Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga
DÁ-ME DE BEBER!
“Dá-me de beber!” Acostumados a abrir a torneira quando temos sede, dificilmente entenderemos a profundidade da Palavra deste domingo. Mas regressemos, por momentos, a um tempo em que todos os dias se ia buscar água à fonte ou ao poço, ou visitemos em espírito os mais pobres do mundo, afadigando-se por um balde de água diário… Hoje falamos da sede de Deus e da sede do Homem, das águas estagnadas e da Água Viva.
“Porque nos tiraste do Egito? Para nos deixares morrer de sede?” O povo está desesperado. Como ele, também nós imaginámos que, tornando-nos cristãos, chegaríamos de imediato à Terra Prometida. E eis que nos descobrimos no deserto. A terra espaçosa onde corre leite e mel (cf. Ex 3, 8) não é para já… Nosso é o caminho, nossa é a promessa. Temos saudades do que deixámos para trás, da fama e da glória que a mundanidade reserva aos seus discípulos. Aqui faz calor e a caminhada deixa-nos exaustos. Vamos e vimos, dois passos à frente e um atrás, perdidos entre areias e sonhos.
“O Senhor está ou não no meio de nós?” Gritamos, cedendo à tentação. E eis que Ele chega, cansado de tanto nos procurar, e Se senta à nossa beira. “Dá-Me de beber”, pede humildemente. Ficamos atordoados: o Todo-Poderoso pede-me água a mim, um simples mortal? “Como é que Tu, sendo judeu, me pedes de beber, sendo eu samaritana?”
Penso em Asia Bibi, a cristã que passou dez anos no corredor da morte, por ter ousado beber água do mesmo poço que as suas companheiras muçulmanas, sob o sol escaldante do verão paquistanês. A sua fé em Jesus Cristo contaminou a água, disseram os seus acusadores, protegidos pela vergonhosa Lei anti blasfémia. Mas a verdadeira religião não gera guerras nem tolera ódios. “Vai chegar a hora – e já chegou – em que os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito e verdade, pois são esses os adoradores que o Pai deseja,” explicou Jesus à Samaritana. E o salmista relembra-nos, “não endureçais os vossos corações!” Deus vem beber aos nossos poços, sem fazer aceção de pessoas, sem distinguir entre judeus ou samaritanos, cristãos ou muçulmanos. Se soubéssemos como é simples saciar a sua sede! Perdemos demasiado tempo com as nossas divisões, deixando o Senhor sentado à beira do nosso poço, sedento de um gesto de amor.
A Samaritana ofereceu a Jesus um pouco de água, um pouco de atenção, um pouco de companhia. Não é isto, a oração? “Quem dera ouvísseis hoje a sua voz!” Também nós nos dispomos a escutar. E como à Samaritana, também a nós, Jesus irá provocar: “Vai chamar o teu marido e volta aqui.” Se a oração não nos desnudar diante de Deus, se não nos incomodar, se não abrir as nossas feridas, não é verdadeira. “Não tenho marido”, responde a Samaritana. Aceitando a sua vulnerabilidade, reconhecendo o seu pecado, foi então capaz de descobrir Deus no meio de nós: “Sou Eu, que estou a falar contigo.”
“Baterás no rochedo e dele sairá água; então o povo poderá beber”, diz Deus a Moisés. A água abundante e fresca, jorrando inesperadamente da rocha, foi a resposta do amor aos insultos do povo. Bem diz S. Paulo: “Deus prova assim o seu amor para connosco: Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores.” Deus é sempre o primeiro a amar, pagando o mal que Lhe fazemos com o seu amor infinito. Quando crucificámos Jesus, uma lança trespassou o seu lado, como a vara fustigando a rocha em Meriba. “E logo saiu sangue e água.” (Jo 19, 34)
“Aquele que beber da água que Eu lhe der nunca mais terá sede: a água que Eu lhe der tornar-se-á nele uma nascente que jorra para a vida eterna”, promete Jesus. Esta nascente mora no mais profundo de nós, desde o dia santíssimo do nosso Batismo. A Confissão, a Eucaristia, a meditação da Palavra e a oração vão escavando a terra, retirando as pedras que bloqueiam a fonte, batendo na rocha dura do coração.
Cheia de profunda alegria, “a mulher deixou a bilha”. Já não precisava dela. O encontro com Jesus fizera-a compreender que os poços deste mundo não podem saciar a sede de infinito que nos atormenta. E chamada, também ela, a ser “Igreja em Saída” (EG), “correu à cidade” – ou à “periferia”, diria o Papa Francisco – “e falou a todos: Vinde ver!” Evangelizar é atrair para Cristo, e ao evangelizador é apenas pedido que dê testemunho, por palavras e pela vida, do encontro com o Salvador. Sabemos que cumprimos a nossa missão quando nos disserem, como à Samaritana: “Já não é por causa das tuas palavras que acreditamos. Nós próprios ouvimos e sabemos que Ele é realmente o Salvador do mundo.”
Hora da missa. Deixei a cidade e vim ao deserto, e eis que Tu me esperavas, sentado à beira do meu poço. Tens tanta sede do meu amor como eu tenho do Teu! Será possível, Senhor? Gota a gota, gesto de amor a gesto de amor, irei esvaziar o meu poço para saciar a sede que Te atormenta. E porque eu conheço o dom de Deus e quem é Aquele que me diz, “dá-Me de beber”, aqui estou para Te pedir a Água Viva, que jorra do teu lado aberto sobre este altar, e que jorrará em mim para a vida eterna…