Última sexta-feira de agosto. O verão está quase no fim, as aulas a chegar. Vamos, é preciso aproveitar a praia até ao último dia! O pai já está a trabalhar, segunda-feira começa a mãe…
Estacionamos o carro, como sempre, mesmo encostados ao areal. Os meninos saem e vão a correr, felizes. Eu sigo mais devagar, com o Daniel nos braços, a tempo de os ver tirar as camisolas e saltar nas ondas baixinhas, mesmo com nevoeiro, mesmo com frio. Sento o Daniel na manta, mas ele arrasta-se como pode até os seus pés pequeninos tocarem a areia. Ah, que bom, a areia entre os dedos dos pés faz cócegas… Os manos trazem-lhe umas conchinhas para o entreter. O Daniel aproveita para coçar as gengivas com elas, claro. São duras, diferentes, e sabem a sal, sabor que o Daniel só conhece da praia. Uma mão cheia de areia na boca também não sabe nada mal… Ah, como a vida é boa!
Do mar, a Sara chama-me. Encontrou as conchas que a Clarinha tinha pedido para procurar! Fantástico! Junto-me a ela, com o Daniel à anca, e procuramos juntas. Os seus cabelos pingam, os lábios estão arroxeados, mas a Sara caminha sobre as conchas por entre as ondas sem se incomodar. Dou-me conta de como os meus filhos estão acostumados à dureza dos elementos quando, a seu lado, uma outra criança da mesma idade grita para o pai: “Esta praia magoa os pés! E a água está fria! Vamos embora!” Mais um pouco, e é a vez da Sara se admirar: “Mãe, aquele menino diz que não tem frio nenhum, mas mesmo assim, a mãe tirou-o da água! Coitadinho!”
Areia. Água. Nevoeiro. Frio. Os cabelos colados da maresia. Tiro uma fotografia e volto a guardar o telemóvel, que não preciso dele aqui. Até ontem, mantinha-o no bolso, à espera de um sms dos meus filhos mais velhos. Desde as duas fotos por whatsapp de domingo que não tenho notícias da sua estadia em Taizé! Mas ontem à noite, depois de insistir com um sms curtinho (“Está tudo bem?”), recebi a resposta: “Fantástico. Estamos a adorar. Conhecemos sírios, italianos, espanhóis, franceses, gente espetacular nos nossos grupos de trabalho e reflexão. E a oração é maravilhosa! Mas não queremos falar ao telefone. Desculpa! Não queremos estar conectados nem quebrar o ritmo. É só uma semana…”
Sentada na areia, costas encostadas à madeira húmida da esplanada da praia, uma outra criança joga no seu telemóvel. Não deve ser mais velha que o António, que surpreendido, comenta baixinho: “Jogar no telemóvel com uma praia tão grande para brincar?!”
Na mesma esplanada, e naquele momento, todas as pessoas sentadas na primeira fila de espreguiçadeiras, voltadas para o mar, mantêm os olhos fixos nos ecrãs dos seus telemóveis. Parece uma daquelas imagens caricatas que circulam nas redes sociais. Perante o ridículo da cena, humilho-me intimamente pela quantidade de vezes em que também prefiro o virtual ao real, a distração sem compromisso nas redes sociais (que de resto, são tão importantes) à atenção ao aqui e agora.
Desconectar, para conectar melhor. Mexer na areia, sujar-se, brincar de “croquete”, rolar para a água, sentir o frio e o calor. Saborear o sal das conchas. E das mãos. E dos dedos dos pés.
Meio mundo à procura de se conectar com o seu interior e com alguma forma de espiritualidade, meio mundo a tentar tudo o que é filosofia oriental, de iogas a meditações transcendentais, para descobrir algum equilíbrio mental, e a Criação aqui tão perto, a areia, o sal, o mar, as conchas e o silêncio…
“Este verão foi tão chato! Sempre mau tempo!” Escuto um pouco por todo o lado, neste regresso à “civilização”. Os meus filhos riem de felicidade: um dos dias que melhor recordam da sua semana de férias à beira-rio foi um dia de chuva intensa, passado quase todo… dentro de água!
A criança (falo de uma criança saudável, naturalmente) precisa desta imersão na natureza, esta mistura de areia e água fria, sal e terra molhada, sol e chuva, frio e calor, sem cuidados exagerados dos pais, para poder descobrir os limites do seu corpo e os horizontes do seu espírito. Não basta contemplar a natureza a partir do vidro do carro ou do National Geographic. Dizia alguém que uma criança saudável precisa de três As para crescer: Areia, Água, Árvores.
Atrasemos o mais possível a oferta do telemóvel, a diversão e a net ali ao alcance do um clique, mas sem esquecer de dar o exemplo. É impossível dizer a uma criança “vai brincar lá para fora” quando se continua a clicar nas páginas do facebook dos nossos trezentos amigos, não é verdade? Que eles nos vejam ao computador e ao telemóvel, sim, mas com um propósito bem definido e que valha a pena.
E evitemos os gritos aflitos de pais-esquecidos-da-sua-própria-infância: “Está muito frio! Sai da água, que te constipas!” “Cuidado com as rochas, que estás descalço e magoam os pés!” “Veste o casaco!” “Não subas a essa árvore, que podes cair!”
Deus está aqui e agora, e se estivermos atentos, quase O veremos a mergulhar os pés na água do mar…
Oh, Teresa, tão bom ler e poder refletir nestas coisas… “A criança (falo de uma criança saudável, naturalmente) precisa desta imersão na natureza, esta mistura de areia e água fria, sal e terra molhada, sol e chuva, frio e calor, sem cuidados exagerados dos pais, para poder descobrir os limites do seu corpo e os horizontes do seu espírito. (…) Dizia alguém que uma criança saudável precisa de três As para crescer: Areia, Água, Árvores.” – como mãe enfio aqui o barrete…
“Atrasemos o mais possível a oferta do telemóvel, a diversão e a net ali ao alcance do um clique, mas sem esquecer de dar o exemplo. É impossível dizer a uma criança “vai brincar lá para fora” quando se continua a clicar nas páginas do facebook dos nossos trezentos amigos, não é verdade? Que eles nos vejam ao computador e ao telemóvel, sim, mas com um propósito bem definido e que valha a pena.” – aqui enfio parcialmente o barrete 😉 – quero atrasar o mais possível o telemóvel nas mãos dos meus filhos (abrimos uma exceção para a mais velha, nestas duas semanas, por ter viajado sozinha de avião, mas quando regressar, o telemóvel – que é o meu velhinho – volta para a gaveta), mas pass,o por vezes (demasiadas, provavelmente) tempo inútil ao computador… Não é o caso quando venho aqui! 😀
Este post fez-me refletir ainda mais naquilo que já tenho presente na minha cabeça à algum tempo – as horas e horas que se passam quando estamos agarrados ao telemóvel e ao computador…. Se ao menos conseguíssemos pôr as tecnologias de parte e nos dedicarmos ao que realmente importa! E isto não é uma missão impossível! E é algo que ando a tentar fazer, aos poucos e poucos…Porque é importante não esquecer que “Deus está aqui e agora, e se estivermos atentos, quase O veremos a mergulhar os pés na água do mar…”
Obrigada Teresa!
Não conhecia essa expressão de que “uma criança saudável precisa de três As para crescer: Areia, Água, Árvores” mas faz-me todo o sentido e concordo profundamente com ela… Como é fácil de memorizar também se torna mais fácil relembrar no dia a dia! Assim, numa actividade qualquer dos miúdos pode-se “checkar” se é com areia, se é com água ou se é com árvores… e se for, sossegar o coração, travar o impulso de dizer “Não!!” e dizer simplesmente “Ok”!
Ótima dica, Teresa! 🙂
Obrigada! Beijinhos!
Dizia alguém que nós cristãos esvaziamo-nos para podermos ser preenchidos da presença de Deus e não para permanecermos vazios! Treinar a interioridade…que bom! Desconectar do virtual… Pôr os pés na areia da praia, sentir o frio do mar…e passear com Deus…milagres do dia a dia que a poluição da sociedade de hoje não nos quer deixar contemplar. Que bela infância eu tive…graças a Deus!!
A criança (falo de uma criança saudável, naturalmente) precisa desta imersão na natureza, esta mistura de areia e água fria, sal e terra molhada, sol e chuva, frio e calor, sem cuidados exagerados dos pais, para poder descobrir os limites do seu corpo e os horizontes do seu espírito!
Lindo!
https://youtu.be/p6kTElDWz8E
Com humor… também se dizem estas verdades com as quais nos debatemos!
Acho que não tenho dificuldade com o desconectar, até porque não estou ligada a nenhuma rede social, com excepção do Whatsapp , se é que se pode chamar rede social ao Whatsapp….E tenho-me debatido bastante para não ceder à tentação de aderir a uma…No entanto há uma coisa que identifico claramente como um grande defeito meu, que é a minha dificuldade em descontrair em relação aos miúdos. Acho que deve ser por ter só três. A partir dos 4 filhos os pais não têm outro remédio senão descontrair e não passar o tempo todo com medo que lhes aconteça alguma coisa…
Imaginar os meus filhos a nadar no rio num dia de chuva intensa, é coisa para me deixar o olho esquerdo a tremer…só de imaginar!
Acho que sou uma mãe que pertence ao grupo dos pais-esquecidos-da-sua-própria-infância….Tenho de melhorar isto! 🙂
Eles divertiram-se tanto, mas tanto, Catarina! Valeu a pena ver a sua alegria! E não creio que tenha a ver com o número de filhos. Neste ponto, sempre fomos assim, ou seja, já planeávamos este tipo de aventuras antes de casar. E por outro lado, conheço famílias numerosas que nem sequer se aventuram a ir à praia com medo de perder algum filho 🙂 Bj!
Imagino como se devem ter divertido!
Os meus filhos iam delirar, ou então iam ficar intrigados a achar que a mãe não estava bem para lhes permitir tal aventura! Sei que é uma preparação fantástica para a vida, para saber lidar com a adversidade e que ganham capacidade de adaptação … E isso é tão importante… Mas eu ainda não sou capaz… Estava já aqui a ver se arranjava uma desculpa com o número de filhos, mas já vi que não me safo! 🙂
Quem sabe se com os netos me torno assim numa avó super radical! 😉Bjinho