Reflexão semanal sobre as leituras do próximo domingo, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga
SÓ O PODER CURATIVO DE JESUS RESOLVE AS NOSSAS LEPRAS
O Levítico é o Livro da Lei de Moisés. Mas estas leis estão tão distantes de nós, que nos custa entender como pode este livro fazer parte da Bíblia. Que interesse tem, hoje, saber como se preparava um boi para o sacrifício? Ou que tipo de alimentos se podiam comer em Israel? Ou, no caso da leitura de domingo, que medidas sanitárias eram utilizadas para evitar o contágio da lepra numa sociedade primitiva?
E no entanto, o Livro do Levítico é Palavra de Deus. Palavra para ser escutada e vivida, hoje também. Como interpretar então que o leproso deve afastar-se da comunidade e “morar fora do acampamento” até à sua cura completa? Será que o nosso Deus discrimina pessoas? Pelo contrário! No Evangelho, Jesus virá mostrar-nos que o Senhor está próximo de todos, especialmente dos que, como os leprosos, são discriminados.
Talvez então esta Palavra seja para ser escutada no seu espírito, como Jesus recomendava, e não na sua letra. Talvez a lepra de que fala o Levítico não seja, para nós hoje, a lepra física. Talvez a lepra seja a imagem mais poderosa que o Senhor encontrou para nos fazer compreender uma realidade que não conseguimos percecionar através dos sentidos corporais, essa sim, realmente feia, capaz de desfigurar em nós a imagem e semelhança de Deus: o pecado. O pecado é uma doença grave, humilhante, que separa as pessoas da sua comunidade e da comunidade de Deus. O pecado torna-nos realmente “impuros”.
Um dia, fora da cidade, um leproso viu Jesus passar. A correr, foi ao seu encontro. Jesus não se afastou nem lhe ordenou que gritasse “Impuro! Impuro!” Pelo contrário, Jesus fez algo completamente absurdo para um judeu: tocou-o. E nesse mesmo instante, ele ficou curado.
O Evangelho diz-nos que Jesus o tocou porque se compadeceu – padeceu com ele. Não foi um toque mágico. Foi um toque de amor, o toque de quem quer tomar sobre si a carga do outro para que ele fique mais leve. Jesus tocou o leproso, o leproso ficou curado e pôde regressar à cidade. Mas a partir daquele momento, “Jesus já não podia entrar abertamente em nenhuma cidade. Ficava fora, em lugares desertos”, como se fosse Ele o leproso. Quererá o Senhor sugerir-nos que a salvação do pecador provocou a morte do Salvador? O profeta Isaías irá, mais tarde, comparar o Salvador a um leproso por cujas chagas somos curados (cf. Is 53). Será também fora da cidade que Jesus irá assumir até ao fim a nossa condição de “leprosos”, morrendo na nossa vez, na Cruz. E ao ressuscitar glorioso, proclamará definitivamente o poder curativo desta sua entrega de amor.
Também nós podemos correr para “fora da cidade”, ao encontro de Jesus, para sermos curados. “Não digas nada a ninguém, mas vai mostrar-te ao sacerdote.” O “deserto” onde Jesus assume sobre Si o nosso pecado e nos restitui à vida chama-se confessionário. Nós, cristãos, não confessamos os nossos pecados nos reality shows ou nas redes sociais. Antes os confessamos, com simplicidade, ao sacerdote. O poder curativo de Jesus está ali, à distância de uma palavra: “Vai em paz, os teus pecados estão perdoados”. Assim proclama o salmo: “Confessei-vos o meu pecado e não escondi a minha culpa. Eu disse: vou confessar ao Senhor a minha falta. E logo me perdoastes a culpa do pecado.”
Depois é preciso cumprir a penitência e fazer reparação, como Jesus disse ao leproso: “Oferece pela tua cura o que Moisés ordenou.” S. Paulo sugere aos Coríntios a mais perfeita reparação: “Quer comais, quer bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus.” A partir do momento em que somos salvos, a vida inteira torna-se ação de graças, Eucaristia.
Como o leproso curado, proclamemos as maravilhas do Senhor, para que ninguém tenha receio de se aproximar de tão grande salvador e “todos possam salvar-se”! Como S. Paulo, é preciso que esta ânsia de evangelização nos faça desejar “em tudo agradar a toda a gente, não buscando o próprio interesse, mas o de todos.” E se quisermos ser verdadeiramente imitadores de Jesus, como S. Paulo diz de si mesmo, então precisamos de percorrer as periferias da vida tocando com amor todos os “leprosos” que por lá vivem, partilhando as suas dores e trazendo-os de volta à comunidade cristã.
É a hora da missa, a hora de dar graças. Sobre o altar, o meu Senhor vai entregar-Se à morte em meu lugar, vai assumir a minha “lepra” para que eu fique curado, e vai ressuscitar para que também eu triunfe sobre a morte do pecado. “Se quiseres, podes curar-me”. Ele quer. Ele já quis. Agora é preciso que eu também queira. Que eu me aproxime, a correr, e me prostre a seus pés… Agora é a minha vez.