porque assim impedem um processo adequado de socialização e amadurecimento afetivo.” (AL nº 279) Não queremos, de forma alguma, que os filhos imaginem que sabemos mais e melhor do que os seus professores, catequistas, treinadores. Não nos ponham esse peso sobre os ombros! Não sabemos mais nem melhor, graças a Deus! Precisamos de uma aldeia inteira para educar uma criança…

Não queremos que os nossos filhos aprendam apenas de uma fonte, ou pior ainda, em frente de um computador, com desconhecidos com quem não precisam de se esforçar por estabelecer relação, porque nem sabem da sua existência! Se o aprender for apenas virtual e deixar de ser relacional, de que serve? “O que aprendeste hoje na escola?” Gostamos de perguntar cá em casa. E ainda: “O que te ensinou hoje o catequista?” Com humildade, partilhamos do seu espanto e do seu entusiasmo e aprendemos com eles, enquanto lhes proporcionamos aprendizagens não-formais que só em família podem acontecer.

“Aula-zoom” num jardim que, durante o confinamento, ganhou o direito à Internet

Por todas estas razões, estou desejosa que os meus filhos regressem ao vaivém casa-escola, que lhes permite chegar ao fim do dia cheio de novidades para contar, de alegrias para partilhar e de conflitos para resolver, e me permite a mim meia-hora seguida de concentração a meio do dia…

A letra é do Francisco, e a porta é do escritório 🙂

Então o que podemos, realmente, fazer pelos nossos filhos? O café depois do almoço já ultrapassara há muito os dez minutos, quando o Niall e eu concluímos:

A resposta não precisa de ser radical. Está na casa de cada uma das nossas famílias, e basta meia-hora diária. No nosso Movimento, chamamos-lhe a hora da oração familiar. Lendo e meditando todos os dias – sem exceção – a Palavra de Deus, quer nas leituras da missa diária, quer através da oração do Terço; complementando-a com o Catecismo sempre que necessário; trazendo à discussão as situações do mundo, dos amigos, da escola, das notícias, aprendemos a ler a vida à luz que emana do Evangelho.

Dia após dia, os filhos crescem em sabedoria, fortaleza e graça, capazes de discernir o bem e o mal aonde quer que estejam. Ensinando-os a ler a vida com o Evangelho numa mão e o Terço na outra, serão abençoados como Josué:

Ninguém te poderá resistir, todos os dias da tua vida; estarei contigo; não te deixarei nem te desampararei. Esforça-te, e tem bom ânimo, para teres o cuidado de fazer conforme a toda a lei que meu servo Moisés te ordenou; dela não te desvies, nem para a direita nem para a esquerda. Não se aparte da tua boca o livro desta lei; antes medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer conforme a tudo quanto nele está escrito; porque então farás prosperar o teu caminho, e serás bem sucedido. Não temas, nem te espantes; porque o Senhor teu Deus é contigo, por onde quer que andares. (Josué 1,5-9)

Ámen!

 

13 Comments

  1. Célia Canadas

    Obrigada pela partilha🙏🏼🙏🏼🙏🏼

  2. Teresa Martinho

    Sim também penso que o importante é acompanhar, haver espaço de diálogo mas é importante haver condições para livremente cada família optar pelo que entender ir ao encontro do seu projecto, da sua realidade seja a escola pública, colégio ou ensino doméstico. Sempre há a tentação de algumas forças utilizarem e instrumentalizar em a educação e hoje estamos em presença de uma autêntica ditadura, doutrinação. A propósito, sou professora de Educação Moral e Religiosa Católica, recebi por estes dias um alerta do Secretariado Nacional de Ensino Religioso a alertar para a necessidade de fazermos como professores diligências sensibilizando para a disciplina de EMRC porque as matrículas começam nesta 6a feira online na plataforma e está previsto aparecer se os EEs querem ou não EMR(Educação Moral e Religiosa). Depois os Encarregados de Educação terão em caso afirmativo de se dirigir às escolas e dizerem qual a confissão quando até agora os impressos tinham espaço para colocar a confissão. O Snec já fez segundo nos disseram diligências junto do Ministério mas ainda não houve resposta. Isto, a não ser alterado, será muito prejudicial para a realização de horários, contrde professores, muitos pais não irão às escolas estando feita a matrícula dos filhos, entre outras questões. Sabemos já há tempo que há quem não aceita a existência desta disciplina na escola (no meu agrupamento também existe EMRE-Evangélica), estamos a viver tempos de combate ao Cristianismo. Nada de novo mas numa sociedade que se diz democrática isto é tudo menos democrático. Devemos educar para a harmonia do ser humano com um projecto de vida que, no nosso caso é cristão. É muito mais que património e cultura mas também nesse sentido é importante que haja uma disciplina na escola que a par de outras transmita os valores em que acentua a nossa civilização. Uma amiga minha que é professora de História diz com tristeza que os alunos chegam ao Secundário muitos deles sem terem conhecimentos básicos sobre o Cristianismo, a Bíblia alguns mesmo que se dizem católicos desconhecem a Bíblia e são alguns evangélicos que respondem a algumas questões para além de que nos programas de História se dá mais relevo à civilização egípcia ou muçulmana que à hebraica que tem breves referências. O papel da escola é muito importante e por isso mesmo temos que estar alerta e agirmos fazendo propostas, assinalando o que pode melhorar ou não deve acontecer. A Catequese tem o seu espaço, o seu propósito é a aula de EMRC tem o seu embora sejam complementares. É um espaço de diálogo na escola, de descoberta. Também há uma “onda” de relativismo:cada um opta pelo que quer, todas as regiões/grupos religiosos são equiparados o que não está correcto como sabemos. Está em marcha uma agenda política de extrema esquerda que tem de ser contrariada a bem de todos! Cada um de nós, penso, deve reflectir, confrontar, orar a situação e juntos em Igreja agirmos como cristãos com um papel na sociedade.

  3. Catarina Ramos Tomás

    Uma destas noites, oração familiar: Filipe “Quero agradecer a Jesus por não ser como os meus amigos… (eu pensei: Meu Deus o que vem aí??)… obrigado Jesus pela minha família estar toda junta. Obrigado pelos meus pais serem casados e eu ter irmãos”
    Ao jantar tinhamos falado sobre os divórcios e o Filipe tinha constatado (tristemente) que 18 dos 26 coleguinhas da turma dele viviam com os pais separados (dos 8 que sobravam o Filipe não tinha a certeza da situação de todos…)
    Ainda me lembro do arrepio ao ler este mesmo texto no caderno de fichas. Ainda tenho a sensação de enjoo quando no ano passado constatei no sumário da turma de 5º ano do Zé (10/11 anos) que o tema da aula de Cidadania tinha sido Identidade de género e o conteúdo, a projecção de uma curta metragem espanhola em que um rapazinho de 10 anos aparece vestido com um Vestido Cor de Rosa na sala de aula.
    E a minha tristeza aumentou quando depois de ligar a quatro ou cinco mães de colegas do meu filho verifico que nenhuma delas tinha lido o súmario… Nenhuma delas tinha ido ver o filme… Nenhum dos filhos tinha comentado ao jantar a estranheza de tal coisa…
    Também penso que é muito importante a pergunta: O que aprendeste hoje na escola? Como correu o treino? De que falaram na catequese?
    Mas como pais, também na hora do nosso café no jardim, sentimos uma impotência enorme, mesmo depois de termos tomado algumas atitudes e manifestado a nossa indignação como nos foi possível…
    Precisamos que estes assuntos de educação cristã se falem e se partilhem entre nós. Precisariamos de um aconselhamento nestas situações, de procedimentos definidos e se calhar de uma estrutura que nos fornecesse informações claras sobre os nossos direitos e sobre o que fazer e como fazer.
    Quando me senti “enjoada” com o que vi, escrevi à Teresa que no mesmo dia me respondeu. Foi a única que me orientou. Falei com Diretores de escolas, advogados, Professores, todos da minha Paróquia. Senti-me desvalorizada nas minhas preocupações…
    Também sinto o peso desta agenda política de extrema esquerda mas não vejo a Igreja muito empenhada em fazer diferente.
    Nós lá por casa, vamos terminando os dias a fazer balanços e a transmitir o que acreditamos que “serve para o céu”.

    • A Igreja somos também nós, Catarina. Não, a hierarquia não tem tido peso na mudança necessária. Mas talvez seja mesmo o tempo dos leigos se mexerem, de serem fermento na massa, não fermento fora dela, nem grandes blocos de fermento que se tornam intragáveis. Aqui e ali, uns nesta escola, outros naquela, dois ou três de cada vez, vamos agindo e fazendo a diferença. Terá de ser assim! Tenho a sensação muito clara de que esta mudança de paradigma passa pelas famílias. Lembro-me muito bem da nossa troca de e-mails, e cá estou para o que for preciso!

      • Rogério Tavares Ribeiro

        Quando a igreja e o mundo andam de mãos dadas, das duas uma: ou o mundo se converteu ou a igreja se corrompeu!
        O que acham?

        • Rogério fiquei a pensar se não terá sido o mundo a converter-se???! 😂
          Tem toda a razão…

        • Tal como eu disse à Catarina, a Igreja somos também nós. Assim, é a mim, é a cada um de nós, é a cada uma das nossas famílias que Deus nos pede santidade e evangelização à nossa pequena escala. Há, na Igreja como em tudo, trigo e joio que crescem juntos. Dentro de mim também há trigo e há joio. Na minha paróquia, na minha família, na Igreja do meu país e do mundo inteiro, há trigo e há joio… Que o Senhor nos ilumine para descobrirmos, cada um de nós, a missão a que somos chamados!

          • Catarina Ramos Tomás

            Concordo Teresa! Somos a Igreja. Mas esta Igreja que somos nós está num estado de letargia, de apatia, de conformismo muito grande.
            O texto a que se refere do livro do Sara, a curta metragem que foi passada na aula de cidadania, o programa de televisão, não escandalizou nenhuma das famílias dos colegas dos meus rapazes, que por acaso algumas até são igreja também.
            Não sei se é a falta de tempo, não sei se é o desconhecimento da doutrina social da igreja, não sei…
            Eu senti-me a pregar aos peixes… Não deixando de o fazer.
            O recém eleito presidente da comissão episcopal portuguesa dizia em entrevista à rádio Renascença/ Eclesia que Portugal não era um país cristão.
            Até tremi ao ouvir isto, mas acabei por lhe dar razão… As decisões de fundo não têm caris cristão. Que o Senhor nos ilumine nesta missão. Obrigada Teresa por trazer estes temas sempre tão práticos e tão atuais…

          • Catarina, da minha experiência enquanto professora, não é por maldade ou por terem ideias subversivas que os professores alinham nisto. É por pura ignorância. Porque são pessoas tolerantes, bem intencionadas. Porque não veem mal nisto. E porquê? Porque a Igreja-instituição não tem feito as necessárias formações, catequeses, etc sobre este tema. Se o faz e quando o faz, é a “chover no molhado”, porque se dirige aos que já pensam assim e já estão bem informados. A vasta maioria dos católicos não tem qualquer formação nesta área e ninguém lha dá. Ora também aqui está um vasto campo de apostolado para as famílias católicas, e para as Famílias de Caná!

  4. Gostei muito do texto, Teresa. Preocupa-me também a imposição de certas teorias de identidade de genero ou de educação sexual… Os meus filhos ainda são pequenos, mas brevemente serão expostas a ideologias que não partilhamos… Respeitar, sim, mas impor, não… Que Deus ajude!

  5. Querida Teresa,
    Daqui outra Teresa a escrever. Sigo o blog há muito tempo mas é a primeira vez que comento. Sinto-me um pouco intrusa, uma vez que apesar de partilhar muito dos valores aqui mencionados, não tenho a fé que me permita afirmar que sou crente.
    Mas este blogue e a sua família sao para mim uma inspiração!
    Entendo a sua indignação e a da Catarina. Mas por outro lado penso: será que temas como a identidade de gênero não necessitam de facto de ser discutidos? Posso eu ou podemos nós mitigar e desvalorizar quem no seu íntimo se sente outra pessoa?
    Não interprete a minha questão como uma provocação. Não o é, de todo! Mas como podemos abordar estas questões com empatia por quem as vive?

    • Bem vinda aos comentários, Teresa! E deu-nos um belo exemplo do que eu escrevi, quer no post, quer em resposta a alguns comentários: quando o cidadão comum diz concordar com a forma de tratar estes temas não significa que tem uma agenda secreta de ataque aos valores cristãos. Significa apenas que estes temas não estão a ser suficientemente debatidos na Igreja, ou em formações transversais verdadeiramente saudáveis. A verdade e a mentira misturam-se de tal forma, que chega a um ponto e não sabemos como as separar, e não nos damos conta disso. Responder ao seu comentário levaria uma formação inteira nestes temas, e neste site não temos espaço para ela. Fica apenas um esboço: a noção de género construído socialmente é mentirosa, não tem qualquer apoio na biologia. Fomos criados homem e mulher. Existem, claro, problemas de identidade em muitas pessoas, que precisam de ser tratados como se tratam todos os outros distúrbios de identidade: com carinho, compreensão e terapia. É que o nosso sexo não é independente de quem somos, como se existissem espíritos por aí que vão encarnando em corpos diferentes. Somos uma unidade. Alterar uma parte dessa unidade é causar distúrbios imensamente maiores dos que essas pessoas já sofrem, e passar o resto do tempo a concertar de um lado, a estragar do outro… Há muitos estudos atuais que desmascaram as mentiras e ideologias por detrás do que nos querem fazer acreditar. É preciso conhecê-los! Um abraço, e bem haja.

  6. Vera Rodrigues

    Quanto à série “Destemidas” concordo Teresa, fiquei também muito incomodada, obrigada pelo alerta. Já está feita a queixa no portal do provedor!

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