Em Caná da Galileia...


Domingo III do Tempo Comum, ano A

Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga

NA GALILEIA E NA ROTINA DA NOSSA CASA

“Caminhando junto ao mar da Galileia”, Jesus convocou os seus discípulos. Caminhando na rotina do nosso Tempo Comum, na normalidade da nossa casa, na simplicidade da nossa oração, Jesus vai convocar-nos também…

Vivemos hoje, pela primeira vez em união com toda a Igreja, o Domingo da Palavra, segundo determinação do Papa Francisco, na Carta Apostólica Aperuit illis: “

Estabeleço que o III Domingo do Tempo Comum seja dedicado à celebração, reflexão e divulgação da Palavra de Deus. (nº3)

Que bela iniciativa! De facto, muitas comunidades cristãs não conhecem suficientemente as Escrituras, pensando ingenuamente que é possível conhecer Jesus sem conhecer a Palavra que Ele veio encarnar. Dizia S. Jerónimo, que o papa cita: “A ignorância das Escrituras é ignorância de Cristo.” Mas os nossos catecismos permitem que uma criança faça a Primeira Comunhão sem ter sido iniciada no estudo do Antigo Testamento…

A Palavra deste domingo é particularmente apropriada, pela luz que o Evangelho lança sobre a profecia de Isaías, e a luz que a profecia de Isaías lança sobre o Evangelho. Os mais pequenos pormenores da vida do Senhor surgem assim como o cumprimento das profecias antigas, ou não fosse o Criador do Universo também o Autor das Escrituras Sagradas!

Os Evangelistas não deixaram escapar nenhum destes detalhes. No Evangelho de hoje, a simples afirmação “Jesus deixou Nazaré e foi habitar em Cafarnaum” surgiu aos olhos de Mateus como o cumprimento da Palavra de Isaías: “Assim como no tempo passado foi humilhada a terra de Zabulão e de Neftali, também no futuro será coberto de glória o caminho do mar, o Além do Jordão, a Galileia dos gentios.” Que experiência poderosa, a de Mateus, ver as Escrituras cumprirem-se ali diante dos seus olhos!

Estaremos nós atentos ao cumprimento da Palavra, também na nossa vida? Deixar-nos-emos visitar por Jesus, para que tudo o que em nós é humilhação, escuridão e derrota se transfigure e encha de luz? Como diz o Papa:

O Antigo Testamento nunca é velho, uma vez que é parte do Novo, pois tudo é transformado pelo único Espírito que o inspira. O texto sagrado inteiro possui uma função profética: esta não diz respeito ao futuro, mas ao hoje de quem se alimenta desta Palavra. (nº12)

É preciso que a Palavra se cumpra no “hoje” de cada dia!

“Eles deixaram logo as redes e seguiram Jesus”, diz Mateus. Sabemos, pela leitura dos outros três Evangelhos, que a história do chamamento dos discípulos teve muitos outros detalhes. Mas para Mateus, o importante foi a prontidão da resposta.

E depois deles, também Paulo foi capaz de deixar e tudo e seguir Jesus. Que atração irresistível Jesus exercia! Por isso, aos Coríntios, Paulo exprime a sua surpresa: em vez de seguirem Jesus, alguns cristãos pareciam seguir antes aqueles que lhes falaram de Jesus, criando a divisão: “Eu sou de Paulo, eu de Pedro, eu de Apolo.”

Jesus ensinava nas sinagogas, diz-nos hoje o Evangelho. Mas foi ainda no Novo Testamento que se deu a triste separação entre Igreja e Sinagoga, entre Cristãos e Judeus… Séculos depois, acontecia o terrível pecado da divisão dos cristãos, que se multiplica diariamente em novas seitas protestantes. Continua o Papa:

Este Domingo da Palavra de Deus colocar-se-á, assim, num momento propício daquele período do ano em que somos convidados a reforçar os laços com os judeus e a rezar pela unidade dos cristãos. Não se trata de mera coincidência temporal: a celebração do Domingo da Palavra de Deus expressa uma valência ecuménica, porque a Sagrada Escritura indica, a quantos se colocam à sua escuta, o caminho a seguir para se chegar a uma unidade autêntica e sólida. (nº3)

Nos nossos dias, contudo, não se trata “apenas” da separação entre cristãos e judeus, entre católicos, ortodoxos e protestantes. A situação que Paulo denuncia está a atingir proporções gravíssimas dentro da própria Igreja Católica, minando-a por dentro.  Nesta nossa geração, a divisão crescente é entre “conservadores” e “progressistas”, entre os “adeptos” do Papa Francisco e os “adeptos” do papa emérito. Até o mundo já segue como uma novela o desenrolar de tantas polémicas! “Estará Cristo dividido?” Como é possível que seguir Jesus se tenha tornado numa escolha tão complicada? Como é possível que a Igreja do Crucificado se tenha rendido de tal forma ao farisaísmo que O levou à morte?

O povo simples – espiritualmente falando – suplica de novo aos seus pastores que façam espaço para o cumprimento – hoje – da antiga profecia: “Vós quebrastes o jugo que pesava sobre o povo, o madeiro que ele tinha sobre os ombros e o bastão do opressor…”

Hora da missa. Venho, Jesus, para celebrar de forma especial a tua Palavra, “minha luz e salvação”. Despido, como Paulo, das minhas próprias palavras, quero deixar-me conduzir pelas Escrituras até Ti, sem me deter ou deixar enredar em nenhuma divisão criada pelos homens, “a fim de não desvirtuar a cruz de Cristo”. É que sobre a Cruz, como sobre este altar, Tu sempre Te dás por inteiro…

 

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