Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga
LIVRES PARA ESCOLHER
Hoje a Palavra fala-nos da Lei de Deus e de como é “ditoso o que anda na Lei do Senhor”.
A Lei de Deus é-nos oferecida em total liberdade: “Se quiseres, guardarás os mandamentos. Ser-lhe fiel depende da tua vontade.” Seremos todos livres para escolher entre o bem e o mal? Como podem aprender a escolher o bem, aqueles que nascem no meio do mal? Deus assegura-nos que todos podemos fazer esta escolha. Em algum momento da vida, a todos é oferecida a graça de optar pelo bem em vez do mal, porque Deus “não deu licença a ninguém de cometer o pecado.” Ninguém é totalmente prisioneiro das suas circunstâncias, e cada ser humano traz inscrito no mais profundo da sua natureza, a ânsia pelo bem. Santa Bakhita, a escrava que se converteu depois de uma vida de torturas, é um exemplo luminoso desta Palavra, e como ela, tantos outros santos, canonizados ou não, que preferiram responder ao ódio com amor.
É por isso que os católicos acreditam que há Céu e que há Inferno. Deus não condena ninguém ao Inferno, mas também não “condena” ninguém ao Céu. A escolha é sempre nossa: “Diante do homem estão a vida e a morte: o que ele escolher, isso lhe será dado.” Por isso também, pedimos diariamente a Nossa Senhora, a Cheia de Graça, que reze por nós agora – antes de cada escolha que fazemos – e na hora da nossa morte – quando fizermos a escolha definitiva.
“Promulgastes os vossos preceitos para se cumprirem fielmente”. Mas que preceitos são obrigatórios e que preceitos já caducaram? Muitos de nós vivemos uma fé de “casuística”. É o caso do pai que se insurge com o catequista do filho, quando este lhe diz que o menino não está preparado para a Primeira Comunhão: “Mas ele nunca faltou à catequese!” Ou do cristão que não sente necessidade de se confessar, pois não falta à missa ao domingo, não rouba, não mata e não comete adultério. Que mais é preciso para ser santo? E, contudo, Jesus adverte-nos: “Se a vossa justiça não superar a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos Céus.”
A Lei, diz-nos Jesus, é para ser cumprida na íntegra, pois Ele não a veio “revogar, mas completar”. Mas a letra da Lei está dependente da cultura e do contexto histórico, podendo deixar de fazer sentido de uma geração para outra. Hoje, nenhum judeu oferece um touro em holocausto no Templo para expiar o seu pecado – não só porque não tem um touro, mas também porque o Templo já não existe. Terá o Livro do Levítico perdido o seu sentido profético? O mesmo em relação a várias normas do Novo Testamento, como por exemplo, as normas paulinas regulamentando as assembleias cristãs.
Se a letra da Lei tem uma relevância histórica, já o seu espírito é eterno, e por isso Jesus diz: “Antes que passem o céu ou a terra, não passará da Lei a mais pequena letra ou o mais pequeno sinal, sem que tudo se cumpra.” Não basta a casuística – posso ir até aqui, não posso passar dali – é preciso escutar o Espírito, que “penetra todas as coisas”, diz Paulo. E o Espírito vai muito mais fundo que a letra. Assim, o mandamento “não matarás” contém todas as intenções de morte que fabricamos no nosso coração: “Todo aquele que se irar contra o seu irmão será submetido a julgamento.” E o mandamento “não cometerás adultério” inclui o desejo desordenado da mulher do próximo. Se a letra da Lei proíbe juramentos falsos e exige o cumprimento integral do que foi jurado, o espírito vai mais longe: o crente não precisa de outras palavras que não sejam “sim” ou “não”. Bastam estas palavras, por exemplo, antes da receção do sacramento do Batismo ou do Matrimónio, para que o crente esteja obrigado diante de Deus a cumprir o que prometeu.
“Quem repudiar sua mulher dê-lhe certidão de repúdio”, diz a Lei de Moisés. Se os que se prendem à letra, podem ler aqui a permissão divina do divórcio, os verdadeiros crentes leem antes a necessidade de proteger a mulher, quando o homem, contrariando a vontade de Deus, se divorcia. E se formos ainda mais fundo no espírito da Lei, entendemos, como Jesus, que “todo aquele que repudiar sua mulher, fá-la cometer adultério.” Quantas contas a dar a Deus! “Salvo união ilegítima”, diz Jesus. De novo, a letra: no contexto em que Mateus escreve, o incesto era prática comum entre pagãos, agora convertidos. Seria esta a “união ilegítima” que precisava de correção.
Como aprender a ler a Bíblia desta forma espiritual, fugindo à casuística farisaica? A resposta é de S. Paulo: “Falamos da sabedoria de Deus, misteriosa e oculta. (…) Mas a nós Deus o revelou por meio do Espírito Santo.”
Hora da missa. Procuro-Te de todo o coração, como o salmista, e como ele, peço-te que o teu Espírito Santo abra hoje o meu entendimento, fortaleça a minha vontade, oriente a minha liberdade. Quando, de joelhos, Te contemplo crucificado, sei que “nem os olhos viram, nem os ouvidos escutaram, nem jamais passou pelo pensamento do homem o que Deus preparou para aqueles que O amam”, e que o Teu amor infinito nos obteve na Cruz. Também eu, Jesus, quero “ser fiel até ao fim”…