Em Caná da Galileia...


Domingo II do Tempo Comum, ano A

Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga

O CLARÃO QUE RASGOU OS CÉUS

O Menino do Natal cresceu. E tudo aquilo que Ele viveu, aprendeu e ensinou, na humildade do “tempo comum” de Nazaré, vai agora manifestar ao mundo.

“Naquele tempo, João Batista viu Jesus, que vinha ao seu encontro”. Jesus não vinha vestido de vestes reais. Trazia certamente uma túnica simples costurada por Maria, as mãos calejadas do trabalho na carpintaria de José. Mas João reconheceu-O porque viu “o Espírito Santo descer do Céu como uma pomba e permanecer sobre Ele.”

Na minha mente, entrelaçado com esta cena surge o momento em que o Papa Francisco “veio ao nosso encontro”, na janela do Vaticano, no dia da sua eleição. Como Jesus, vinha humilde e simples, despido, em sinal profético, das vestes reais que a Igreja envergara milenarmente. Também sobre ele, o Espírito Santo desceu como uma pomba, e ali permanece, dando-lhe autoridade para conduzir a Igreja. É preciso, como João, abrirmo-nos à novidade do Espírito para reconhecermos o Senhor quando Ele passa por nós, sem oferecermos a resistência da nossa vaidade…

“Vou fazer de ti a luz das nações, para que a minha salvação chegue até aos confins da terra”, dissera o Senhor através do profeta. Falar de luz, hoje, não causa grande impacto. Em cada divisão da casa há um interruptor, e até os becos mais recônditos da cidade são iluminados. Mas falar de luz, naquele tempo, era outra coisa. Imaginemos, por momentos, as nossas vidas sem qualquer iluminação nestas tardes e noites de inverno… Como faríamos, para passar de um quarto para outro? Como faríamos, para caminhar na rua ao encontro do próximo ou para chegar “aos confins da terra”?

Jesus foi este clarão que rasgou os céus, iluminando o caminho para que possamos percorrê-lo sem perigo. Cada uma das suas Palavras é luz que Deus verte sobre nós, ensinando-nos a distinguir o bem do mal, o amor do egoísmo, e permitindo-nos caminhar sem tropeçar nos obstáculos do mundo. Deixando-nos iluminar, seremos também nós “luz das nações”, levando a salvação a todas as “periferias humanas”, como diz o Papa, ou aos “confins da terra”, como diz Isaías.

“Reconduzir”, “reunir” e “restaurar”, eis os três “r”s do profeta, explicando a missão dos que vivem na luz. Penso de novo no Papa e nas palavras de S. Francisco de Assis, que certamente o têm inspirado: “Francisco, reconstrói a minha Igreja!” E penso nas nossas paróquias e famílias, no vírus da desunião que se infiltrou numas e noutras. Quantos católicos a criticar o papa, não tanto em palavras, mas em gestos e rituais de desafio! Quantos pais incapazes de reconduzir os filhos à fé da Igreja! Quantos casais desunidos, incapazes de restaurar a casa que, um dia, começaram a construir juntos!

Para salvar o mundo, Deus encarnou no seio de uma mulher: “Ele que me formou desde o seio materno”. No Jordão, João reconhece que a salvação se manifestou num Corpo, num ser humano concreto, e que nós a acolhemos quando decidimos caminhar atrás d’Ele: “Depois de mim veio um homem, que passou à minha frente”. Quando via uma Irmã acabrunhada sob o peso de alguma responsabilidade, a Madre Teresa costumava perguntar-lhe: “Irmã, que nos disse Nosso Senhor: para seguirmos à frente, ou atrás da sua cruz?” A Irmã, já a sorrir, respondia: “atrás”, e a Madre concluía: “Então anime-se e deixe essa cara! Nós só temos de seguir atrás, não é assim tão complicado!”

Os cristãos são, como diz Paulo, “todos os que invocam, em qualquer lugar, o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.” Nós não seguimos um código de ética; nós caminhamos nas pegadas de uma Pessoa. A nossa fé é uma relação pessoal com Jesus, esse Jesus “que vem ao nosso encontro” para nos iluminar.

“Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo.” A afirmação é de João, fazendo eco dos cânticos de Isaías e prolongando-se na Igreja. Aquele homem humilde, que nasceu num estábulo, que se ajoelhou no Jordão entre os pecadores, veio com a mansidão e a pureza de um cordeiro pascal oferecido em sacrifício, para morrer por nós, para morrer por mim. Ninguém dá à luz sem dor – nem Deus.

E qual a atitude do cordeiro pascal? “Eu venho, Senhor, para fazer a vossa vontade”. O autor da Carta aos Hebreus explica este salmo, referindo-o a Jesus: “Tu não quiseste sacrifício nem oferenda, mas preparaste-me um corpo.” (Hb 10, 5) Também a nós foi preparado um corpo, para podermos, na nossa carne e servindo os irmãos na sua carne, fazer a vontade do Senhor. Batizados, somos “chamados à santidade”, chamados a ser “outro Cristo”, dando a nossa carne – com dor – para que o amor e a Palavra cheguem “aos confins da terra”.

Hora da missa. “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”, diz o sacerdote. De joelhos, contemplo a tua humildade, Tu que no altar Te despiste de toda a pompa e toda a riqueza… Senhor, não sou digno! Mas como João e os seus discípulos na margem do Jordão, também eu sou tomado de um impulso irresistível para seguir atrás de Ti, deixando que passes à minha frente e me abras o caminho com a tua cruz luminosa…

 

2 Comments

  1. Pilar Pereira

    Fiquei a modos que sem palavras… Então, resumo o que penso num simples “Obrigada!”. Aliás, “Muito obrigada!”.

  2. “nós caminhamos nas pegadas de uma Pessoa. A nossa fé é uma relação pessoal com Jesus” 😉

    Santo Domingo para todos!!! 🙂

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