Em Caná da Galileia...


Domingo VI de Páscoa, ano B

Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga

É PRECISO ENTRAR NAS CASAS E NAS VIDAS DOS OUTROS

“Naqueles dias, Pedro chegou a casa de Cornélio.” Que frase tão bonita a abrir a Primeira Leitura! Pedro, o judeu, entrou em casa de Cornélio, o romano. Os Apóstolos evangelizavam as multidões nas sinagogas e praças, mas também evangelizavam as famílias, entrando com simplicidade em suas casas. Como faz, aliás, o Pedro atual, o Papa Francisco, que tanto fala para multidões como pega no telefone para conversar com alguém em sofrimento; tanto escreve uma carta aos crentes do mundo inteiro como visita uma prisão. “Eu também sou um simples homem”, diz Pedro, diz Francisco.

Nem todos somos chamados a evangelizar multidões, mas todos somos desafiados a levar Jesus às famílias que nos rodeiam. A catequese precisa de passar cada vez mais por esta evangelização nas próprias casas. Os Atos dos Apóstolos são um manual intemporal de boas práticas cristãs.

O texto de hoje coloca-nos perante uma verdadeira revolução: em casa de Cornélio, Pedro dá-se conta de que a salvação trazida por Jesus não se destina apenas aos judeus. Não terá sido nada fácil concluir tal, pois o próprio Senhor afirmara ter vindo em primeiro lugar para as ovelhas perdidas de Israel. Se Jesus era judeu, quem os autorizava a pregar a não judeus? Como podiam os Apóstolos ter tantas certezas? Eles tinham Alguém a seu favor: o Espírito Santo, que Deus derramava também em casa dos pagãos. Pedro sabia que o Espírito era o verdadeiro chefe da Igreja, e por isso mantinha os sentidos interiores despertos, para ver a sua presença e escutar as suas intuições.

O Espírito Santo soprou no início e continua a soprar hoje, atirando as fronteiras cada vez para mais longe. Foram e continuam a ser os cristãos os primeiros a reconhecer que “Deus não faz aceção de pessoas”, aceção essa que se manifesta em situações tão diversas como a escravatura, o racismo, o nazismo, o aborto, a eutanásia, a segregação social. Pois a partir do momento em que a Igreja primitiva tem a certeza de que Cristo veio para todos – branco ou preto, nascido ou nascituro, jovem ou velho, são ou deficiente, rico ou pobre – ela não pode senão alcançar também a todos. Peçamos ao Senhor a graça de não O trair neste ponto fulcral da nossa fé! Peçamos a graça de chegar às periferias, como nos apela o Santo Padre, à imitação de Pedro. Então sim, cantaremos como o salmista: “Os confins da Terra puderam ver a salvação do nosso Deus.”

Ler os Atos dos Apóstolos impressiona por muitas razões. Mas talvez a principal seja esta ânsia de evangelizar dos primeiros cristãos. Em nenhuma parte do livro encontramos os discípulos de Jesus a viver uma fé privada. Não basta – nem então, nem hoje – frequentar a Igreja e viver devoções particulares. É preciso entrar nas casas e nas vidas dos outros, levando-lhes Jesus. Ser cristão é sinónimo de ser missionário.

E porquê esta identificação de cristianismo com missão? A Primeira Carta de João e o Evangelho explicam: porque Deus é amor. Ninguém ama se não sair de si mesmo. Amar é um movimento em direção ao outro. Deus é amor, e por isso é Pai, Filho e Espírito Santo, é Comunidade que Se entrega reciprocamente. Se Deus fosse só uma Pessoa, não seria amor, porque não teria em Si a quem amar; se fosse duas Pessoas, não seria amor, porque não dava fruto. Mas se são três, então o amor deu fruto, tornou-se fecundo.

Deus vai mais longe, nesta ânsia de ser amor: vai ao ponto de criar um Universo inteiro como recipiente deste mesmo amor. Mas ainda não chega, porque é próprio do amor dar sempre mais. É preciso que Deus não só nos dê, mas Se nos dê: “Assim se manifestou o amor de Deus para connosco: Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito.”

Como queremos nós amar sem imitarmos o Amor? Como queremos nós amar sem nos sentirmos continuamente impelidos para fora de nós mesmos? Como queremos nós amar sem dar fruto? “Amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus”, insiste João.

A família e as comunidades podem ser imagem – pobre – da Santíssima Trindade: uma comunidade de pessoas que vivem umas para as outras. E como é importante este viver para o outro dentro de casa, num mundo onde até as refeições deixaram de ser ponto de encontro! Mas como a Trindade, também nós só somos Amor se sairmos desta comunidade aconchegante para alcançar os demais: “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”, diz-nos Jesus no Evangelho. Refletindo neste “como” – “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos amigos” – iremos ver que a vida inteira não chega para aprender a amar.

Hora da missa. Estamos aqui porque Ele nos chamou: “Não fostes vós que Me escolhestes; fui Eu que vos escolhi e destinei, para que vades e deis fruto.” Vimos para contemplar o seu Corpo e Sangue entregues até ao fim, escutar na Palavra “tudo o que ouvi a Meu Pai”, partilhar a mesma Refeição. Depois é preciso sair da igreja e dar fruto, fazendo o que Ele nos manda. Porque não somos servos, mas amigos. Amigos de Deus! É preciso amar como somos amados. E a nossa alegria fica completa. Aleluia!

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