Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga
É PRECISO PORMO-NOS A CAMINHO
Neste domingo, como Moisés, aproximemo-nos descalços da sarça-ardente do Coração de Jesus, que Se nos revela como um amor que arde sem queimar.
Moisés vivia feliz com a nova família que formara no deserto. No entanto, lá no fundo do seu ser habitava a saudade do seu povo escravizado, como um refrão triste na canção da sua felicidade. Um dia, enquanto pastoreava o rebanho, viu uma sarça que ardia sem se consumir. Que fenómeno estranho! Moisés aproximou-se.
“Eu sou o Deus de teus pais, Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacob”, diz Deus por entre as chamas. Depois, quando Moisés Lhe pergunta pelo nome, o Senhor acrescenta aquela fórmula misteriosa: “Eu sou Aquele que sou,” ou apenas “Eu Sou”. O nosso Deus é um Deus presente, que está com cada geração de crentes – a geração de Abraão, de Isaac, de Jacob, de Moisés – desde o início dos tempos até ao fim. A sua presença junto de nós é tão constante, que não encontramos nela uma única quebra. Não a podemos, pois, traduzir pelo verbo “estar”, mas sim pelo verbo “ser”, como se a própria definição de Deus fosse ser presente na nossa vida.
Depois, Deus vai usar dois outros verbos que também Lhe são muito queridos: ver e escutar. “Eu vi a situação miserável do meu povo no Egito; escutei o seu clamor…” Deus vê-nos continuamente, nada escapa ao seu olhar, que vê até ao mais profundo do nosso ser, onde a escuridão não nos deixa ver bem. Para Deus – Aquele que É – a nossa vida inteira é um contínuo presente.
Mas Deus não Se limita a ver: Ele tem os ouvidos colados à nossa boca, escutando os nossos mais pequenos suspiros com uma atenção inimaginável. Penso no meu sono intermitente, que o mais leve suspiro do meu bebé de três meses consegue despertar… Penso na rapidez com que salto de cama, ao ouvir o seu leve gemido. Penso na angústia que o seu choro intenso é capaz de gerar em mim, quando nada o parece acalmar. “Escutei o seu clamor”, diz Deus, Deus que é para nós mais carinhoso que a melhor das mães, Deus com entranhas de misericórdia, que se revolvem dentro de Si ao nosso mais breve lamento…
Se Deus está assim tão atento à nossa sorte, porque permite Ele o mal? É a pergunta que mais gente se faz, não só hoje, como no tempo de Jesus. Achava-se então que o sofrimento era castigo de Deus, ideia que Jesus corrige: “Julgais que esses galileus eram mais pecadores do que todos os outros galileus? Eu digo-vos que não.” Aliás: o nosso Deus é tão misericordioso, que até Se dispõe a prolongar a vida dos pecadores, para que tenham mais oportunidades de conversão. É o que nos diz a parábola da figueira que não dava frutos: perante a inutilidade da sua existência, o vinhateiro suplica ao dono da vinha, que estava disposto a cortar a figueira: “Senhor, deixa-a ficar ainda este ano… talvez venha a dar frutos.”
Mas se o sofrimento não é um castigo, ele não deixa de ser uma advertência, como sugere S. Paulo: “Quem julga estar de pé tome cuidado para não cair.” A queda da torre de Siloé ou das Torres Gémeas, os tsunamis, inundações e terramotos, os desastres aéreos, tudo nos deve ajudar a compreender que esta vida é uma viagem muito breve e muito frágil, que ninguém sabe quando terminará. Porque não aproveitamos para nos convertermos, enquanto ainda temos tempo? “Vou cavar-lhe em volta e deitar-lhe adubo”, diz o vinhateiro. Aproveitemos esta quaresma para trabalhar em profundidade a nossa vida espiritual, e comecemos hoje mesmo, não venha a acontecer não chegarmos vivos à Páscoa…
Do meio da sarça, Deus disse a Moisés. “Desci para libertar o povo das mãos dos egípcios”. Deus “desceu”, mas quem vai ao Egito é Moisés! É Moisés quem terá de enfrentar a fúria do faraó, quem terá de falar ao povo, quem terá de o conduzir pelo deserto e aguentar com todo o tipo de abuso e murmuração, como S. Paulo recorda aos Coríntios. Sabemos que Moisés chegará ao ponto de preferir a morte a tão difícil missão. E como ele, vários profetas, de ontem e de hoje. O nosso Deus atua na História, sim, mas não atua senão através de cada um de nós. Deus precisa das nossas mãos, dos nossos olhos, dos nossos pés, da nossa inteligência, dos nossos bens, do nosso coração para salvar hoje o seu povo. Diante do chamamento do Senhor, não tenhamos ilusões. A missão nunca é fácil. Mas tenhamos a certeza de que “Eu Sou” estará connosco, escutará o nosso mais leve suspiro e observará com admiração o nosso mais simples gesto de amor. Seremos capazes de responder como Moisés: “Aqui estou”?
Hora da missa. Descalcemos as sandálias, que pisamos terra sagrada! Sobre o altar, qual sarça-ardente, o Senhor contempla-nos e escuta-nos com infinita compaixão. Falemos com Ele, coloquemo-nos diante do seu olhar! Ardendo de amor, à voz do sacerdote Ele percorre “a distância da terra aos céus” da sua misericórdia e “desce para nos libertar” e para nos “levar deste país para uma terra boa e espaçosa, onde corre leite e mel.” Só Ele sabe quando chegaremos. Para já, é preciso pormo-nos a caminho, como Moisés…