Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga
DOIS OLHARES QUE SE CRUZAM COM JESUS
Hossana! De ramos no ar, acolhemos o Cristo que vem montado num jumentinho, humilde e manso de Coração. Mas a festa não dura muito: em poucas linhas, numa vertigem crescente, as Escrituras atiram-nos para a tragédia mais terrível da História: matámos o Salvador! “Meu Deus, porque me abandonastes?” Grita Jesus, e gritamos nós, neste mundo entregue ao poder das trevas. É a hora da morte. E paradoxalmente, a hora da Vida…
Sentados à mesa com Jesus, horas antes da tragédia começar, os discípulos conversam sobre qual deles é o maior. Será possível que ainda não tenham entendido? Será possível que, dois mil anos depois, ainda não tenhamos entendido? “O maior entre vós seja como o menor e aquele que manda seja como quem serve,” explica Jesus pela enésima vez. Quantas vezes mais ainda nos terá de explicar?
É a hora das trevas. No Monte das Oliveiras, Jesus vive uma agonia tão dura, que chega a suar sangue, algo que só acontece em situações limite de stress intenso e prolongado. Que se terá passado naquela hora, em que os amigos descansam e os inimigos trabalham? Terá Jesus contemplado todos os pecados da humanidade, incluindo os meus e os teus, como vários místicos atestaram ao longo da História? Terá sido tentado a fugir, abandonando a sua missão, porque os homens, de facto, não merecem tamanho sacrifício do seu Deus? Mistério insondável, este da agonia do Senhor… Deus continua em agonia hoje também, e quantos dos seus amigos – tu e eu talvez – a dormir!
Dois Apóstolos, dois olhares que se cruzam com o de Jesus. O primeiro é Judas. Vem de noite, porque vive nas Trevas, e cumprimenta o Senhor com um beijo. “Judas, é com um beijo que entregas o Filho do Homem?” Pergunta Jesus, dando-lhe a oportunidade de confessar o seu pecado e de ser imediatamente perdoado. Judas não responde. Virá a arrepender-se, porque o olhar de Jesus é como um feixe de luz a iluminar os recantos mais escuros da alma. Mas não será capaz de acolher a amizade prontamente oferecida. O seu pecado parecer-lhe-á demasiado grande para ter perdão. E Judas suicida-se.
O segundo é Pedro. Alguém acendeu uma fogueira no pátio da casa do sumo sacerdote, onde Jesus está a ser interrogado. Pedro anda por ali, mas o seu frio é outro… Onde está o homem forte, capaz de seguir Jesus “até para a prisão e para a morte”? Algumas palavras de uma simples criada, e Pedro trai Jesus cobardemente. O galo cantou, “o Senhor voltou-Se e fitou os olhos em Pedro”… Naquele olhar sereno e misericordioso, por sobre a fogueira acesa, o coração envergonhado de Pedro acende-se também. E chorando amargamente, Pedro converte-se ali mesmo, como Jesus profetizara: “Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos.”
A Paixão do Senhor ainda só vai no início. Agora tudo se adensa: Jesus “humilhou-Se ainda mais”, diz S. Paulo. É troçado, maltratado, esbofeteado, flagelado. Séculos antes, Isaías descrevera estas horas terríveis: “Apresentei as costas àqueles que me batiam e a face aos que me arrancavam a barba: não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam…” De repente, novo tumulto: “Mata Esse e solta-nos Barrabás”, grita o povo a Pilatos, que lhes oferece a escolha entre os dois prisioneiros. Sentimos natural repulsa por este Barrabás. Mas não é ele um de nós, “Bar-Abbas”, “filhos do Pai”? Não tomou Jesus o nosso lugar, o “Filho do Pai” morrendo para que nós, seus irmãos, pudéssemos viver?
O Caminho da Cruz é lento e penoso, mas conta com o ombro forte de Simão de Cirene e as lágrimas sinceras das mulheres de Jerusalém. Conta com o meu ombro e as minhas lágrimas, a minha ação e a minha oração, hoje também…
Por fim, Jesus é crucificado entre dois criminosos. O salmo descreve a cena com uma nitidez espantosa: “Todos os que me veem escarnecem de mim… Matilhas de cães me rodearam, cercou-me um bando de malfeitores. Trespassaram as minhas mãos e os meus pés… Repartiram entre si as minhas vestes e deitaram sortes sobre a minha túnica…”
Ainda uma breve troca de olhares: da sua cruz, um dos criminosos contempla a misericórdia crucificada de Jesus e atreve-se a beber da sua Fonte: “Jesus, lembra-Te de mim, quando vieres com a tua realeza.” Jesus olha-o com amor infinito e promete-lhe de imediato o Paraíso. S. Dimas, como a Tradição o reconhece, é o primeiro santo canonizado da História, a ensinar-nos que o arrependimento sincero e a contemplação do Crucificado nos abrem o Céu.
Hora da missa. “Tenho desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa”, diz Jesus aos Apóstolos, e diz-nos a nós, que nos sentamos à mesa com Ele. Estamos à beira das lágrimas… O sacerdote eleva a Hóstia e o Cálice, o Corpo crucificado, o Sangue derramado, violentamente separados. Depois, parte a Hóstia: “Eis o Cordeiro de Deus!” É o véu do templo que se rasga ao meio, as trevas que cobrem a terra, o sol que se eclipsa. “Começavam a aparecer as luzes do sábado…” Acendamos as nossas: a aurora da nossa libertação está quase aqui…
Linda esta reflexão, Teresa!
A Teresa explica tudo tão bem. Comove-me profundamente. Já chorei a ler este texto… Fica tudo tão claro na minha cabeça e sobretudo no meu coração… Obrigada.
Em relação ao post de ontem, que não consegui atempadamente comentar, senti-me solidária com a Sara… Compreendi melhor Adão e Eva. Como somos limitados a compreender o outro! Tantas vezes me perguntei: Mas porque foram comer a maçã!? Com tanta coisa boa tinham logo de comer a maçã, que era a única coisa que não podiam comer!
A ideia do Niall foi mesmo muito boa para fazer compreender o que é a tentação 🙂