Ontem, cá em casa, foi dia de festa: o Parlamento chumbou as propostas de lei sobre a eutanásia, e há que celebrar a vitória da vida. Mas a festa não foi tão grande quanto podia ser, pois foi ensombrada pela derrota estrondosa da vida no nosso outro país, a Irlanda, no final da semana passada. O Niall em especial, que ama o seu país, tem sofrido muito com as notícias que de lá chegam. Como é possível que a sua querida terra natal tenha aberto a porta ao aborto a pedido até às doze semanas? Não só como é possível, mas sobretudo como justificam os irlandeses a festa, a euforia, os gritos de vitória perante os rios de sangue inocente que vão correr na Irlanda, como correm em Portugal, para deleite de Satanás?
À hora da oração familiar, a conversa é difícil. O que é a eutanásia? O que é o aborto? Como se pode olhar uma criança nos olhos e dizer-lhe que há pais e mães que, pelas mais variadas razões (umas realmente sérias e tristes, outras, a maioria, bastante levianas), acham aceitável matar o bebé que ainda não nasceu?
A constituição irlandesa tinha uma frase muito bonita. Dizia ela que a vida da mãe e do nascituro têm igual dignidade. Ora o referendo na Irlanda consistiu em saber se os irlandeses estavam dispostos a revogar esta frase, por si só impeditiva do aborto, considerando antes que a vida da mãe é mais valiosa do que a do seu bebé por nascer. E os irlandeses acharam que sim.
Eu imagino então uma mãe que tenha votado “sim” ao aborto, embora nunca o tenha praticado. Imagino esta mãe com o seu bebé recém-nascido nos braços. Imagino-a, como imagino todas as mães, a cantar-lhe canções de embalar, a beijá-lo, a cheirá-lo, a apertá-lo com ternura. E imagino-a a dizer-lhe: “Eu amo-te, mas não ao ponto de colocar a tua vida à frente da minha. Nem sequer a par… Querido filho, primeiro eu, depois tu.” Chocante, este pensamento? Voou muito longe, a minha imaginação? Se foi difícil para mim explicar o aborto à Lúcia e ao António e enfrentar os seus olhares de horror, como seria explicar a mesma coisa e acrescentar: “Eu acho que todas as mães têm direito a matar os seus filhos antes de nascer, se assim entenderem, desde que eles sejam muito, muito pequeninos”?
Talvez estas considerações sobre o aborto pareçam um bocado a despropósito, num site abertamente católico como o nosso. Nenhum católico é favorável ao aborto, naturalmente, pois sabe que a vida é dom de Deus e que amar é, como Jesus nos ensinou na Cruz, dar a vida. Esta reflexão faria sentido se partilhada com não-católicos, não aqui.
Pois a grande surpresa é mesmo esta: 70% dos que votaram a favor do aborto na Irlanda afirmam-se católicos. E muitos foram à missa no domingo seguinte, ficando chocados e irritados quando alguns sacerdotes aconselharam os fiéis que tivessem votado a favor do aborto a confessar-se antes de comungar, acrescentando que serão tratados no confessionário com a mesma misericórdia que qualquer outro pecador.
Temos os direitos todos, hoje em dia: direito a decidir sobre a vida e a morte, direito a receber o Corpo de Jesus quando bem quisermos, direito a frequentar a Igreja e retirar dela, como de uma prateleira no hipermercado, o que nos der jeito, deixando lá ficar o que nos incomoda. Aliás, só temos direitos. Deveres? Respeito para com o Senhor Crucificado? Que é isso?
Estamos a bater no fundo. A todos os níveis. A Irlanda era a última fronteira europeia a ultrapassar nas questões do aborto. Mas Nossa Senhora está atenta. Ela sabe que o vinho acabou, e que só Jesus nos pode valer, para que a festa da vida e da fé recupere o seu ritmo alegre e dançante…
Filho, eles não têm vinho.” (Jo 2, 3)
As Famílias de Caná estão aí, com as suas bilhas frágeis e pobres, disponíveis para acolher o vinho novo. Disponíveis para acolher a vida, mesmo quando ela chega fora de horas ou dá muito trabalho, quando ela tem oito semanas ou oitenta anos, quando é saudável ou doente. Disponíveis para testemunhar em todas as alturas, boas e más. Disponíveis para acolher as graças que os outros recusaram. Disponíveis para dizer sim a tudo o que o Senhor quiser.
Vamos a isso?
Olá Teresa,
É tal e qual assim como diz. Tal e qual. E eu só sinto uma tristeza muito grande…Muito grande…Que mundo este que estamos a “deixar” aos nossos filhos…O que podemos fazer?
Abraço
Temos de fazer como os pastorinhos de Fátima!
Como disse Ronald Reagan, neste discurso, “os pastorinhos de Fátima em sua simplicidade tinham mais poder que todos os exércitos e estadistas do mundo”.https://www.youtube.com/watch?v=YaB4g_o7eow
Obrigado Célia pela partilha. Há figuras públicas assim ainda, disponíveis para assumir a sua crença? Não sei se Ronald Regan era bom ou mau presidente, mas corajoso e consistente parece que era. Conheço poucos assim. Dana Scallon talvez!
Aula de filosofia do 10o ano. Debate: eutanásia.
Semanas antes, a preparação de um trabalho e debate com um colega sobre o tema do momento: a eutanásia.
-Tu és contra ou a favor?
-Eu sou a favor, e tu?
– Calha bem, eu sou contra. No debate, tu defendes o sim, eu defendo o não.
Muita preparação, muitos artigos lidos, conferências e opiniões sobre quem a defendeu e se arrependeu, enfim, muito bem preparada.
Dia D.
– Então filha, como correu? Quem ganhou o debate? Não deve ter sido fácil ao teu adversário….
– debate, qual debate… Foi a turma inteira contra mim. Nem as minhas ideias pude expor. O professor era a favor, abriu à turma e nem pude falar. Quando tentava defender alguma coisa, começavam aos gritos e a dizer que eu era retrógrada.
É assim que as nossas escolas e os nossos professores cultivam o conhecimento, a troca de ideias e a opinião informada.
É muito difícil pensar-se diferente. E mais ainda ter voz diferente.
Sejamos corajosos. Sejamos perseverantes.
Tens toda a razão, Carla. Hoje é-se tolerante com todos, menos com os católicos. Todos têm direito a pensar como querem – menos os católicos. Todos têm de respeitar a todos – menos aos católicos. A nós, católicos, todos se sentem legitimados a insultar, a gritar, a rebater e a rebaixar. E não temos o direito a exprimir a nossa opinião ao mesmo nível que qualquer outro. Sei de muitos outros exemplos semelhantes aos da tua Marta. Muitos! Sejamos, como dizes, corajosos e perseverantes!
A vida não é um valor, nesta sociedade. É conforme dá jeito. Muito triste, tudo isto.
O que mais me chocou a respeito do aborto na Irlanda foi ver aqueles jovens eufóricos a festejar a vitória da morte sobre a vida!
Que Deus nos perdoe!
Não só chocou, como enojou… Custa muito ver! Continuemos a rezar e a reparar!
Querida Teresa, cresci como católica, não como a vossa família, mas na altura acreditava que era praticante (percebo que estive longe disso, mas cumpria com alguns rituais que faziam com que assim me sentisse) . Neste momento não pertenço à comunidade católica mas percebo-a melhor do que quando achava que me inseria nela…e sem dúvida que a vivência que partilham aqui é uma das razões que me levam a esta compreensão. A maneira como abordam alguns temas difíceis da sociedade, nomeadamente o aborto, a eutanásia, o casamento de pessoas do mesmo género etc. e referem o porquê das posições da comunidade católica, de forma pedagógica e construtiva, alargou a minha posição sobre muitos temas, e o meu tão seguro “claro que sou pela liberdade de escolha individual – quer no aborto quer na eutanásia”, transformou-se numa outra posição – sou pela vida, para darmos condições à vida.
Sei que a Teresa sabe o contributo que tem dado à comunidade católica com o vosso movimento das Familias de Caná , mas para além disso vai lançando sementes noutras direções. Como sempre muito obrigada pela partilha.
Obrigada pelo testemunho, Inês. Ficamos muito, muito felizes por contribuirmos com a nossa gotinha de água para o crescimento de outras flores! Bem haja.