Em Caná da Galileia...


Domingo XIII do Tempo Comum ano B

Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga

PARA JESUS NÃO HÁ ANÓNIMOS

Jesus passava no meio da multidão, “que O apertava de todos os lados”. Jesus e a multidão, a multidão e Jesus: uma atração irresistível durante os três anos da sua vida pública. Neste domingo, somos desafiados a fazer parte desta multidão que era capaz de seguir Jesus a qualquer hora do dia ou da noite, a pé, descalça, com fome e sede, deixando tudo para O escutar, para O seguir, para Lhe tocar no manto. Aqui estamos nós, no meio da multidão, na missa dominical. Talvez não estejamos tão apertados, nem precisemos de dar encontrões aos irmãos a nosso lado para conseguirmos ver Jesus. Dentro da igreja, ao contrário da beira-mar onde Jesus pregava, não está frio nem calor, e temos bancos onde nos sentar. Jesus não precisa certamente falar tão alto, porque na igreja há microfone, e talvez por isso mesmo, às vezes damo-nos ao luxo de estar distraídos…

Uma mulher com um fluxo de sangue era, no tempo de Jesus, uma mulher impura. Mas esta mulher era corajosa: desafiando a sua impureza legal, aproximou-se de Jesus e tocou-O por detrás. Cheia de fé, esperava um milagre, um milagre silencioso e discreto. Jesus voltou-Se: “Quem Me tocou?” Como é bonita esta pergunta de Jesus! Para Ele, não há gente anónima. Nunca, em todo o Evangelho, vemos Jesus a curar ou a perdoar a multidão anónima. Para Ele, cada um de nós é único. “O teu filho único”, diz Deus a Abraão no início da Bíblia. “O meu filho único”, diz Deus sobre Jesus. Quem é pai ou mãe de muitos filhos sabe, como eu sei, que somos pais ou mães de muitos filhos únicos. Pois cada um é especial e ocupa todo o nosso coração. Assim também com o Senhor: para Deus, somos todos filhos únicos.

E esta filha única do Senhor foi assim curada do seu fluxo de sangue, diante de toda a multidão. Jesus não quis manter discreto o seu gesto, pois era preciso que esta mulher legalmente impura fosse restaurada aos olhos de todos. Era preciso que lhe fosse reconhecido publicamente o direito a viver feliz.

Aproximamo-nos do sacramento da Confissão como “filhos únicos”, um a um. Exceto em emergência, a Igreja não valida a absolvição geral da multidão, porque Jesus nunca assim agiu. Quantas vezes, como a mulher do Evangelho, precisamos de coragem para nos aproximarmos? Quantas vezes precisamos vencer a vergonha que a nossa impureza nos causa, sobretudo se é uma impureza de anos, conhecida por todos? Mas a alegria da restauração da vida da graça vale qualquer esforço: “No mesmo instante estancou o fluxo de sangue”. É assim também no confessionário: no mesmo instante estanca o pecado de uma vida inteira. “Minha filha, a tua fé te salvou.”

Pior ainda que esta pobre mulher estava a filha de Jairo. Filha única ou não, naquele momento era-o certamente, pois ela ocupava por inteiro o coração de seu pai – e o coração do seu Deus. “Não temas: basta que tenhas fé”, diz-lhe também Jesus. Jairo tinha fé. Se um pai não acredita na salvação do filho, quem acreditará? Quando os nossos filhos precisam do Senhor, o privilégio de lhes levar Jesus cabe-nos precisamente a nós, seus pais. Nunca hesitemos!

E Jesus foi com Jairo a sua casa, onde os parentes e amigos choravam e gritavam. “A menina não morreu, está a dormir”, diz Jesus. De facto, a morte biológica não é verdadeira morte. Morte é outra coisa, como nos diz a primeira leitura de hoje, do Livro da Sabedoria. A verdadeira morte entrou no mundo “pela inveja do demónio”. A verdadeira morte é o pecado, pois só o pecado tem poder para nos separar de Deus, que é a Vida Eterna. Vivemos ainda tempos fortes de paganismo, encarando a morte biológica como o pior dos males, temendo tudo o que possa magoar o nosso corpo. “A menina não morreu, está a dormir”. É o sono tranquilo da nossa morte biológica, que nos levará a despertar na eternidade, conquista da ressurreição do nosso Salvador.

Depois, “pegou-lhe na mão e disse: «Menina, Eu te ordeno: levanta-te.»” Hoje, como ontem, Jesus pega-nos na mão e ordena-nos que nos levantemos. “Levanta-te”, repete-nos o Senhor, como repetiu a tantos homens e mulheres desde o início da História Sagrada, de Abraão a Moisés, de S. José a S. Paulo. A nós, cabe simplesmente obedecer, pois trata-se de uma ordem divina: “Eu te ordeno”. Já nos levantámos? Já nos tornámos a levantar? Vamos levantar-nos de novo, outra e outra vez?

E logo Jesus, carinhoso, mandou dar de comer à menina. É preciso que cada um de nós experimente a responsabilidade de dar de comer aos irmãos. Porque se somos todos filhos únicos, também somos todos irmãos, filhos do mesmo Pai. Assim o diz S. Paulo aos Coríntios, desafiando-os à partilha, para que a ninguém falte o essencial.

Que ninguém morra de fome, diante da mesa farta que o nosso Deus põe para nós, a cada domingo! Levantados do chão, curados do nosso pecado, precisamos de nos abeirar da mesa e comer. Façamo-lo este domingo de novo, enquanto cantamos como o salmista: “Tirastes a minha alma da mansão dos mortos, vivificastes-me para não descer ao túmulo” … Ámen!

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