Reflexão semanal sobre as leituras do próximo domingo, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga
PODEMOS IR TER COM JESUS A QUALQUER HORA
“Porquê?” É geralmente assim a primeira reação diante do sofrimento. É a pergunta que os meninos colocam na catequese, a pergunta que os crentes colocam aos sacerdotes, a pergunta que os não-crentes colocam aos crentes, quase como um desafio: se Deus existe, por que razão sofrem os homens, especialmente os inocentes?
Esta pergunta é tão antiga quanto o ser humano e acompanha todas as gerações. Também atravessa a Bíblia, transformando-se em conto no Livro de Job. A este homem justo, permitiu Deus que acontecesse tudo o que podia acontecer de mal. Depois de perder a riqueza, os filhos, a saúde e até o bom nome, nada mais lhe restava senão esperar pela morte. Segundo os nossos esquemas mentais e segundo o credo judaico, exemplificado nas palavras dos “amigos” de Job, o seu sofrimento não faz sentido, pois ele não merecia castigo. De facto, a nós parecer-nos-ia muito bem que os maus sofressem e os bons vivessem sempre contentes, ou não?
Ler o Livro de Job em alturas de sofrimento é um verdadeiro consolo. Sem nunca obtermos resposta – nem nós, nem os “amigos” de Job, nem o próprio Job – para o grito de porquê, encontramos contudo uma profunda paz neste vínculo tão humano que nos liga aos irmãos e que se chama dor. Talvez nos reconheçamos ali mesmo, onde Job está; ou talvez reconheçamos, em Job, o irmão que vive na guerra ou na prisão, que tem fome, que é maltratado ou que está doente. Entremos no texto e percorramos também nós o caminho que vai do “Porquê eu?” ao “Por que não eu?”
Quando o sofrimento nos alcança, podemos gritar e chorar diante do Senhor. Deus não nos leva a mal, como não levou a Job. Jesus virá no Evangelho ensinar-nos, com o seu exemplo, que tudo deve começar e terminar em oração, em algum “sítio ermo” onde nada nos distraia do essencial. Abramo-nos sem receio diante d’Aquele que sara os corações dilacerados e liga as suas feridas, como canta o salmo. Porque muito mais importante que saber o porquê da dor, é saber que Deus é Salvador, que não há abismo que Ele não tenha já visitado, Ele que até as estrelas conhece pelo nome! E ainda que nada mude exteriormente quando assim nos abeiramos do Senhor, por dentro, como Job, ficamos curados.
Não é isso que nos diz o Evangelho? É tão reconfortante saber que podemos ir ter com Jesus a qualquer hora, mesmo depois do sol-posto, e expor-Lhe as nossas feridas e os nossos corações dilacerados! Onde encontrar Jesus? Na casa de Pedro, claro! As multidões aglomeravam-se à porta, e a casa de Pedro ficava transformada num “hospital de campanha”, sem hora de fecho. Onde encontrar Jesus? Hoje, como ontem, Jesus está na “Casa de Pedro”: a Igreja. E hoje, como ontem, a porta está sempre aberta, para que passemos por ela e apresentemos ao Senhor o nosso pecado, a nossa dor, a nossa história. A Igreja, diz-nos o Papa, é um hospital de campanha. E os seus “médicos” leigos, consagrados, ordenados, precisam de estar dispostos a trabalhar “para além do sol-posto”.
Mas Jesus não fica apenas na Casa de Pedro: “Vamos a outros lugares, às povoações vizinhas, a fim de pregar aí também…” Porque, diz o salmo, o Senhor congrega os dispersos de Israel. Às vezes, é preciso ir procura-los longe, muito longe…
Se, como a sogra de Pedro, já fomos curados por Jesus; se Ele já nos tomou pela mão e nos levantou, dediquemo-nos a sério a servir os irmãos, como ela fez. Não fazemos mais do que a nossa obrigação, lembra-nos S. Paulo. Foi Deus que nos convocou. Da próxima vez que sentirmos a tentação da vaidade diante do nosso pequeno apostolado, ou a tentação de desistir por não vermos os nossos esforços recompensados, recordemo-nos de que somos chamados a ser – livremente – escravos de todos. Escravos! Como andamos iludidos, procurando que nos agradeçam, nos elogiem, nos ofereçam os primeiros lugares! A melhor recompensa é a de não termos nenhuma nesta vida, porque então o Céu será nosso.
É hora da missa. No altar, Jesus toma sobre Si todas as dores do mundo e transforma-as em dom. “Todos Te procuram”, diziam os discípulos. Sim, Jesus, todos Te procuramos, para que tomes as nossas dores e faças de nós também dom para os outros. Ai de nós se não evangelizarmos, como Tu nos evangelizas; ai de nós se não usarmos de compaixão para com todos, como Tu usas para connosco…
Tão lindo…
Tanto para pensar, para meditar e, sobretudo, para pôr em pratica! Tanto!