Em Caná da Galileia...


Domingo XIII do Tempo Comum, ano A

Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga

ACOLHER É AMAR

Um Deus que nos acolhe sempre, que Se entrega todo à Sua criatura e que recompensa com amor infinito o nosso mais humilde gesto – eis o Senhor que hoje encontramos na Eucaristia!

O profeta Eliseu sabia que podia contar com a hospitalidade de um casal de Sunam, sempre disposto a oferecer-lhe uma boa refeição quando por lá passava. Com o tempo, o casal decidiu até “fazer no terraço um pequeno quarto” para receber o profeta.

Ao longo de toda a Bíblia, o povo escolhido dá especial valor à hospitalidade. Acolher o outro, fazendo-o participante da sua mesa é uma das mais nobres ações entre os judeus. A “distinta senhora” que, nesta leitura, acolhe o profeta Eliseu é, assim, herdeira desta bela tradição. E também a Igreja o é. Foi com a Igreja que nasceram os hospitais, os lares, os albergues. Nestes tempos em que se constroem muros em vez de pontes entre países, impedindo os mais pobres e aflitos de encontrar asilo nos mais fartos e ricos; nestes tempos em que se fecham fronteiras por medo dos vírus dos outros, sejamos nós, cristãos, testemunho fiel e inabalável da hospitalidade a toda a prova, em cada uma das nossas paróquias. Que a distância física a que nos obriga a pandemia não se traduza em distância social ou espiritual!

Mas a hospitalidade, como todas as virtudes, começa em casa. Seremos tão atenciosos com o nosso cônjuge, que chega ao fim de um dia de trabalho e nos encontra cansados, como somos com um amigo que nos bata à porta de surpresa? Prepararemos com o mesmo esmero a refeição familiar quotidiana, como preparamos a refeição festiva com os amigos? Ou deixamos para os de casa apenas as sobras da atenção, do respeito e da simpatia com que cozinhámos o dia lá fora?

É em casa que, como diz o Evangelho, um “pequenino” nos pede de beber “um copo de água fresca” mesmo antes de dormir, quando já fechámos a luz do seu quarto e lhe contámos uma história. E nem sempre somos capazes de ver neste nosso pequenino a imagem e semelhança de Deus! É tão mais fácil perder a paciência e responder com rispidez.

“Obrigado, dá licença, por favor, desculpa”, palavras mágicas que, segundo o Papa Francisco, salvam a família. O confinamento destes três meses fez-nos viver muito mais intensamente uns com os outros. Teremos aprendido a ter, para cada um dos que vivem connosco, um coração hospitaleiro? Como evoluiu a nossa linguagem e delicadeza de trato? Perguntemo-nos a sério sobre isto,  neste dia em que Jesus nos diz que quem se mostrar hospitaleiro “não perderá a sua recompensa”. E a primeira é mesmo a harmonia familiar. Porque como bem entendeu Eliseu, não há recompensa maior do que o dom que cada membro da família representa para o outro. A “distinta senhora” foi, por isso, recompensada com o dom de um filho, e a sua gratidão foi eterna.

Mas não percamos de vista o que significa isto de sermos dom e recompensa uns para os outros. Significa que há Alguém que no-lo oferece, Alguém que Se nos dá no dom que nos faz: “Quem vos recebe, a Mim recebe; e quem Me recebe, recebe Aquele que Me enviou.” Não amemos o dom mais do que o Dador, a criatura mais do que o Criador! “Quem ama o pai ou a mãe, o filho ou a filha mais do que a Mim, não é digno de Mim.”

Pais ou filhos, diante de Deus somos todos irmãos, “nós que fomos batizados em Jesus Cristo”, como diz Paulo. Que libertação para os que sofrem com uma história de vida de abuso ou ressentimentos dolorosos! Saber que, diante de Deus, os seus pais são seus irmãos, pode ajudar a não fazer ninguém refém da sua árvore genealógica. E que libertação para os pais que acham seu dever intrometer-se nas vidas dos filhos adultos! Descobrirem-se irmãos dos seus filhos diante de Deus tornará mais fácil respeitar as suas decisões e aceitar os seus erros.

Seremos, algum dia, chamados a escolher entre a família e Jesus? Penso nos cristãos de países onde a fé cristã é uma afronta à tradição familiar; ou nos cristãos que chamados à vida sacerdotal e religiosa, em famílias onde tais vocações são uma afronta à vaidade familiar. Mas penso também nos cristãos que se opõem à sua família em decisões simples da moral ou da justiça. Não ficarão sem a sua recompensa!

Hora da missa. É nesta hora que aprendo a ser hospitaleiro dentro e fora de casa e a escolher-Te antes de tudo, porque é nesta hora que contemplo o segredo que o torna possível: a Tua Cruz. Só estando disposto a perder a minha vida a posso reencontrar em Ti, como dizes no Evangelho e como S. Paulo repete aos Romanos.

Partilhando o banco da igreja com os meus filhos e o meu marido, descubro-me sua irmã, todos nós Teus filhos queridos. É tão reconfortante saber que os amas mais do que eu alguma vez os poderei amar! E que bem que se está aqui, Senhor, neste albergue onde nos reúnes com estranhos a quem aprendemos a chamar irmãos! Ninguém acolhe como Tu. Ainda que eu venha sem nada para Te dar, já tenho a minha recompensa: Tu todo, abençoado, partido, entregue… “Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor!”

 

 

 

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