Em Caná da Galileia...


As renas de Algés, o Pai Natal e o Presépio – Um dos três é fantasia, adivinha qual!

Num destes dias, ao redor da mesa do jantar, falávamos da famosa “Capital do Natal” em Algés e de toda a polémica em seu redor. “Parece que tiveram de levar as renas de volta para o Polo Norte”, disse um de nós, “porque os visitantes ficavam chocados com a suposta falta de condições para elas.” Foi então que outro de nós –desculpem-me por não denunciar o ignorante, digo apenas que não foi um dos mais novos… – perguntou:

“Mas as renas existem mesmo?”

Torcemo-nos a rir, como devem imaginar.

“Existem, mas não as voadoras”, íamos respondendo.

“Não têm narizes vermelhos!”

“E nem todas puxam o trenó do Pai Natal!”

Depois de secarmos as lágrimas de tanto rir, fiquei a pensar nesta coisa a que se chama “magia do Natal”, ou ainda “o espírito do Natal”. E, claro, no próprio Pai Natal. Porque não há nenhuma outra época do ano em que a realidade e a fantasia, a fé e a imaginação estejam tão entrelaçadas como o Natal.

Não me interpretem mal: aqui em casa, vibramos com a fantasia. Dos filmes da Disney aos filmes da Marvel, dos contos de fadas à Guerra das Estrelas, das Crónicas de Nárnia ao Harry Potter, do Feiticeiro de Oz ao Senhor dos Anéis, tudo nos encanta. Não temos qualquer receio de sonhar com os heróis fantásticos que o mundo vai criando, desde que o bem e o mal estejam claramente definidos e não haja dúvidas quanto aos valores da amizade, do amor, da lealdade, do sacrifício por um bem maior, da pobreza e da simplicidade em contraste com a riqueza e a vaidade.

O Pai Natal, com a sua generosidade, bondade e ternura, é mais uma destas personagens fantásticas. Não me venham com histórias que o nosso Pai Natal é S. Nicolau, o bispo turco que, entretanto, se mudou para o Polo Norte. Têm naturalmente uma raiz comum, mas não conheço nenhum outro santo católico que seja festejado fora do seu dia, à mistura com duendes e renas aladas, nem consta que S. Nicolau seja o padroeiro do Polo Norte!

Também não me parece muito apropriado eleger um santo, de todo o calendário católico, para partilhar a festa com o Menino Jesus. Acaso o fazemos com a Páscoa? Portanto, não confundamos o S. Nicolau do dia 6 de dezembro com o atarefado Pai Natal.

Jesus nasceu no Polo Norte? Foram renas ou vaquinhas a aquecer o Senhor, na gruta de Belém? Já alguém viu um Pai Natal a caminho do Presépio, ali no meio dos Magos ou dos pastores?

Parece-me evidente que a história do Presépio e a história do Pai Natal são histórias paralelas, que o mundo fez coincidir na mesma data por motivos claramente comerciais, como podem descobrir se investigarem um bocadinho. Eu não tenho nada contra a história do Pai Natal. Leio muitas histórias suas aos mais novos, e quase todos os natais vemos um ou outro filme onde o Pai Natal é a personagem principal. Quando o fazemos, todos cá em casa sabemos que estamos diante de uma história fantástica, tão fantástica como a Guerra das Estrelas,  que o Francisco e o David esperam ardentemente ver nesta noite de quarta-feira, no cinema de Aveiro, ou o bailado do Quebra-Nozes, que a Clarinha e a Lúcia esperam ardentemente ver, esta noite também, no teatro de Coimbra.

O que eu nunca deixei que acontecesse foi a mistura das duas histórias, da fantasia com a realidade. Porque então, quando as quiser desentrelaçar, corro o risco de arrancar o trigo com o joio, de tomar ambas por ficção.

Não é um pouco isso que já se faz por aí? Afirmar – às vezes até do ambão – que a história do Natal não terá sido bem como o Evangelho no-la conta, que talvez não tenha havido cabana, nem estrela, nem magos, nem pastores? E já agora, nem Pai Natal? (Desculpem-me, que fiquei baralhada. Claro que houve Pai Natal… Eh?)

Acho o Pai Natal uma figura muito simpática, e sei de vários amiguinhos dos meus filhos que acreditam ou acreditavam piamente na sua capacidade de entrar em todas as chaminés ao mesmo tempo durante a noite de Natal. Não estou, de forma alguma, a criticá-los, pois ninguém é melhor ou pior católico por acreditar no Pai Natal, por ser fã do Harry Potter ou por esperar a visita da fada-dos-dentes (que vem assiduamente cá a casa), e o Catecismo não diz uma palavra sobre o assunto.

Mas o contraste com a simplicidade do Menino de Belém é por demais chocante, e é esta sobreposição de festas – não o elemento fantástico – que nós recusamos. Queiramos ou não, o Pai Natal pertence ao primeiro mundo, às casas com lareiras quentinhas, aos centros comerciais e às ruas iluminadas, e gosta de encher com presentes os meninos bem-comportados. O Bebé de Belém pertence aos pobres, aos que passam frio e aos sem-abrigo, e fez-Se presente para os malcomportados, vulgo pecadores.

O mundo abre alas para o Pai Natal, mas não faz espaço para o Menino de Belém. Fazem-se filas nos centros comerciais para as crianças tirarem uma fotografia ao colo do Pai Natal, mas quantos fazem fila diante de um Presépio para segurar ao colo o Menino Jesus? Acham mesmo que – segundo a lógica da cruz – o sucesso do Pai Natal está diretamente ligado à sua simbologia católica?

O Natal não é fantasia nem magia, como dizem as canções. O Natal não deixa de ser Natal quando as crianças crescem. O Natal não é um “espírito”, bem pelo contrário: é um Corpo, é a Carne de Jesus nos braços de Maria.

A história do Natal é tão extraordinária na sua normalidade – um pai, uma mãe, um bebé – que dispensa qualquer recurso à fantasia. O Presépio é suficiente para suscitar os sentimentos mais intensos, e o nascimento de Jesus, a eternidade feita Presente, basta para justificar a troca de presentes entre todos. Não precisamos de inventar nada que Deus não tenha inventado primeiro, nem precisamos de adicionar pós de fada à Boa Notícia do Evangelho para ela nos fazer saltar de alegria.

O Natal foi a mais bela invenção de Deus. Não deixemos que as nossas crianças o sintam como uma história de fantasia, porque ao contrário dos duendes, dos elfos e do próprio Pai Natal, o Natal é real. Tão real – e esta é para os Power – como uma rena 😊

 

4 Comments

  1. Ah! O Pai Natal veio para os bem-comportados, o Menino Jesus veio para os mal-comportados! 🙂
    Tem toda a razão, Teresa! Nunca tinha pensado nisto assim…
    Obrigada pela reflexão.

  2. Catarina Silva

    Que lucidez, Teresa!
    Como descomplica e separa tão bem as águas! Fantástico!

    • Rogério Tavares Ribeiro

      Não é um pouco isso que já se faz por aí? Afirmar – às vezes até do ambão – que a história do Natal não terá sido bem como o Evangelho no-la conta, que talvez não tenha havido cabana, nem estrela, nem magos, nem pastores?

      De facto, as pessoas esvaziam o Evangelho de tudo o que tem de milagroso, e assim o Evangelho perde força e atração.

  3. Não fui eu que perguntei!

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *