Em Caná da Galileia...


Domingo IV do Advento, ano A

Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga

O EMANUEL JÁ ESTÁ PERTO!

O Advento está a acabar. Não dá para resistir por mais tempo aos sons e sabores de Natal… O Menino está prestes a nascer!

O Livro do Profeta Isaías já foi designado por muitos como o Quinto Evangelho. De facto, as profecias de Isaías descrevem com uma precisão magistral os mistérios do Salvador, desde a sua conceção virginal, no chamado “Livro do Emanuel”, até à sua Paixão, com os “Poemas do Servo Sofredor”. Que vocação excecional, a de Isaías, a quem tanto foi dado contemplar! A profecia de hoje é o início desta sequência de visões, e lança-nos num salto de fé e de esperança para dentro dos Mistérios da Alegria, que culminam no Natal do Senhor.

Acaz foi um rei infiel, reinando em Judá num tempo de crise e de guerras sem fim. Mundano e pouco religioso, Acaz não consultava o Senhor para resolver os problemas do reino. Na leitura de hoje, Isaías desafia-o a que aprenda a colocar em Deus a sua esperança, mas Acaz permanece incrédulo. Então Isaías oferece-lhe uma visão profética: apesar de Acaz se recusar a ler os sinais dos tempos, o Senhor irá dar-lhe um sinal evidente da sua predileção, a certeza de que continua a caminhar com o povo escolhido.

Chegados a este ponto da leitura, esperamos com tremor um sinal apocalíptico, algo de extraordinário como a dança do sol em Fátima. Por isso, as palavras de Isaías soam a anticlímax: “A virgem conceberá e dará à luz um filho e o seu nome será Emanuel.” O sinal de Deus entre nós será simplesmente um bebé ao colo da mãe.

Muito se tem escrito sobre esta profecia.  Sabemos que Deus a inspirou pensando em Maria e Jesus, mas num primeiro nível, a quem se referiria Isaías? Ao filho de Acaz? Ao seu próprio filho? Ou estaria ele realmente a ver através dos séculos, contemplando em espírito a cabana de Belém? Como leiga e como mãe, acostumada a ver Deus a meu lado “por entre as panelas”, na expressão de Santa Teresa de Ávila, estas discussões dizem-me pouco. Importa-me antes este sinal da presença do Senhor, não na grandeza, mas na pequenez, não num exército triunfante, mas na vida oculta de qualquer família. É aí que o ordinário se torna extraordinário, é aí que o mistério da encarnação se deixa tocar.

Escreveu Tagore: “Cada criança que nasce é a prova de que Deus ainda não se cansou da humanidade.” E uma canção de Natal, que a minha Sara gosta de cantar por estes dias, afirma: “Porque é Natal, nasce um menino encantado. E ao chegar uma criança, o mundo é abençoado!” Foi isso mesmo que eu senti quando, há um ano, segurei nos braços mais um filho recém-nascido. Batizá-lo em dia de Natal foi, na minha vida, a concretização da promessa de Isaías. Ali estava o meu bebé cheio de graça divina, o ordinário feito extraordinário, a natureza feita milagre, Deus-connosco pela água e pelo Espírito… O seu pé pequenino, protegido por uma botinha de lã, recebeu nesse dia o “beijo ao Menino” da comunidade paroquial. “Revestido de Cristo”, diz a liturgia do batismo, o meu filho foi o “Emanuel”.

A Bíblia foi escrita para ti, para mim, para cada um de nós. Todos somos, em algum momento, convocados para jogar na equipa de Deus-connosco. Assim descobriu também José, na noite especialíssima da sua anunciação: “José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa…”

Pela boca do profeta Isaías e do Arcanjo Gabriel, Acaz e José foram desafiados a acolher a presença de Deus feito Menino, o Filho de Deus feito Filho do homem. Ambos se encontravam em momentos decisivos da sua vida, Acaz, temendo a guerra, José, sofrendo por se julgar traído pela sua noiva. E se Acaz não aceitou o sinal que lhe foi dado, preferindo refugiar-se nas seguranças humanas do seu exército, José “fez como o Anjo do Senhor lhe ordenara e recebeu sua esposa.”

Seria este “Emanuel” – o bebé no seio de Maria – o “Emanuel” por excelência, Aquele que torna Deus presente em todos os outros “filhos do homem”? José foi chamado a “acreditar sem ter visto” (Jo 20, 29). De facto, José morreu antes de Jesus iniciar a vida pública. O “sim” de José, embora extraordinário, foi dado de noite, como o nosso “sim”. Somos convocados na fé, pela voz dos anjos e dos profetas que nos cercam – estaremos atentos? – para trabalhar num sonho que talvez só venha a realizar-se daqui a muitos séculos, como o sonho de Isaías, ou depois da nossa morte, como o sonho de José…

Hora da missa. É quase, quase Natal. O Emanuel já está perto! Olho, com os olhos da fé que o batismo me deu, e descubro que estás bem mais perto do que a promessa anuncia. Estás aqui! Sim, já chegaste, escondido na carne do filho, ou pai, ou esposo, ou amigo, ou irmão, que me deste para amar, presença-milagre na rotina dos meus dias. Já chegaste, e estás aqui, sobre este altar, pão e vinho tão comuns na minha mesa, mas que pelo teu dom, se tornam na tua Carne… Não sei como não estremece a Terra nem se agitam as estrelas diante destes sinais misteriosos de que és o Deus-connosco, o Emanuel, que um dia encarnou e desde então, nunca nos deixou sós! Vem, Senhor Jesus!

3 Comments

  1. Isabel Anselmo Cruz

    Obrigada por esta reflexão, Teresa.
    Ela relembrou-me que Ele está tão perto mesmo que às vezes pareça que não.

    Um bom natal e final de Advento para todos.

    Vem Senhor Jesus!

  2. “para trabalhar num sonho que talvez só venha a realizar-se daqui a muitos séculos, como o sonho de Isaías, ou depois da nossa morte, como o sonho de José…”
    Tão bonito e tão verdade…
    Muito obrigada por esta reflexão…
    Um Santo Natal e um ótimo tempo em família para todos!

    • “O sinal de Deus entre nós será simplesmente um bebé ao colo da mãe.”
      O que só por si já é o princípio e confirmação de:
      “para trabalhar num sonho que talvez só venha a realizar-se daqui a muitos séculos, como o sonho de Isaías, ou depois da nossa morte, como o sonho de José…”
      Quantos pastores terão adorado o bebé deitado nas palhas e fim de história…? Em vez de aparecer de rompante e dar-nos a salvação e pronto, não …
      Nasce bebé, qual figura insignificante, e desaparece de cena nos 33 anos seguintes! Só depois de todo esse tempo o impensável acontece!
      E nós, como crianças apressadas e ansiosas pelas prendas que andam escondidas pela casa, “bufamos” fundo e esperamos, esperamos dezenas de anos se preciso for! E talvez nunca vislumbremos na terra nenhum dos sonhos realizados na missão que levamos!
      Que maravilha de contemplação!

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