Em Caná da Galileia...


Domingo XIII do Tempo Comum, ano C

Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicadas no jornal diocesano Correio do Vouga

TODOS TEMOS UMA HISTÓRIA, COMO ELISEU

Domingo, dia do Senhor. Na missa de hoje, seremos de novo convocados a ser discípulos. A seguir o Mestre. A deixar tudo sem olhar para trás.

O Livro dos Reis conta-nos, entre muitas outras, as histórias dos profetas Elias e Eliseu, fascinantes no que têm de determinação, risco, fé, milagres e aventuras. Neste domingo, escutamos como Elias chamou Eliseu, “que andava a lavrar com doze juntas de bois”, para fazer dele profeta. A simplicidade e a retidão de Eliseu são encantadoras. De facto, ao ver-se assim convocado pelo Senhor, no meio do seu trabalho diário, para uma missão especialíssima, Eliseu pediu apenas o tempo necessário para imolar os seus bois e queimar o seu próprio arado. Depois, renunciando a tudo, “levantou-se e seguiu Elias, ficando ao seu serviço”.

Ainda nos lembramos de onde estávamos, quando o Senhor nos chamou? Recordaremos ainda quem “lançou a capa” sobre nós, convocando-nos em nome do Senhor? Terá sido o catequista ou o senhor prior? Terá sido a simplicidade da oração da mãe, passando as contas por entre os dedos, ao serão? Ou a seriedade com que o pai ajoelhava durante a consagração, cabeça entre as mãos? Estaríamos a lavrar a terra, ou a brincar no chão da sala? A dançar ou a trabalhar? A estudar ou a rezar? Todos temos uma história para contar, como Eliseu. Façamos memória dos chamamentos do Senhor na nossa vida, para podermos dar graças!

Eliseu seguiu o Senhor e nunca mais voltou atrás. “Quem tiver lançado as mãos ao arado e olhar para trás não serve para o reino de Deus”, diz Jesus. Hoje, mais do que nunca, precisamos de escutar esta Palavra. Hoje, mais do que nunca, falta-nos a radicalidade da resposta. São ainda muitos os que, no matrimónio, no sacerdócio ou na vida consagrada, não olham para trás, antes se dedicam de alma e coração à missão que a sua vocação lhes ofereceu. Mas são também muitos os que voltam atrás na palavra dada, ou no sacramento recebido. Tal como são muitos os que preferem nem sequer se comprometer, vivendo, por exemplo, a vida de casados sem o sacramento do matrimónio, ou namoriscando vários movimentos da Igreja, experimentando aqui e ali, sem a capacidade de dar um sim definitivo em nenhum deles. “Não serve para o reino de Deus” – palavra de Jesus – quem assim procede.

“Deixa-me ir primeiro sepultar meu pai”, diz alguém a Jesus, ao escutar o chamamento. Esta desculpa, conhecemo-la bem: “deixa-me primeiro aproveitar a vida (seja lá o que isso for)”, “deixa-me primeiro concluir o meu curso”, “deixa-me primeiro criar os meus filhos pequeninos”, “deixa-me primeiro fazer carreira”, “deixa-me primeiro acabar as férias”, e então terei tempo para ir à missa, para trabalhar na paróquia, para servir os irmãos, para me comprometer. S. Paulo chama a esta forma de pensar “carne”, isto é, pensamento humano, que nos mantém prisioneiros do nosso egoísmo, do nosso comodismo, da nossa preguiça.

“Deixa que os mortos sepultem os seus mortos”, responde-nos Jesus, como respondeu então. Palavras duras, de novo. Mortos a sepultar mortos, ou como diria Paulo, prisioneiros da carne, eis o que somos, quando assim adiamos a resposta ao chamamento do Senhor. “Tu, vai anunciar o reino de Deus”, continua Jesus. Porque o desafio não é para depois, é para agora. O desafio não é para quando tivermos tempo, quando as crianças crescerem, quando nos reformarmos. É aqui e agora, nas circunstâncias concretas da nossa vida, “no meio dos tachos e das panelas”, dizia Santa Teresa de Ávila, ou a conduzir doze juntas de bois, como Eliseu, que Jesus nos pede que deixemos tudo, nos levantemos dos nossos sepulcros e O sigamos. E é quando assim nos deixamos conduzir pelo Espírito, explica Paulo, que experimentamos a verdadeira liberdade.

“Aproximando-se os dias de Jesus ser levado deste mundo, Ele tomou a decisão de Se dirigir a Jerusalém”. Quando Eliseu, Paulo e todos os santos decidiram seguir Jesus, tomaram também, consequentemente, “a decisão de se dirigirem a Jerusalém”, à morte de cruz: “Seguir-Te-Ei para onde quer que fores…” Lucas diz-nos que os contemporâneos de Jesus não O receberam nas suas terras. Porque haviam então de nos receber a nós, que O seguimos pelo mesmo caminho? Sentimo-nos tentados, como Tiago e João, a pedir “fogo do céu” para destruir os nossos inimigos. Não entendemos nada… Imitemos antes Eliseu, e peçamos “fogo do céu” para queimar o nosso “arado”, imolar, de vez, a nossa “carne”, a fim de seguirmos o Senhor aonde quer que Ele vá.

Hora da missa. Envia, Senhor, fogo do céu para nos purificar e libertar dos sepulcros onde o mundo nos quer manter prisioneiros! Conduz-nos, pelo teu Espírito, no caminho de Jerusalém! “As raposas têm as suas tocas e as aves do céu os seus ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça”… As palavras ferem. O filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça? Devagarinho, colocamo-nos na fila dos que têm fome. Eis-me aqui, Senhor. O meu coração está pronto. Vem, entra, e faz dele tua morada! Ámen.

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