Em Caná da Galileia...


Domingo XII do Tempo Comum, ano C

Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga

SEGUIR O SEU CAMINHO…

A Páscoa já passou, e depois dela, duas grandes solenidades. Regressamos à rotina do tempo comum, à sucessão de domingos simples e tranquilos. Mas não será esta aparente banalidade apenas superficial? Afinal, se fomos batizados em Cristo, somos filhos de Deus, diz-nos Paulo. E isto não é pouca coisa…

Quem dizem as multidões que Eu sou?” Pergunta Jesus aos seus amigos. Eis uma pergunta a que conseguimos responder, terão eles pensado, algo aliviados. De facto, nunca foi difícil, em tempo algum, saber o que os outros pensam de alguém. O boato, a murmuração, o “diz-que diz-se” sempre fizeram parte da história da humanidade. “E vós, quem dizeis que Eu sou?” Pergunta de novo Jesus. Agora, as coisas complicam-se! Porque agora, é preciso olhar para dentro, para o coração, e é sempre arriscado fazê-lo. Isto sim, é difícil.

“És o Messias de Deus”, responde Pedro. Saberia ele o que estava a dizer? Para não gerar falsas expetativas, dado o povo esperar um messias político, Jesus proíbe os Apóstolos de O proclamarem Messias publicamente. É que “o Filho do homem tem de sofrer muito, ser rejeitado, ser morto…” Ser morto? Os Apóstolos não compreendem. Não compreenderão até muito mais tarde, quando o Espírito descer e fizer deles testemunhas fiéis. Nesse dia, estarão prontos a pôr em prática as palavras do Messias: “Se alguém quiser vir comigo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz todos os dias e siga-Me.”

Séculos antes, o profeta Zacarias falara deste tempo da descida do Espírito: “derramarei um espírito de piedade e de súplica”, diz o Senhor. “Ao olhar para Mim, a quem trespassaram, lamentar-se-ão…” Não sei se todos nós já experimentámos esta profecia na nossa vida. Teremos já contemplado o Trespassado com um espírito de piedade e de súplica, lamentando o nosso pecado, que assim O cravou na cruz?

A Irmã Clara Crocket, irlandesa, falecida com fama de santidade em 2016, aos 33 anos, relata de forma semelhante a sua conversão. Tinha dezassete anos, um passado sem religião, uma vida sem regras, fumava, bebia e sonhava em ser estrela de Hollywood. Um dia, por engano, Clara parte numa peregrinação a Espanha (a forma como embarca na viagem errada, contada pela própria Clara, é hilariante). E é em dia de Sexta-feira Santa, ao beijar a cruz (porque todos beijavam, e era suposto ela também o fazer), que Clara se converte. “Eu não sabia, não imaginava que Alguém tinha um dia morrido por mim”, conta ela. “Numa fração de segundos, eu pensei: cada um dos meus pecados cravou Jesus na cruz! E depois, já no meu banco, chorei, chorei, chorei sem parar. Eu matei Deus, pensei, eu matei Deus… E ao mesmo tempo, parecia-me escutar: mas Eu já te perdoei…” (All or Nothing, filme disponível no Youtube, sobre e com Clara Crocket, feito a partir dos inúmeros vídeos reais da sua vida e dos seus testemunhos).

Irmã Clara Crocket

Se ainda não passámos por esta experiência – feita num dia, como Clara, ou feita ao longo de uma vida – não estamos em condições de responder como Pedro, “Tu és o Messias de Deus!” Na verdade, como canta o salmo, só quem se descobre a morrer de sede no deserto, se lança à procura da Fonte: “Senhor, desde a aurora Vos procuro. A minha alma tem sede de Vós. Por Vós suspiro, como terra árida, sequiosa, sem água…”

Supliquemos ao Espírito de piedade e de súplica que nos retire dos olhos o véu e nos permita contemplar o nosso pecado, que trespassou Jesus, e a abundância da sua misericórdia, que nos salvou. Então “haverá grande pranto em Jerusalém”, isto é, na cidade do nosso coração. “Jorrará uma nascente para os habitantes de Jerusalém, a fim de lavar o pecado e a impureza” e, como Clara, dar-nos-emos conta de que fomos perdoados. Estaremos assim prontos para levar a nossa cruz atrás de Jesus, “todos os dias”. Para Clara, estes dias terminaram repentinamente, num terramoto no Equador, enquanto tocava guitarra e cantava com um grupo de crianças pobres, na missão onde trabalhava. Clara perdeu a vida, como Jesus profetiza no Evangelho, para a ganhar eternamente. Na verdade, a fama que ela perseguia, ao querer tornar-se estrela de Hollywood, e que abandonou por Jesus, persegue-a a ela agora, esta fama de santidade que, esperamos, a levará aos altares.

Hora da missa. “Todos vós sois filhos de Deus”, repete-nos Paulo, para que nunca o esqueçamos. A nosso lado, “não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher”. A nosso lado, apenas irmãos, “herdeiros segundo a promessa” de Jesus. Olhemos em volta. Estaremos realmente a tratar cada um destes estranhos ou destes conhecidos, destes amigos ou destes inimigos, como irmão em Cristo? Prontos, como Clara Crocket, a dar a vida a seu lado, renunciando ao nosso conforto e aos nossos sonhos para os servir?

Sobre o altar, o Trespassado entrega-Se por nós. Cada um dos nossos pecados O mantém prisioneiro naquela cruz… Lamentemo-nos e choremos, como profetiza Zacarias! Então, a nascente que brota do seu Sagrado Coração inundará esta igreja, numa alegria sem fim…

2 Comments

  1. A vida da irmã Claire fascinou-me, a sua alegria, mas sobretudo a sua conversão!!
    (Vale a pena ver o video! )

  2. Catarina Silva

    Que linda história de conversão!
    Sou muito sensível a estas histórias de conversão… Fazem-me não perder a esperança de que também possam haver histórias de conversão com as pessoas que fazem parte da minha vida!
    Que alegria seria!

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