Não há, na nossa casa, tempo litúrgico mais ansiado do que o Tríduo Pascal. Não há, para nós, três dias mais queridos do que estes que hoje começam. São dias solenes, majestosos – e belos. Por eles, para os viver bem, estamos dispostos a deixar tudo.
Em casa, poucas coisas acontecem nestes dias. A preparação foi feita, pela oração familiar quaresmal, pelas histórias de fé que fomos contando à volta da mesa e que nos chegam dos sites, blogues e notícias católicas que vamos seguindo. Agora é hora de sair de casa e celebrar na Igreja, e nenhuma altura do ano é mais eclesial do que esta.
Assim, ontem à noite alguns de nós foram às confissões paroquiais. Hoje à tarde o David e o António vão ter ensaio de acólitos para que tudo seja perfeito nestes dias que começam, a Clarinha e o Niall vão preparar o jantar hebraico para os crismandos, acólitos e cantores da paróquia, eu e o Francisco trataremos dos cânticos para a missa do lava-pés, que virá depois, à noite. Amanhã, pelas três horas será a celebração da morte do Senhor e a adoração da Cruz, e à noite, a Via Sacra pelas ruas de Mogofores. Não há nada mais belo… As velas a iluminar o percurso, a encenação dos jovens, os cânticos, os crucifixos à porta de cada casa, os panos roxos… Sábado passaremos o dia a preparar o Canto de Oração Familiar para a grande Páscoa que aí vem, e geralmente recebemos a visita de alguns dos padrinhos dos meninos. Finalmente, à noite, os mais velhos (que este ano incluem também a Lúcia e, talvez, o António) participarão na Vigília Pascal, escutando história após história, acendendo a vela do seu batismo, cantando de novo Aleluia.
Três dias de grande participação na Igreja, então. Três dias em que a nossa Igreja Doméstica se funde na Igreja Universal como uma gotinha de água no oceano. Três dias em que tudo o que acontece é sobre Ele, e nada é mais importante do que Ele.
Por uma vez no ano, deixemos que a Páscoa seja sobre Jesus! Por uma vez no ano, esqueçamos as nossas coisas, os nossos inúmeros compromissos, as nossas histórias, e voltemos o coração para Jesus, que dá a sua vida por nós!
Os sms continuam a chegar ao telemóvel do Niall, catequista do crisma: hoje não posso participar, porque tenho explicação, tenho jogo, tenho treino, amanhã também não, porque tenho explicação, tenho jogo, tenho treino, depois ainda pior, porque tenho…
Por toda a aldeia, as famílias cortam a relva, semeiam a terra, lavam os vidros, aspiram a casa, preparam as toalhas e os linhos, cozem os bolos para o Grande Dia. Quantos irão encontrar alguns minutos para passar pela igreja?
Olho para dentro de mim e vejo a mesma confusão. O pensamento disperso, o coração ocupado com outras coisas, os receios, o cansaço. O Daniel que precisa de atenção e me lança para longe do Tríduo Pascal. Quero centrar-me em Jesus e não consigo.
A Páscoa de Jesus vem interromper as nossas páscoas…
Não foi já assim, há dois mil anos? Era quase sábado, havia que acelerar a morte dos três crucificados, quebrando as pernas aos que ainda estavam vivos, para que se pudessem enfaixar e enterrar antes de Sábado… A morte de Jesus vinha estragar a festa. A morte de Jesus continua a estragar a festa. Como ousa o Senhor interromper as nossas festas, as nossas vidas, os nossos exames, os nossos trabalhos, os nossos desportos e hobbies? Ah, esta mania de Deus de Se intrometer na nossa vida!
Esta mania de Deus de nos incomodar, de nos desassossegar, de nos arrancar dos nossos afazeres!
Quem é que Ele julga que É?!
E se deixássemos tudo por fazer e corrêssemos à igreja? E se, por uma vez na vida, por três dias no ano, Ele fosse mesmo TUDO para nós? …