Em Caná da Galileia...


A neve de Nossa Senhora

Santa Teresinha, minha amiga desde a infância, conta na sua autobiografia um episódio que sempre me tocou:

Não sei se já vos falei do meu amor pela neve. De muito pequena, a sua brancura encantava-me. Um dos meus maiores prazeres era passear sob os flocos de neve. (…) Enfim, sempre desejara que no dia da minha Tomada de Hábito a natureza estivesse como eu, vestida de branco. Na véspera desse belo dia, olhava tristemente para o céu cinzento, de onde se escapava, de tempos a tempos, uma chuva fina; a temperatura era tão amena, que não esperava neve. (…) Mas no fim da cerimónia, ao voltar para a clausura, o meu olhar deparou com flocos de neve… O claustro estava branco como eu! Que delicadeza de Jesus! Indo ao encontro dos desejos da sua pequena noiva, dava-lhe neve… Neve. Qual seria o mortal, por mais poderoso, que teria podido fazê-la cair do céu para encantar a sua amada?

Enquanto preparava a nossa viagem à Suíça, eu tinha um desejo secreto: ver nevar. E mais outro: ir dar um passeio à neve. Os alpes povoaram os meus sonhos de adolescência, e parecia-me já um sinal divino que a nossa primeira missão no estrangeiro fosse neste pequeno paraíso da Criação. Mas os nossos amigos da Suíça foram-nos alertando que este ano a neve era pouca. Além disso, dez pessoas não se transportam facilmente montanha acima… Secretamente, continuei a esperar, sem contudo ousar pedir fosse o que fosse a quem já tanto nos estava a dar.

Amanheceu na Suíça. Saltando da cama, abri as cortinas e espreitei… Ah, que via eu? A neve caía docemente, cobrindo de branco o mar de telhados à minha frente.

“Querem subir ao terraço?” Perguntou o senhor padre Walfrido, quando todos acabaram de tomar um pequeno-almoço de luxo. Que animação!

Pouco depois, nos carros a caminho do local do retiro, contemplávamos os campos brancos, e alguns de nós tiveram a dita de ver um pequeno veado a atravessar a estrada.

Não tornou a nevar durante o dia, mas os meus olhos estavam cheios de beleza. Não precisava de mais. Mal eu imaginava as surpresas que o Senhor me tinha preparado…

Domingo de manhã, quando acordámos, não havia neve sobre os telhados. Entrámos nos carros, chegámos ao centro paroquial. Preparámos o material, acolhemos as pessoas, começámos a cantar. Chegou a hora de rezar o Terço. E de repente, sem aviso, num silêncio absoluto, a neve começou a cair, a cair, a cair, flocos cada vez maiores, brancos, belos. Primeiro mistério… Segundo mistério… Terceiro mistério: algum menino sabe qual é? Sim? Exato, o Pentecostes! Mas hoje, o Espírito Santo não cai em forma de línguas de fogo… Cai em forma de flocos de neve! Todos sorrimos, alegres, levando o Terço até ao fim. Os dois últimos mistérios, dedicados a Nossa Senhora, foram passados na contemplação da sua pureza, do seu silêncio e da sua humildade, tão bem simbolizados em toda aquela alvura… Agora sim, podemos ir lá fora brincar enquanto neva. Será? Não, não podemos, porque a neve só caiu durante o tempo exato do Terço. Presente de Nossa Senhora, no seu dia 11, de Lurdes! Quantas graças!

Mas as surpresas ainda não tinham terminado. “Amanhã vamos levar-vos à neve”, diz-nos o Liberto, no carro, de regresso a casa. “Mas como, Liberto? Somos tantos! E vocês trabalham!” “Não. Eu tirei um dia de férias. E o senhor padre também vai e leva o seu carro. O Martinho leva o outro, cabemos todos!” Imaginam a excitação geral?

Oito e meia da manhã. Estamos prontos. O mosteiro beneditino da Virgem Negra fica a cerca de cinquenta quilómetros, na montanha. É aí que a comunidade portuguesa se reúne todos os anos, para celebrar o amor da Mãe. Lá vamos nós!

Não tenho palavras suficientes para descrever a nossa manhã. Neve. Branca, pura, silenciosa. O mosteiro mais lindo que vi em toda a minha vida (não eram permitidas fotos…). Ajoelhei-me diante da imagem da Virgem Negra, reluzente, e deixei-me ficar, em contemplação profunda. Da próxima vez fico ali um dia inteiro! Desta vez, foram apenas uns minutos, pois havia muito para fazer numa manhã…

E a maravilha é que, cá fora, a contemplação continuava. A neve era tão fofa, que nos afundávamos nela. Brincámos a manhã inteira sem parar, rindo à gargalhada, atirando bolas de neve uns aos outros, empurrando-nos uns aos outros até ficarmos enterrados na neve. “Declaro aberta a guerra de bolas de neve!” Disse o senhor padre Walfrido, quando por fim chegámos ao cimo da montanha. E que guerra! Por um par de horas, todos fomos igualmente crianças!

Tomei esta surpresa da neve como uma delicadeza divina, de um Deus que agradece a cem por um os nossos mais pequenos gestos de amor. Ninguém agradece como Deus! Inspirando os nossos amigos, tornando os seus corações mais moles que a própria neve fresca, o Senhor serviu-se deles para nos oferecer um Tempo de Família extraordinário. Por muito que Lhe possamos agradecer a Ele este e todos os outros dons, será sempre Ele a vencer em gratidão. Que mistério!

Fecho os olhos, e continuo a ver a neve a cair, lembranças daquele Terço nevado na Suíça. Recordo então as palavras de Teresinha:

Neve. Qual seria o mortal, por mais poderoso, que teria podido fazê-la cair do céu para encantar a sua amada?

3 Comments

  1. Demos Graças a Deus, pela partilha que promove entre os Seus filhos! Que lindo texto Teresa, tocante e muito pueril… deixou-me comovida! Tantos e tantos anos esperou o Senhor para mostrar nevar a quem soube conservar os olhos de nunca haver visto nevar… A Senhora cobriu-vos mesmo com o Seu Manto! beijinhos

  2. Rogério Ribeiro

    Olá, Teresa!
    Ao olhar as fotos o meu pensamento vai para os seus dois filhos “adotivos”.
    Quanta alegria!
    As experiências que a Teresa lhes está a proporcionar viver, com certeza nunca eles as vão esquecer.
    Bem haja Teresa pela vossa caridade!

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