Em Caná da Galileia...


A hospitalidade e o bolo inteiro

No domingo à tarde, a Família Power rumou a Santa Comba Dão para mais uma tarde de testemunho. Pelo caminho, como sempre, rezámos o terço, mas foi difícil manter a doce repetição da Avé-Maria quando a estrada se transformou de repente num imenso tapete negro. Que visão tão triste, a de quilómetros e quilómetros de terra queimada, aqui tão perto de nós! As exclamações de espanto e horror foram intercaladas com súplicas por todas vítimas dos incêndios no nosso pequeno país.

Em Santa Comba Dão, esperava-nos um anfiteatro bastante cheio. “Seriam muito mais famílias”, assegurou-nos o padre Virgílio, “se os incêndios não tivessem destruído tantas vidas aqui. As pessoas estão muito ocupadas a tentar juntas os pedaços que sobraram…”

Testemunhámos com alegria. Cantámos, rezámos, partilhámos as nossas histórias, o Francisco fez magia e todos servimos o Senhor. No final, tivemos oportunidade de escutar várias histórias, em primeira mão, sobre a violência do fogo. E emocionámo-nos.

Já estávamos de partida, quando o senhor padre Virgílio nos convidou: “Que tal entrarem em minha casa para uma fatia de bolo? Acabei de receber um bolo caseiro, mesmo com ótimo aspeto. Não são servidos?” Ia dizer que não, quando vi o olhar suplicante dos meus filhos. Naturalmente que estavam cheios de fome, depois de uma tarde inteira de viagem e testemunho! Aceitei, agradecida.

Gostava que tivessem visto o enorme bolo que estava sobre a mesa; e o que dele sobrou no final: algumas migalhas, ou nem isso.  “Como é que uma família devora um bolo inteiro?” Perguntei eu a rir, enquanto os três sacerdotes que ali vivem nos ofereciam mais queijo e chocolate. “Ainda por cima, um bolo que não era para nós, mas para os senhores padres! E nem o provaram!” Mas os senhores padres não pareciam incomodados.

Na viagem de regresso, conversámos sobre o acolhimento caloroso que temos recebido em todos os lugares por onde vamos passando, e como a Igreja é verdadeiramente uma Casa de Hospitalidade.

Estarão as nossas paróquias e as nossas casas, especialmente as casas de cada uma das Famílias de Caná, a cumprir a sua missão hospitaleira? Teremos nas nossas Eucaristias cristãos responsáveis pelo acolhimento? Teremos nas nossas casas paroquiais um quarto disponível para quem precise de um abrigo de uma noite? Teremos nas nossas casas familiares as portadas bem abertas, para que entre a luz e os vizinhos e os pobres não se sintam acanhados de bater à porta? Teremos nas nossas casas espaço para mais um filho? Para mais um amigo? Para um refugiado? …

A tradição cristã tem na hospitalidade uma das mais belas expressões da caridade. Logo no primeiro livro da Bíblia, o Génesis, lemos como acolher um estranho se identifica com acolher um anjo e, até, acolher a própria Trindade. Assim nos mostra a história de Lot e a história de Abraão, e assim nos refere S. Paulo:

Não vos esqueçais da hospitalidade, pois graças a ela, alguns, sem o saberem, hospedaram anjos. (Hb 13, 2)

Jesus é ainda mais direto:

O que fizerdes ao mais pequenino dos meus irmãos, a Mim o fizestes. (Mt 25, 40)

Neste mês das missões, empenhemo-nos em ir ao encontro do outro, em ajudá-lo a reconstruir a casa queimada ou a família destruída, saindo da nossa zona de conforto como Famílias Missionárias que somos pelo nosso compromisso; mas empenhemo-nos também em deixar que o outro venha ao nosso encontro, invada a nossa casa e a nossa vida, coma uma fatia do nosso bolo ou o nosso bolo inteiro, e nos ofereça a oportunidade de servir Jesus…

3 Comments

  1. Identifico-me mesmo muito com este post. Venho de um grupo de famílias chamadas, precisamente, Famílias Hospitaleiras. A Hospitalidade faz, portanto, parte do nosso dia a dia. Cada família tem um nome. Nós somos os PISGO: “PISG” são as iniciais dos nossos nomes e o “O”… vem de Outros. Quem são estes Outros? São todos aqueles que, “hospitaleiramente”, acolhemos, quer seja na nossa casa ou no nosso coração. São aqueles que acolhemos na nossa vida. Graças a Deus, o nosso O é muito grande e bem gordinho. 🙂

  2. Isabel Pereira

    O que acabo de ler é lindo!
    Pois tenho o coração cheio…conheci-vos hoje!
    Mas que maravilha de testemunho!
    Defato, não há palavras para descrever o testemunho maravilhoso que foi dado por vós pais e filhos!
    Bem hajam!
    Pela lição de vida real que vão tendo oportunidade de espalhar.
    A forma de viver envolvidos em oração!
    Obrigada por fazerem parte da minha vida a partir de hoje! Isabel Pereira

Responder a Teresa Power Cancelar resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *