Ouvido de passagem, na sala dos professores:
“Então que idade tem o teu filho?”
“Dezoito anos. Entra agora na universidade!”
“Fantástico! E tu pareces tão novinha, quem diria?”
“Pois é, quando tive um filho nova, todos me criticaram, porque não ia poder aproveitar a juventude, aos vinte e cinco anos. Mas agora, vê lá tu, já tenho o filho criado e já estou despachada, enquanto as minhas amigas ainda andam às voltas com o primeiro ciclo…”
Ouvido de passagem, no talho:
“Então é verdade que a sua amiga vai ter gémeos?”
“É verdade, sim. A princípio, coitada, fartou-se de chorar, como é de imaginar… Quem é que quer gémeos? Mas agora está mais consolada. É o que eu lhe digo: fica logo despachada!”
Ouvido de passagem, na mercearia:
“Então agora é que vem a menina?”
“Não, tenho dois rapazes e já me chega! Já estou despachada.”
Três conversas idênticas, todas no mesmo dia, a acontecer ali à minha beira, sem que eu abrisse a minha boca. Mas o meu pensamento, esse não consegui calar. Despachada de quê, exatamente? Quando foi que a nossa sociedade deixou de olhar para as crianças como o maior bem, o maior tesouro, a maior realização de um ser humano, a maior dádiva de um ser humano ao mundo, e as passou a olhar como algo que é preciso… despachar?
E ainda outra pergunta: despachada para quê, exatamente? O que é que há de tão importante na vida que justifique despachar as fraldas, as mamadas, os sorrisos, os ralhetes, a repetição da tabuada, o beijinho nas feridas dos joelhos, a escuta atenta das lágrimas adolescentes, os conselhos, as palavras amigas, a roupa lavada, a comida na mesa, a festa, a alegria, o barulho, a vida?
Tanta gente recusando os dons de Deus! Tanta gente fechando o corpo e o coração à vida que o Senhor quer oferecer como um tesouro! Tanta gente que, não podendo ter filhos biológicos, se recusa a acolher o filho ou os filhos que o Senhor lhe quer oferecer, e que aguardam com tristeza por um pouquinho de generosidade nas casas de acolhimento e nos orfanatos! Não terá o filho – biológico ou adotado – o valor daquela pérola preciosa de que falou Jesus, ao dizer que, por ela, valia a pena vender tudo quanto se possui (Mt 13, 45-46)?
Ama-se devagarinho, lá diz a canção… Ama-se um dia e um filho de cada vez, sem pressa, desfrutando de cada momento com a consciência de que somos uns privilegiados, a quem muito se deu – ou se quis dar – e, por isso mesmo, muito será pedido (Lc 12, 48)…
Ai, Teresa…. Puseste-me toda arrepiada e com lágrimas nos olhos! Para variar 😉
Acabei de chegar da Irlanda, onde famílias numerosas comecam aí com o sétimo filho e nao com o terceiro 😉
Deus deu-me a minha pérola preciosa muito tarde e infelizmente nao me deu mais do que uma. Se pudesse, teria adoptado uma carrada de criancas antes mas na Alemanha nao se pode adoptar sendo solteira… Eu nao quero despachar a minha filha, o tempo passa tao depressa e eu peco a Deus que, se for possível, possa viver muitos anos e com saúde, para poder acompanhar a vida da minha menina!
Sim, Teresa, vocês sao uns privilegiados! E os vossos filhos também! Que Deus vos acrescente aquilo que dais aos vossos flihos, como no milagre da multiplicacao dos paes e peixes.
Todos os dias ouço do mesmo, Teresa!
“Eu de muito boa vontade gastarei, e me deixarei gastar pelas vossas almas, ainda que, amando-vos cada vez mais, seja menos amado”
2 Coríntios 12:15
Sim, gastar-se! Desde quando é que isto se tornou escândalo?! Aprendi muitas coisas com os meus pais, mas julgo, que uma das mais importantes, foi a importância, a naturalidade da resiliência, do sacrifício e da paciência; de que “gastar-se” é inevitável e é, no fundo, entregar-se de alma e coração a uma vocação, à vida.
O ser vivo “nasce, cresce, reproduz-se e morre”, eu diria que o Ser Humano, nasce, cresce, reproduz-se, “GASTA-SE” e (algures neste ciclo) morre.
Existe uma quase obsessão (uma moda…) de poupar o corpo, os anos de juventude, chegar à reforma “enxuto” para viver e aproveitar qualquer coisa que, no fundo, ninguém sabe muito bem o que é…
Bem dito seja Deus, que me oferece ocasiões de me gastar e de, cada vez mais, o fazer em absoluta liberdade e feliz doação.
Essa expressão é como a outra, a de “fechar a loja”. Ambas traduzem os filhos como objetos ou troféus, que temos para “exibir”.
Ola Teresa!
Percebi (tarde de mais) como um filho é precioso… como a unica nossa função nesta vida é educar o filho que Deus nos coloca nos braços…
Como tanta coisa se perdeu entre as anteriores gerações e as atuais!
Que Deus torne o mundo de hoje fermento de um futuro diferente…
Outra expressão que me incomoda é “Já tem o problema resolvido!” – isto quando se trata de gémeos ou do segundo filho…
Quando ter filhos é receber de Deus a maior Graça*
Ah, Teresa, ouço tantas vezes essa expressão com a mesma perplexidade!! Até quando falo em ter mais filhos há quem deixe cair um: “credo”! Cá em casa sentimo-nos cada vez mais isolados e diferentes de toda a gente nas nossas opções, até junto da família mais próxima. É triste.
Obrigada por estas palavras que fazem tanto sentido.