Todos os anos, o retiro Famílias de Caná em Fátima termina nas Casas dos Pastorinhos, que visitamos sempre com gosto. Lembro-me da primeira vez que lá fomos, em família, e da conversa surreal que tive com o António, na altura com quatro anos:
“Que sorte tinham os pastorinhos, mamã!”
“Então porquê, António?”
“Não vês? Eles viviam no meio de tantas, tantas lojas de brinquedos!”
Ri a valer, e dei-me conta de que me esquecera de explicar algo de essencial aos meus filhos, o que fiz de seguida:
“António, quando os pastorinhos eram pequeninos, não havia aqui nem uma única loja de brinquedos. Aliás, não havia loja de coisa alguma! Isto era tudo campo, com algumas casas… Por isso, à noite, os pastorinhos gostavam de contemplar as estrelas! E de dia, brincavam com paus e pedras, ervinhas e flores, e claro, com as ovelhinhas.”
“Ah!”
Desta vez, enquanto visitávamos a Casa da Lúcia, a Sara fez este comentário:
“Parece a Casa da Alexandrina!”
Achei graça à sua atenção e capacidade de relacionar. De facto, na semana anterior tínhamos visitado Balasar, e a casinha da Beata Alexandrina agradou muito à Sara.
Tanto entusiasmo nestas visitas de simples casas de família fez-me pensar…
Deus não está apenas nas grandes catedrais ou nos conventos antigos. Deus está sobretudo nas casas das famílias cristãs. Não é a família cristã uma Igreja Doméstica? Os Evangelhos falam-nos de muitas casas onde Jesus gostava de entrar: a casa de Zaqueu, a casa de Mateus, a casa de Maria, Marta e Lázaro, a casa de Pedro, a casa de Marcos, e certamente muitas outras. Jesus viveu trinta anos numa casa de família – a sua, primeiro em Belém, depois no Egito, finalmente em Nazaré. Foi na casa de seus pais que Maria recebeu o maior convite da História, e em casa de Isabel que Maria cantou o seu cântico novo.
A minha casa, a tua casa… Como gostaríamos que as nossas casas fossem lembradas, daqui a muitos anos? Como casas onde se discute o tempo todo, onde cada um vive para si, onde cada filho se fecha no seu quarto com o seu televisor e o seu computador pessoais, onde não há tempo para se conviver, para partilhar a vida, a oração e a refeição?
As nossas casas de Famílias de Caná têm um Canto de Oração Familiar e uma mesa onde a família se reúne às refeições, sem televisão; têm uma sala ou um jardim onde pais e filhos brincam juntos, um sofá onde se contam histórias, uma pia de água benta para a bênção diária dos filhos… Nas nossas casas, mesmo nas mais pequenas, mesmo quando há três ou quatro irmãos a dormir no mesmo quarto, mesmo quando a casa cabe inteira na sala de estar de alguns casarões, há sempre espaço e tempo para “mais um”, filho ou amigo, vizinho ou mendigo. Se alguém escutar à porta das nossas casas, poderá escutar, como em qualquer casa, gritos, choros e zangas, mas escutará sobretudo muitas gargalhadas, muitas canções, muita conversa. Não precisamos de celebrar a missa na nossa casa para que ela se torne sagrada. Basta vivermos a nossa vocação de batizados até ao fim…
Desce depressa! Hoje quero ficar em tua casa! (Lc 19, 5)
Que assim seja!
“Como gostaríamos que as nossas casas fossem lembradas, daqui a muitos anos?”. A minha casa? A minha casa está desarrumada e imperfeita. Estou a falar da interioridade da minha alma também, claro está. Vivo com a imperfeição da minha casa interior todos os dias: a minha fraqueza, o meu pecado, a minha desobediência. Mas não importa como eu gostaria que a minha casa fosse lembrada. Importa mais que o Senhor venha com um tsunami de misericórdia e abale até às fundações da minha casa, para a virar de avesso e que me salve da minha miséria. Aguardo esse dia do fundo de coração. Vem Senhor!