Em Caná da Galileia...


Conversão e mal-estar

Um dos comentários ao post que escrevi sobre a obrigação da missa dominical fez-me refletir de uma forma especial sobre o meu próprio percurso da fé e o percurso da fé da nossa família. Dizia a comentadora:

Ao ler este reflexão sinto-me mal comigo mesma, não apenas pelo pecado em si, mas pelo julgamento das pessoas que sempre vão às missas todas.

Recebi o comentário com grande alegria, porque é sempre bom ter feedback daquilo que vou partilhando aqui e é sempre bom ter novos leitores a comentar. Também admirei a coragem desta leitora, assumindo a sua situação de nem sempre tão “praticante” quanto gostaria. Mas o que mais gostei no comentário foi o facto desta leitora admitir sentir-se mal ao ler determinados posts aqui do site. E isso é muito, muito bom.

Na verdade, quando os comentários ou os e-mails que recebo expressam apenas um bem-estar profundo perante a leitura destes textos, eu fico preocupada. Eu tenho, é verdade, um cuidado extremo em não ofender ninguém, e alguns posts levam várias horas a escrever, não pelo conteúdo em si, mas pelo cuidado que exigem nesta delicadeza cristã. Ai de mim escrever para ofender, para julgar, para condenar! Eu sou, por natureza e por formação cristã, uma pessoa pacífica, e gosto que todos se sintam bem à minha volta.

Mas não quero que todos se sintam bem ao ler o que escrevo ou ao tomar consciência da doutrina da Igreja. E porquê?

Eu mudei de casa várias vezes ao longo da minha vida. De todas as vezes que o fiz, foi porque não me sentia bem na casa anterior, seja porque estava na cidade e eu queria o campo, seja porque ela se tornara pequena para a família crescente. Também já fui várias vezes às compras, para renovar o guarda-roupa. De todas as vezes que o fiz, não foi por prazer (eu detesto ir às compras), mas porque a roupa que estava a usar precisava urgentemente de renovação. E tenho de confessar que só me ponho a arrumar a minha casa a fundo quando já não aguento mais tanta desarrumação.

Ninguém muda voluntariamente de casa, de emprego, de terra ou qualquer outra coisa importante se se sentir muito bem na casa, no emprego ou na terra que ocupa. Dizemos: “Quem está mal que se mude.” Pois é… Ninguém muda se estiver bem.

No campo da fé, esta verdade torna-se a base da conversão. Perante a descoberta de um mandamento da Lei de Deus, de uma Lei da Igreja, podemos reagir de duas maneiras. Podemos lançar sobre os outros a culpa de nos sentirmos mal, atirando para o ar que os que vão à missa estão sempre a julgar os outros (conheçamos ou não cristãos que o façam) ou que cada pessoa tem a sua  realidade e não é possível aferir critérios comuns (sendo que quem o procura fazer é alegadamente intolerante); ou podemos olhar para nós próprios e chorar por nos descobrirmos miseráveis.

Não conheço dom mais precioso que o “dom das lágrimas”, o dom do arrependimento, que Deus nos oferece em momentos chave da vida. São momentos em que Deus levanta um pouco a ponta do véu que cobre a verdade sobre nós próprios e nos permite vislumbrar a distância infinita que nos separa da sua perfeição, ao mesmo tempo que, com a sua mão paternal, nos agarra com força para não cairmos em desânimo. São momentos de misericórdia, porque nos permitem conhecer a miséria que somos e, a partir desse conhecimento, acolher a sua salvação. Podem estar relacionados com a tomada de consciência de pecados passados, como podem estar relacionados com a descoberta do bem que nos falta ainda fazer. Acontece-me isso sempre que, por exemplo, leio a vida dos santos ou me cruzo com pessoas que sinto serem santas.

Nestes dias, temos lido nos Evangelhos muitas histórias de curas e conversões. Só quem sabia que era cego pôde ser curado por Jesus; só os que sabiam ser paralíticos recuperaram o andar; só os que se sentiam leprosos ficaram sãos; só os que se sentiam mal se converteram:

Não são os que têm saúde que precisam de médico,  mas sim os enfermos; não vim chamar os justos, mas os pecadores. (Mc 2, 17)

Os que não viam em si mesmos a necessidade de mudança, os que não aceitaram a sua cegueira, a sua lepra, a sua miséria, os que não se sentiram mal consigo mesmos nem banharam de lágrimas os pés de Jesus, esses nunca experimentaram a salvação:

Eu vim a este mundo para fazer uma separação: a fim de que os cegos vejam, e os que veem se tornem cegos. (Jo 9, 39)

Hoje, no nosso mundo, escreve-se e fala-se muito sobre autoestima, sobre a importância de nos sentirmos sempre bem connosco próprios. É comum ouvir: “Não tenho nada a lamentar.” Acariciamos as nossas feridas, aconchegamos os nossos desassossegos e publicamos nas redes sociais as nossas opiniões sobre mil e uma coisas mais ou menos importantes. Numa discussão, o que nos importa é ter razão.

Nada disto é evangélico. A verdadeira autoestima nasce da certeza absoluta de que somos infinitamente amados por Deus – e por Ele também desafiados a uma conversão permanente.

Se, com os posts sobre a Eucaristia, alguém se sentir tão santamente mal consigo mesmo, que decida nunca mais faltar à missa ao domingo, terei cumprido a minha missão…

8 Comments

  1. Marisa Milhano

    Ah!
    Afinal, é “normal” eu dar por mim a pensar muitas vezes “Au! Esta doeu!” ou “Ui, em cheio! Bem na ferida ….” após ler a maioria dos teus posts… 😉
    Obrigado Teresa, por continuamente aceitares ser a mão visível de Deus.
    Rezo para que mais e mais católicos “confortáveis” – como eu – sejam guiados e cheguem até este site, que nos aflige tanto o coração e nos faz sentir tão desconfortáveis – de tal forma que ansiamos por mudar, já, hoje, imediatamente! E para sempre 🙂

    Sincero obrigado querida Teresa

  2. Podes crer que abanas muitas estruturas… e que deixas muitas vezes as pessoas a pensar no que lêem, de certeza!
    A mim só me deixa triste o facto de se falar em “obrigação”, sabes fazer só porque tem de ser… e eu também o fiz durante muito tempo, depois descobri a alegria de participar na missa de livre vontade e por amor a Jesus que se entrega por mim, como é que Ele se pode entregar por mim se eu não estiver lá?

    • Pois é, Olívia, quando temos de apelar à “obrigação” ficamos tristes! Mas se entendermos a palavra obrigação da forma que a descrevi – a obrigação amorosa que tu sentes de cuidar das tuas filhas – aceitamos com naturalidade. A missa dominical é o mínimo dos mínimos, e por isso, a obrigação. A partir daí, vem tudo o que tu queiras, a loucura imensa que te pede o amor. Sempre a subir!

  3. Olá querida Teresa,
    Ainda não tinha comentado neste vosso novo site mas gostaria de dizer que no meu caso esses posts deixam-me um bocado mais afastada da sua mensagem, que continuo a respeitar. Nesses posts mais evangelizadores directos, dou por mim a não me identificar com posições às vezes “extremistas”. Eu não sou católica, como sabe, mas tenho muita fé, crença (não há só uma), um bom coração e códigos morais inabaláveis. Para mim, o ir à missa não é uma necessidade, mas sim praticar o bem e ser boa pessoa todos os dias, respeitando os outros e a mim mesma. Claro que entendo a sua posição e a sua crença, e admiro-a muito na sua força e determinação, mas realmente não me identifico com essa postura. Para mim, a inspiração que continuo a receber deste vosso cantinho é a certeza que a bondade, a amizade, e o amor são o mais importante, independentemente do sítio. E por isso continuo a vir com muito prazer. Mas certos posts não são para mim, muito naturalmente, claro. Sei que não é o objectivo deste movimento, mas acredite que tocam na alma de muita gente na minha situação. Um beijinho

    • Obrigada pelo comentário, Sara! Que bom que continua a vir aqui 🙂 Naturalmente que faz todo o sentido a sua posição! Permita-me apenas que discorde da palavra “extremista”. A missa dominical é o mínimo que é pedido na nossa religião, isto é, não é sequer um extremo de adesão! Bjs e continuemos a caminhar!

      • Obrigada, Teresa 🙂 Pois, extremista foi um bocado extremista da minha parte ahah 🙂 daí as aspas, mas era para dizer que ficava a sentir-me assim, de certa forma excluída nessas alturas por não me identificar, não só com a história da missa mas com outras coisas que às vezes sinto que a Teresa diz que temos de fazer, dentro da sua fé, claro!! Sinto isso realmente um bocado como um julgamento, e deverá sê-lo para quem partilha da sua fé, claro, mas para quem não partilha fica a pensar “então mas eu não posso ser boa pessoa, humilde, bondosa e moralmente correcta se não fizer isso?”. Mas eu sei que sou sou um caso raro neste cantinho, só que sinto-me nessas alturas excluída de uma mensagem que até acho que chegava a todas as pessoas se não fosse tão especificamente “obrigatória” em certos termos porque é tão profunda e não depende de espaço nem tempo, mas de interioridade e reflexão, mas percebo perfeitamente que têm um objectivo muito bem delineado e há coisas que têm de pedir! Devaneios… 🙂 Um beijinho!

        • Querida Sara, gosto tanto da sua abertura e do carinho com que escreve, mesmo não partilhando a nossa fé! Vamos lá: se só os católicos fossem boas pessoas, então o que seria do nosso mundo??? Ninguém é melhor que ninguém por ser católico! Mas de facto, o objetivo deste site é um bocadinho diferente do do blogue que lhe deu origem. Trata-se de um site de um Movimento da Igreja, pressupondo que quem o visita partilha desta fé. Fico honrada por ver que não é assim, e que muitos outros aqui vêm! E é sempre bem vinda! Bjs

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