Em Caná da Galileia...


Domingo IV da Quaresma, Ano B

Reflexão semanal sobre as leituras do próximo domingo, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga

FOMOS CRIADOS PARA A FELICIDADE

“Naqueles dias, todos os príncipes dos sacerdotes e o povo multiplicaram as suas infidelidades, imitando os costumes abomináveis das nações pagãs, e profanaram o Templo que o Senhor tinha consagrado para Si em Jerusalém.” Assim se inicia a Primeira Leitura deste domingo, do Segundo Livro das Crónicas. “Naqueles dias”. Que dias? Talvez nunca esta leitura tenha sido tão atual como nos nossos dias. Dos chefes ao povo, as infidelidades multiplicam-se. As nações cristãs adotaram “os costumes abomináveis das nações pagãs”, profanando o corpo e a vida de cada cristão, esse Templo que Deus consagrou para Si no dia feliz do batismo. Veio então o inimigo (quantos “caldeus” nos nossos dias!) e, sem grande dificuldade, demoliu “as muralhas de Jerusalém” – as muralhas da família, as muralhas dos valores cristãos – lançou fogo aos palácios interiores dos filhos de Deus e destruiu todos os “objetos preciosos”, os dons e talentos que o Senhor neles semeara.

O resultado, sempre o mesmo desde os tempos de Adão e Eva, é o exílio. Quando nos afastamos da Lei de Deus, afastamo-nos do Jardim do Paraíso, da Terra Prometida. Esquecidos da nossa condição de filhos muito amados, tornamo-nos escravos do inimigo, ou como diz S. Paulo, “mortos por causa dos nossos pecados.”

E então? Estaremos para sempre condenados a este “tempo de desolação”? Oh, o que seria de nós se fossemos assim abandonados ao nosso pecado! “Deus, que é rico em misericórdia, pela grande caridade com que nos amou” – diz S. Paulo – não desiste de nós. E a leitura do Livro das Crónicas termina com uma expressão muito típica do nosso Deus: “Põe-te a caminho”. A Bíblia é o livro dos que se levantam e se põem a caminho, de Abraão a Moisés, de S. José a S. Paulo, passando agora pelo povo exilado na Babilónia, a quem o Rei Ciro dá permissão para regressar a Jerusalém.

Mas só regressa quem tem saudades de casa. “Sobre os rios da Babilónia nos sentámos a chorar, com saudades de Sião”, diz o salmo. Teremos nós saudades da Casa do Pai? Há sempre o perigo de nos habituarmos ao exílio e deixarmos de sentir “saudades de Sião”. Há sempre o perigo de acreditarmos que o mal-estar e a tristeza que experimentamos, ao pecar, são o nosso destino. Não são. Fomos criados para a felicidade! “Nós somos obra de Deus”, exclama S. Paulo. No momento da fecundação, quando o Senhor insuflou em nós uma alma, deu-se uma explosão de amor na nossa vida que nunca mais esquecemos. Passaremos o resto dos nossos dias procurando regressar à Casa do Pai. Alguns de nós fazem-no inconscientemente. Outros, pela graça derramada nos sacramentos, sabem para onde caminham. Uns e outros precisamos de recordar que primeiro somos amados. “Se eu me esquecer de ti, Jerusalém, esquecida fique a minha mão direita“, canta o salmista. Jerusalém. O Coração de Deus. De onde vimos, para onde vamos. O nosso Templo, a nossa Casa.

E que esta Casa nos pertence, desde o instante em que fomos chamados à vida, é uma certeza da nossa fé. S. Paulo não diz que um dia, depois da morte, ressuscitaremos com Cristo. Não. O que ele diz é que Jesus “com Ele nos ressuscitou e com Ele nos fez sentar nos Céus.” S. Paulo usa verbos no passado, não no futuro! Diz Jesus a Nicodemos: “Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito, para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna.” Aqui e agora.

Acreditamos n’Ele? Acreditamos neste amor incondicional, anterior a qualquer coisa de bom ou de mau que possamos fazer? Este amor que não depende das nossas obras, porque ainda antes de nascermos, já nos fez seus herdeiros? Afinal, não é assim que nós, pais e mães imperfeitos, amamos os nossos filhos a partir do momento em que eles nos são depositados no colo, antes de serem sequer capazes de abrir os olhos, de nos conhecer ou reagir ao nosso amor?

Se acreditamos nisto, estamos salvos. Que alegria! Podemos, como o povo de Deus, deixar para trás a Babilónia e pormo-nos a caminho de Jerusalém. E que caminho é este? S. Paulo diz-nos que fomos criados “em vista das boas obras que Deus de antemão preparou, como caminho que devemos seguir.” Um caminho luminoso, acrescenta Jesus: “Quem pratica a verdade aproxima-se da luz, para que as suas obras sejam manifestas, pois são feitas em Deus.” Na próxima oportunidade de fazer o bem, alegremo-nos: chega-se a Casa pelo caminho das obras de misericórdia, que o próprio Senhor coloca a cada dia diante de nós, para que as pratiquemos!

Põe-te a caminho…

Manhã de domingo. Para quem faz parte deste povo – como disse Ciro – chegou a hora de deixar a Babilónia e partir para Jerusalém. Pelo caminho, “cantamos cânticos de Sião” e oferecemos ao Senhor, com o pão e o vinho, as nossas boas obras. Mais um pouco, e entoaremos “hossanas”, “cantando com todos os anjos e santos”… Que bênção a nossa, dos que vamos à missa! Por alguns momentos da semana, deixamos a Terra e entramos no Céu…

One Comment

  1. Maria Amélia Castro

    Louvado Seja o Senhor nosso Deus

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