Em Caná da Galileia...


Domingo V do Tempo Comum, ano C

Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga

“SOU PECADOR”

Depois do doce Tempo de Natal e antes do dramático Tempo de Quaresma, a Igreja vive no Tempo Comum. E é no Tempo Comum, na rotina diária da nossa vida, que somos desafiados a seguir o Senhor. Foi assim com Isaías, com Paulo, com os Apóstolos.

Isaías era um judeu jovem e piedoso. Um dia, inesperadamente, foi surpreendido pela revelação divina. Não há sobre a Terra palavras suficientemente belas que descrevam esta revelação. É assim com todos os videntes. Conta-se que quando o escultor mostrou a Bernardete, vidente de Lurdes, a primeira imagem esculpida da Senhora que lhe aparecera, Bernardete exclamou, para desapontamento do orgulhoso artista: “Oh! Não é nada parecida! A Senhora da gruta é mil vezes mais bela!” Também Isaías procura no seu vocabulário palavras para descrever a sua visão: “Vi o Senhor, sentado num trono alto e sublime; a fímbria do seu manto enchia o templo…” Teremos de esperar pela eternidade para entendermos o que ele nos quis dizer.

Em Damasco, séculos mais tarde, um outro judeu piedoso foi apanhado de surpresa pela revelação divina. Tratava-se de Paulo de Tarso, perseguidor dos cristãos. O mistério que lhe foi dado contemplar foi de tal forma sublime, que mudou a sua vida para sempre. E de perseguidor, Paulo passou a Apóstolo.

Um dia, este Deus transcendente encarnou e habitou entre nós. Enquanto viveu na carne, Jesus tinha um rosto que se podia contemplar sem se ficar cego, uma voz que se podia escutar e compreender, mãos que se podiam agarrar. Mas havia n’Ele qualquer coisa que atraía irresistivelmente, algo da sua majestade divina que a carne não conseguia esconder. Por isso, “a multidão aglomerava-se em volta de Jesus, para ouvir a palavra de Deus.” E era de tal forma numerosa, que Jesus subiu para um barco ali estacionado e pediu aos pescadores que se afastassem um pouco da terra. Depois de pregar longamente, ordenou-lhes que lançassem as redes ao mar. Simão e André devem ter perguntado a si mesmos que percebia aquele carpinteiro de pesca, eles que durante toda a noite tinham andado na faina sem nada pescar. Mas não ousaram discutir. A autoridade de Jesus era demasiado forte. “Já que o dizes, lançarei as redes.” E a pesca foi tão abundante, que foi preciso chamar os amigos para virem ajudar.

À luz da revelação divina, Isaías descobriu-se pecador. “Ai de mim, que estou perdido, porque sou um homem de lábios impuros.” À luz da revelação divina, também Paulo de Tarso se achou pecador, indigno, “o menor dos Apóstolos”. À luz da revelação divina, Simão Pedro só conseguiu exclamar: “Afasta-Te de mim, que sou um homem pecador.”

Se não nos sentimos pecadores, é porque não conhecemos a Deus. Uma comunidade cristã que não encha regularmente os confessionários não conhece o seu Deus. É que o primeiro sinal de que estamos na presença de Deus é a humilde constatação do nosso próprio pecado. Não é isso que vai acontecer no dia do nosso Juízo Particular? Diante da luz de Deus, iremos contemplar a nossa vida e darmo-nos conta de todo o bem, mas também de todo o mal que fizemos, com perfeita nitidez. E diremos, como Pedro: “Afasta-Te de mim, que sou um homem pecador”, iniciando o nosso Purgatório. Que felizes seremos, se toda esta autodescoberta puder acontecer ainda aqui, na Terra, num momento de oração, meditando no Evangelho, contemplando a Eucaristia, ou imediatamente antes de uma bela confissão!

E que faz o Senhor, quando nos vê assim humilhados diante da sua luz? A miséria atrai sempre a misericórdia. Debruçando-Se sobre nós, o Senhor cura as nossas feridas, perdoa os nossos pecados, lava a nossa vida. “Desapareceu o teu pecado, foi perdoada a tua culpa”. Depois desafia-nos a testemunhar a abundância do seu amor, enviando-nos em missão: “Daqui em diante serás pescador de homens”.

Hora da missa. Jesus está aqui, dentro da barca de Pedro, a barca que Ele mesmo elegeu para, a partir dela, ensinar as multidões. Desta barca não iremos escutar palavras de opinião, da moda, do mundo, mas apenas a Palavra, que ninguém tem o direito de deturpar: “Recordo-vos, irmãos, o Evangelho que vos anunciei e que recebestes, no qual permaneceis e pelo qual sereis salvos, se o conservais como eu vo-lo anunciei”, diz Paulo, e diz-nos em cada geração o sucessor de Pedro, o Papa.

Diante dos nossos olhos maravilhados, Jesus irá fazer hoje os mesmos milagres que fez então, multiplicando dons e gestos de amor e distribuindo pelo povo não já peixe, mas o seu próprio Corpo em alimento. Se nos deixarmos iluminar pela sua Presença Real, dar-nos-emos conta de que somos terrivelmente pecadores. Mas é precisamente porque somos miseráveis que nos iremos deixar “pescar” pela sua misericórdia… “Quem enviarei?” Perguntar-nos-á por fim. Curados, perdoados, salvos do mar escuro deste mundo, poderemos responder com voz forte: “Eis-me aqui: podeis enviar-me”. Depois, como os pescadores da Galileia, deixemos tudo e sigamos Jesus.

verão 2018

2 Comments

  1. Catarina Silva

    Tão lindo!!!
    Era tão bom que todos os Cristãos lessem esta reflexão. Obrigada Teresa!

  2. Maria pimentel

    Sempre linda esta história do nosso senhor Jesus! Obrigada pelos fabulosos discursos, que até nos são familiaresmas que com a vossa “arrumação “ relembramoscom grande prazer. Obrigada

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