Em Caná da Galileia...


A fonte, a minha vontade e a vontade de Deus

Serra do Gerês. Estávamos quase, quase no último dia das nossas férias. A tranquilidade daqueles dias no cimo da montanha fazia eco dentro de mim, e eu desejava intensamente alguns minutos a sós com o Senhor, para O louvar em voz alta e Lhe agradecer tanta bênção. Lá em baixo, a fonte cantava alegremente, derramando sem cessar água sobre o tanque e, a partir dele, sobre os campos da aldeia.

“Já sei o que vou fazer”, anunciei ao Niall. “Vou tirar alguns minutos só para mim, para ficar a sós com Jesus. Vou pegar num copo de água e descer até à fonte, e beber enquanto medito.”

“Ena, isso é que é um plano! Fazes muito bem. Eu ponho os olhos nos miúdos.”

“Obrigada”, suspirei, feliz. Dentro de mim já borbulhava a água fresca que estava quase, quase a saborear de novo, sozinha com os meus pensamentos. Peguei no copo vazio e aproximei-me do portão da casa, onde a Sara e o António brincavam.

“Onde vais, mãe, com esse copo? Vais à fonte?” Perguntou o António, de repente muito interessado na minha vida.

“Sim, António, vou à fonte. Vou beber um copo de água fresca e…”

“Ah, que boa ideia! Eu vou contigo.”

“Eu também! Eu também!” Acrescentou a Sara rapidamente.

“Mas…”

“Dás-me um copo? Não, quero o amarelo! Esse não!”

“Eu quero um copo de vidro como o teu!”

“Não, de vidro pode partir-se. De plástico, Sara.”

“De vidro! Por favor! Por favor!”

“Quem fizer birra não vem. Eu levo os copos que entender. Vamos lá!”

“Que bom que vamos contigo, não é, mãe? Tu gostas da nossa companhia, não é verdade? Assim não vais sozinha!”

Com um filho de cada lado, desci o caminhito de terra. A fonte cantarolava, feliz. Eu suspirei, um pouco contrariada. Enchi um copo para um, um copo para outro, e preparava-me para me sentar com o meu copo de água fresca na mão, quando a Sara entornou o seu sobre a roupa.

“Deixa lá, com este calor seca num instante”, disse-lhe.

“Quero mais água!”

Entretanto, o António já estava sentado na borda do tanque, com os pés bem mergulhados na água gelada. A Sara quis imitá-lo. Olhei com tristeza para dentro de mim. Tinha colocado tantas esperanças naqueles meus dois minutos a sós com o Senhor!

“Mamã, quero fazer chichi!”

“Vamos então para casa, Sara. Anda, dá-me a mão!”

“Não dá para aguentar! Tem de ser aqui! Depressa, ajuda-me!”

tanque 3

Dez minutos depois de sair de casa, estava de volta. O Niall piscou-me o olho: “Aproveitaste bem o teu tempo a sós com a fonte e Jesus?” Perguntou-me, a rir. Eu encolhi os ombros, e dei também uma gargalhada. Depois lembrei-me do Evangelho:

Quem procurar a sua vida há de perdê-la, e quem perder a sua vida por minha causa há de encontrá-la. (Mt 10, 39)

 

Mentalmente, ofereci a Jesus a minha frustração por não ter encontrado os cinco minutinhos a sós com Ele que tanto desejava naquele fim de tarde de verão, e pedi-lhe perdão pela minha impaciência. Mesmo as causas mais nobres, como a oração, podem estar infetadas de amor próprio, e nada como uma contrariedade para retificar a intenção. Sei, porque Jesus assim o disse a muitos santos, que o meu sacrifício Lhe foi muitíssimo mais agradável do que se eu tivesse feito a minha vontade. Contando, claro, que não me sirva de desculpa para não procurar outros cinco minutos a sós com Ele!

Depois agradeci-Lhe o dom da maternidade. É por ele que me hei de santificar, visto ter sido esta a escola onde Deus, meu Pai, me inscreveu para me educar…

One Comment

  1. E que escola difícil… cada ano que avançamos… novas dificuldades para superar!

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