Em Caná da Galileia...


Domingo da Santíssima Trindade, ano A

Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga

QUE TODOS POSSAM RESPIRAR

Domingo da Santíssima Trindade. Depois da intensa experiência do tempo pascal, chegou a hora de glorificar, numa celebração solene e festiva, o mistério especialíssimo da própria essência divina: a Trindade.

“Naqueles dias, Moisés levantou-se muito cedo e subiu ao monte Sinai”. A oração, o encontro com o Senhor não acontece se não nos levantarmos do nosso conforto e se não subirmos ao monte – o monte interior na nossa alma, mas também o monte da paróquia, onde finalmente, nos podemos reunir de novo. É com grande alegria que vencemos o conforto da oração online no sofá da sala e, com todos os desconfortos a que as indicações sanitárias e a obediência obrigam, nos pomos a caminho da igreja. Graças ao Senhor!

Sobre o monte, Moisés contemplou a glória do Senhor, “um Deus clemente e compassivo, sem pressa para Se indignar e cheio de misericórdia e fidelidade.” A revelação de Deus Pai, ao longo do Antigo Testamento, é uma revelação de amor, de misericórdia, de ternura. O Deus de Abraão, o Deus de Moisés, o Deus dos patriarcas, dos profetas e dos reis da Antiga Aliança é um Deus que “desceu da nuvem e ficou junto” do seu povo. Assim Lhe pediu Moisés: “Digne-Se o Senhor caminhar no meio de nós!” E Deus, que só sabe amar, aceitou descer do monte com Moisés e caminhar no meio de nós.

Ainda há quem tenha medo do Deus que Se manifestou a Moisés… Ainda há quem, ao referir-se a cristãos mais endurecidos ou intransigentes, os acuse, com sentido pejorativo, de viverem “no Antigo Testamento”, como se no Antigo Testamento, Deus fosse violento, vingativo, ou qualquer outra coisa que não amor. Não nos permitamos tamanha heresia! Abramos muitas vezes a nossa Bíblia nos salmos e nos profetas, nas narrativas históricas e nas lendárias, nas canções e nos provérbios, e escutemos a Palavra do Pai, que nos trata em tudo com a afabilidade e a ternura do melhor dos pais: um pai que ama, que perdoa, que castiga quando é preciso, que ensina, que aconselha, que avisa, que declara o seu amor com palavras inflamadas.

De facto, no Antigo Testamento, Deus revela-Se sobretudo na Pessoa do Pai, o Criador, que conduz o seu povo através da História, e que nos ama com tal amor, que decide fazer muito mais do que Lhe pediu Moisés: não apenas caminhar entre nós, mas fazer-Se um de nós, em Jesus Cristo. Assim nos diz o Evangelho: “Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito (…) Porque Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele.” E é este Filho, que também é Deus, que descobrimos nos quatro Evangelhos. Quatro, como os quatro pontos cardeais, porque nenhum esgota a altura, a largura, o comprimento e a profundidade do seu amor (cf. Ef 3, 18-19), revelado na Cruz.

Com o Pentecostes, que celebrámos em festa no domingo passado, chega, por fim, a revelação do Espírito, que o Antigo Testamento já anunciava e que os Evangelhos prometem. E esta é a terceira parte da nossa Bíblia: depois da Era do Pai, no Antigo Testamento, e depois da Era do Filho, no Novo Testamento, chega a Era do Espírito, que os Atos, as Cartas e o Apocalipse iniciam, e que a Igreja, nos ensinamentos do Papa, no Catecismo, nos seus Concílios, na sua História, continua, iniciando assim o fim dos tempos.

Vigília do Pentecostes

Vivendo, pois, na Era do Espírito, precisamos de fazer espaço no mundo para que todos possam respirar, para que ninguém morra por lhe faltar o ar divino, o sopro de Deus. Hoje, no nosso mundo, temos dificuldade em respirar, não por causa das máscaras, nem por causa dos vírus, mas por causa de todos os ódios que continuam a alastrar, bem mais perigosos que uma pandemia. “Não consigo respirar”, foram as últimas palavras do negro George Floyd, antes de ser sufocado até à morte pelo polícia branco, nos Estados Unidos, por estes dias. E são as palavras de tantos irmãos, com fome, na pobreza e na guerra, que a nossa ganância priva dos dons abundantes da Criação, como o Papa Francisco denunciou na Laudato Si, há cinco anos.

Até quando, Senhor, sufocaremos o teu Espírito? “Sede alegres, trabalhai pela vossa perfeição, animai-vos uns aos outros, tende os mesmos sentimentos, vivei em paz”, pede S. Paulo. Só uma comunidade transbordante em frutos do Espírito pode vencer o verdadeiro mal do mundo – que não é, com toda a certeza, o coronavírus, mas o pecado.

Hora da missa. “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam convosco”, deseja Paulo aos Coríntios, e deseja o sacerdote à comunidade reunida. Inspiramos profundamente, imersos no amor salvífico da Trindade. Depois, como Moisés, caímos de joelhos e prostramo-nos em adoração diante de Ti, que Te dignas “caminhar no meio de nós”; mais: que Te dignas habitar dentro de nós! Como pode o coração humano conter a Trindade Santíssima, se o Universo inteiro não é capaz de o fazer? É certo que somos “um povo de dura cerviz, mas Vós perdoais os nossos pecados e fareis de nós a vossa herança”… Somos tomados de espanto.

 

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