Em Caná da Galileia...


Desce depressa!

O António adora subir à nossa oliveira, bem no centro do jardim. Lá em cima, gosta de contemplar a natureza à sua volta, ou então, do alto dos seus sete aninhos, gosta de ler um livro. Depois, tranquilamente, volta a descer e a brincar no solo firme. Se por acaso subiu alto demais – o que acontece com frequência – chama pelo Francisco ou pelo pai, que diligentemente se apressam a resgatar o pequeno alpinista.

Outro dia, num belo fim de tarde de verão, o António repetiu o gesto e subiu à oliveira, com um bom livro para ler. Passados alguns minutos, ouvi chamar: “Mãe! Mãe! Subi alto demais! Não consigo descer!” Eu estava a acabar o jantar, e corri lá para fora: “António, só cá estamos nós, o David, a Lúcia e a Sara. O pai e o Francisco estão em Aveiro e a Clarinha na ginástica. Tens de descer sozinho!”

O António abanou a cabeça, decidido: “Não consigo. Subi muito alto. Chama-os para me tirarem daqui!” Eu abanei a cabeça, também decidida: “António, já te disse, não está cá ninguém que te possa valer. Eu posso subir até ao primeiro ramo e tu agarras-te aos meus ombros, sim? Confias em mim?” “Não!” Foi a resposta, sem margem para dúvida. E de nada valeram os meus esforços para o convencer.

O tempo foi passando, e o António na árvore (não consegui foto deste momento, pelo que é difícil imaginarem o quão alto ele realmente estava). Voltei à cozinha, porque o jantar estava ao lume e não podia esperar. E da janela da cozinha, vi a Lúcia a levar ao António uma banana, subindo até ao primeiro ramo e esticando a mão o mais que podia. Agradecido, o António comeu a banana, devolveu a casca, e pediu uma bolacha, que a Lúcia solicitamente lhe levou.

“Mamã, achas que o António fica ali para sempre?” Perguntou-me a Sara, já aflita.

“Não, Sara, só até o pai chegar. Vou telefonar a ver se demora”, respondi. E foi quando reparei no sms que o Niall me enviara: “Estou muito atrasado. Desculpa. Comecem a jantar sem mim!” Resolvi telefonar ao Francisco: “Francisco, já vens a caminho?” Perguntei. “Não, mãe, vou agora para a estação apanhar o comboio. Atrasei-me muito hoje. Comecem a jantar sem mim!”

“Ora esta!” Pensei, já bastante nervosa. Lá fora, a Lúcia continuava a fornecer o António de bastante alimento, e o meu filho lembrou-me um pequeno macaquinho numa jaula. “Pelo menos, fome não passa”, pensei. Voltei a oferecer-me para o ajudar a descer, e ele voltou a recusar, por medo que o deixasse cair. “Eu espero”, respondeu-me. “Não te preocupes. Aqui em cima tenho muito para ver, e estou a ouvir os passarinhos a cantar.”

“Mãe, já sei!” A Lúcia é a mulher das ideias brilhantes. E correu a buscar um guarda-chuva.

“Que vais tu fazer com isso, Lúcia?”

“Pode funcionar como pára-quedas. Eu dou-lhe o guarda-chuva e o António vem a voar até ao chão!”

“Nem penses!” Resgatei o guarda-chuva mesmo a tempo. Nesse momento, reparei que o António começava a choramingar. Estava no cimo da árvore há quase uma hora! Abri a porta da rua, na esperança de encontrar um vizinho simpático. Ninguém. Na cozinha, os irmãos já estavam sentados à mesa. “Temos tanta fome!” Disseram. Servi-lhes a sopa, mas não conseguiram engolir, perante o espetáculo do António empoleirado no cimo da oliveira.

E então, tão de repente como subira – terá sido pelo cheirinho da sopa acabada de fazer? – o António encheu o peito de coragem e lançou-se de bruços até aos ramos mais baixos, de onde conseguiu facilmente saltar para o chão. Valente menino! Quando o pai e os irmãos mais velhos chegaram a casa, já só havia uma bela história para contar animadamente.

Zaqueu, desce depressa! Hoje vou ficar em tua casa!

Assim falou Jesus em Jericó, sob um pequeno sicómoro que abrigava um homem baixinho. Como o António, também Zaqueu se encontrava numa situação bastante complicada, de onde era muito difícil sair. Não tanto pela árvore, claro, como pelo pecado que o aprisionava. Jesus foi para Zaqueu a mão forte e firme que o António costuma encontrar no Niall ou nos irmãos mais velhos, a mão capaz de o fazer pisar o chão em segurança. E Zaqueu desceu.

Às vezes falta-nos a mão, e ali ficamos nós, horas sem fim, no cimo da árvore, à espera que nos sirvam uma banana ou uma bolacha, ou nos atirem com um guarda-chuva a fazer de pára-quedas…

E se nos enchêssemos de coragem e agarrássemos agora a mão divina que não vemos, mas que está sempre lá para nós?

 

2 Comments

  1. Sónia Alexandrina Santos

    “Às vezes falta-nos a mão, e ali ficamos nós, horas sem fim, no cimo da árvore, à espera que nos sirvam uma banana ou uma bolacha, ou nos atirem com um guarda-chuva a fazer de pára-quedas…”
    Este parágrafo dava três posts! Os guardas-chuva a fazer de pára-quedas são uma metáfora perfeita das nossas ilusões e enganos, e de como a fragilidade e o medo nos deixam expostos ao risco e à tentação (vindas sempre de óptimas intenções, qual “Senhora Prestável”!)… É Impossível transcrever em comentário tudo o que a minha imaginação (e o meu espírito) já alcançou com este parágrafo!

  2. Mais um belo post com “food for thought”…

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