Em Caná da Galileia...


Domingo VI de Páscoa, ano C

Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga

OBEDIÊNCIA E PAZ ANDAM JUNTAS

A paz surge, nos evangelhos pascais, como o dom maior, concedido por Jesus ressuscitado. Quem acolhe o Senhor, vive em paz  e constrói a paz com os irmãos. Foi num ambiente assim, de paz divina, que a Igreja discutiu pela primeira vez, no Concílio de Jerusalém que os Atos nos narram.

“Meu Pai o amará…” “A Palavra que ouvis não é minha, mas do Pai que Me enviou…” “O Pai enviará o Espírito Santo em meu nome…” “O Pai é maior do que Eu…” “Ficaríeis contentes por Eu ir para o Pai…” O Pai, o Pai, o Pai. Se lemos com as nossas crianças o evangelho, ao longo destes dias pascais, podemos fazer um jogo simples: contar quantas vezes surge o nome do Pai. Hoje, em sete versículos, surge cinco, quase uma por versículo! Parece que Jesus não fala nem pensa senão no Pai. A sua obediência ao Pai é total. Jesus nada faz por Si próprio, nada faz de sua vontade, mas tudo faz como enviado do Pai, e para cumprir a vontade do Pai.

Hoje, não apenas no mundo, mas também em alguns círculos da Igreja, a palavra obediência é muito mal recebida. As crianças obedecem com dificuldade aos pais e aos professores, os cristãos obedecem com dificuldade às propostas da Igreja, muita gente não obedece nem a uns, nem a outros. Mas enquanto o mundo vê na obediência quase um defeito dos fracos, Jesus apresenta-a como a virtude dos fortes. O amor trinitário, que une o Pai, o Filho e o Espírito Santo, pode ser descrito como um amor obediente.

E é esta obediência a Deus que gera a paz nos corações. “Não se perturbe nem se intimide o vosso coração”, diz Jesus. Um coração todo centrado na vontade do Pai não tem razões para se preocupar! Quando nos faltar a paz, perguntemo-nos se estaremos a obedecer ao Senhor, cumprindo o que Ele nos comunica claramente através da sua Igreja, ou aceitando com simplicidade o que Ele permite que aconteça na nossa vida.

Mas nem sempre Deus revela a sua vontade de forma imediata. Por vezes, Ele deseja de nós um caminho de discernimento. Assim aconteceu com a Igreja nascente. Alguns cristãos oriundos do judaísmo estavam convencidos de que era vontade de Deus a judaização dos pagãos antes de fazer deles cristãos; mas Paulo e Barnabé acreditavam que o cristianismo era para todos, não apenas para os judeus, pelo que não havia qualquer necessidade de judaizar os pagãos. O que fazer, quando os crentes não se entendem sobre o que Deus espera deles? “Decidiram que Paulo e Barnabé e mais alguns discípulos subissem a Jerusalém para tratarem dessa questão com os Apóstolos e os anciãos.” Quando os cristãos não se entendem, é preciso reunir com “os Apóstolos e os anciãos” – o Papa e os bispos. Foi o primeiro concílio da Igreja.

O Espírito Santo nunca abandona a Igreja reunida em concílio, como o prova esta afirmação da carta que, no final, foi enviada às comunidades: “O Espírito Santo e nós decidimos…” Confiemos no santo padre de cada geração e nas decisões de cada concílio! Depois, obedeçamos sem condições.

As conclusões do primeiro concílio foram decisivas para o futuro da Igreja. Ali se abriram as portas por onde também nós entrámos para formarmos “a cidade santa de Jerusalém”, segundo a visão do Apocalipse: doze portas, como doze são as tribos de Israel e os Apóstolos, abertas para os quatro pontos cardeais, como quatro são os cantos do mundo.

Por outro lado, este concílio foi a primeira vez em que o mais velho critério pastoral foi abertamente desafiado. Todos conhecemos este critério. Chama-se “sempre se fez assim”. De facto, os Apóstolos, sendo todos eles oriundos do judaísmo, não conheciam outra forma de se tornarem cristãos que não a passagem pelo judaísmo, precisando de abandonar este critério para que a Igreja se expandisse. Também o Papa Francisco desafiou este terrível obstáculo em A Alegria do Evangelho: “A pastoral em chave missionária exige o abandono deste cómodo critério pastoral: «fez-se sempre assim»” (EG, nº33).

Continuemos hoje, nas nossas comunidades, a lutar contra ele, separando o essencial do acessório, as verdades da fé das suas expressões culturais e históricas, sem saudosismos, sem nos barricarmos em manifestações ultrapassadas. Não perturbemos, nem nos deixemos perturbar com orientações desnecessárias, que não nos são dadas por “Pedro e os Apóstolos”! É para nós também a denúncia: “Tendo sabido que, sem nossa autorização, alguns dos nossos vos foram inquietar, perturbando as vossas almas com as suas palavras…” Acolhamos a paz de Jesus!

Hora da missa. Quantas graças a dar por estarmos aqui hoje, nós que, historicamente, éramos pagãos! Quantas graças a dar pela coragem e obediência dos Apóstolos! “Louvado sejais, Senhor, pelos povos de toda a terra”, cantamos no salmo. A nosso lado, cada estranho é um irmão, e juntos, somos “a cidade santa”, habitada pela glória de Deus. “Nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada”, diz Jesus, falando em nome da Trindade. Em poucos minutos, o Céu inteiro estará dentro de nós, como lâmpada acesa, inundando-nos da verdadeira paz… Aleluia!

One Comment

  1. Cristina Duarte

    Mais nada!

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