Em Caná da Galileia...


Domingo VII do Tempo Comum, ano A

Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga

A SANTIDADE É PARA TODOS

Hoje vamos falar de santidade, a vocação de todos os batizados. Escreveu o Papa Francisco: “Para ser santo, não é necessário ser bispo, sacerdote, religiosa ou religioso. Muitas vezes somos tentados a pensar que a santidade esteja reservada apenas àqueles que têm possibilidade de se afastar das ocupações comuns, para dedicar muito tempo à oração. Não é assim. Todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra. (GE, nº14) As leituras de hoje são para nós!

“Sede perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito”, diz Jesus, fazendo eco do Levítico: “Sede santos, porque Eu, o Senhor vosso Deus, sou santo.” No entanto, parece que Jesus se afasta do Levítico e dos outros livros da Lei, com as suas antíteses provocadoras: “Ouvistes o que foi dito aos antigos… Eu, porém, digo-vos…” Talvez esta linguagem de Jesus seja uma das razões que leva tantos cristãos a sentir-se no direito de ignorar o Antigo Testamento, “saltando” logo para o Evangelho.

Mas será a santidade proposta no Levítico diferente da santidade proposta no Evangelho? Não nos é proposto em ambos o mesmo modelo – o próprio Deus? Pensemos na educação dos nossos filhos. Quando são pequeninos, limitamo-nos a conter os seus comportamentos dentro de um conjunto de “nãos” claros e simples, que vamos ajudando a interiorizar. Pouco a pouco, tornamo-nos mais exigentes, aprofundando e aperfeiçoando as regras básicas. Se numa criança de dois anos, uma birra tem alguma graça, numa criança de dez é inaceitável.

Assim procede Deus com o seu povo, ao longo dos séculos, e com cada um de nós, ao longo da vida. Que paciência, a sua! Bem canta o salmo: “O Senhor é clemente e compassivo, paciente e cheio de bondade.” O Evangelho não vem alterar a Lei de Deus. Vem antes adaptá-la a um povo e a um filho que já alcançou a “idade da razão” e que, portanto, tem obrigação de fazer mais e melhor.

Jesus dá como exemplo a “Lei de Talião”, “olho por olho, dente por dente.” Esta lei não é um convite à vingança, porque a Palavra nunca nos ensina a fazer o mal. Esta lei procurava antes conter a vingança dentro de limites aceitáveis, impedindo que a resposta do ofendido fosse superior à ofensa. Não pretendia guiar o dia a dia do povo, porque aí, a misericórdia devia sempre imperar, mas antes guiar os juízes em tribunal, como lei jurídica. Ora Jesus vai mais longe. Se quisermos destruir o mal, e não apenas contê-lo dentro de limites razoáveis, precisamos de amar até ao fim, como Ele fez sobre a Cruz.

A santidade está, pois, no amor. “Ama o teu próximo como a ti mesmo”, conclui o Levítico. E se, para o povo da Antiga Lei, o “próximo” era o da sua casa e da sua tribo, para Jesus, o “próximo” alarga-se até incluir os inimigos: “Amai os vossos inimigos.” Só o amor faz de nós “templos de Deus”, isto é, presença de Deus na família, no mundo e na Igreja, tal como o Templo de Jerusalém era o sinal de Deus-connosco, de Deus caminhando entre o seu povo.

Isto de a santidade residir no amor é uma loucura aos olhos do mundo, que dá muito mais valor a um sábio do que a um santo. Diz o Papa Francisco: “Com frequência, verifica-se uma perigosa confusão: julgar que, por sabermos algo ou podermos explicá-lo com uma certa lógica, já somos santos, perfeitos, melhores do que a ‘massa ignorante’.” (GE nº 45) Deus troca-nos as voltas, chamando à glória dos altares homens e mulheres que, neste mundo, passaram quase totalmente despercebidos, e dando o título de “doutor da Igreja” a analfabetos, a mulheres, a jovens e a leigos.

“Se alguém entre vós se julga sábio aos olhos do mundo, faça-se louco, para se tornar sábio”, diz Paulo, no mesmo tom provocador e hiperbólico de Jesus. Dou-me conta, com muita tristeza, em texto após texto, em sítios, blogues, comentários e artigos cristãos, a propósito da exortação papal “Querida Amazónia”, que muitos católicos veem a Igreja como uma instituição política. “O papa perdeu uma oportunidade histórica”, “o papa teve medo de…”, etc. Há demasiados católicos que ainda não se tornaram “loucos”, e preferem olhar para a Igreja e o Papa com a sabedoria do mundo, “gloriando-se nos homens”. Gostariam de ter uma Igreja “democrática”, expressam-se em categorias mundanas, como o feminismo ou o marxismo, e até fazem greve às portas das igrejas, como se a doutrina católica pudesse ser alterada por pressão da maioria, ou como se Deus mudasse a sua vontade porque Lho “exigimos”. Mas “a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus”. Quando aprenderemos a confiar no Espírito, que guia a Igreja através dos tempos tal como guiou as Escrituras, educando cada geração com a sua pedagogia divina?

Hora da missa. Venho aqui porque Tu me chamas a ser santo, e eu preciso de aprender com a Tua Cruz, com a Tua entrega total sobre o altar. “Vós sois de Cristo”, diz Paulo. Será que Te pertenço realmente? Ou ainda pertenço ao mundo e à sua vaidade? Ensina-me, Jesus, a ser louco por Teu amor…

One Comment

  1. Olá Teresa, que bela reflexão.
    Quantas vezes me vejo também a embarcar nestes olhares do mundo sobre a Igreja, mas felizmente não por muito tempo porque rapidamente o Senhor me faz ver o quanto estou errado e me ensina a confiar cada vez mais na Sua Divina Providência e sabedoria.
    É essa constância de Deus que traz ordem e sentido às nossas vidas. Deus é o mesmo desde sempre e para sempre. Felizmente que não estamos dependentes das modas e opiniões mais ou menos consensuais da sociedade, mas que tantas vezes mudam ao sabor das conveniências e dos interesses.
    Peço sempre na minha oração para que o Senhor me dê sempre a humildade e preserverança na fé e oração, a fim de que o seu Santo Espírito me continue a guiar pelo caminho certo.
    Obrigado Teresa e que o Senhor permita que nos continue a ajudar no caminho da Santidade.
    Bem-haja!

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