Em Caná da Galileia...


Domingo XVII do Tempo Comum, ano A

Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga

O TESOURO

Hoje, Jesus continua a falar-nos do Reino dos Céus, com imagens belíssimas. Mas será que o Reino dos Céus suscita em nós este entusiasmo ardente, este desejo de deixar tudo para o alcançar?

“O Reino dos Céus é semelhante a um tesouro escondido num campo.” O Reino dos Céus é, naturalmente, um tesouro. Mas onde está o campo? Porque o tesouro só será nosso se, primeiro, vendermos tudo quanto possuímos para comprar o campo. Reconhecemo-lo? O campo da família, do matrimónio, de cada uma das nossas vocações… Ter-nos-emos dado conta de que comprávamos um campo de valor inestimável, naquele dia sagrado em que prometemos fidelidade até à morte um ao outro, ou em que nos consagrámos inteiros ao Senhor? Seremos capazes de descobrir o tesouro escondido no campo pouco vistoso do nosso cônjuge, daquele filho problemático, da paróquia onde vivemos, do nosso trabalho? Quando o campo do vizinho parece mais bonito que o nosso, a tentação é a de abandonarmos ou deixarmos devassar o único campo que esconde o tesouro que procurávamos: o nosso. Mas tudo o que precisamos é, de mãos calejadas, sem medo ao trabalho, escavar até encontrar… Se já “vendemos tudo”, não voltemos atrás!

No fundo, não há nenhum campo, por mais desprezível que pareça, que não esconda um tesouro, desde que estejamos dispostos a vender tudo por ele. “Nós sabemos que Deus concorre em tudo para o bem daqueles que O amam”, diz S. Paulo. “Em tudo”… Nenhuma circunstância da nossa vida está fora do alcance deste “tudo”, como S. Paulo explicará no próximo domingo: nem a morte, nem a vida, nem o sofrimento, nem a desilusão, nem o fracasso, nem uma vocação falhada, nem sequer o pecado passado, que ainda nos fere, mas que já foi sobejamente perdoado e redimido. Tudo, absolutamente tudo na nossa vida concorre para o nosso bem, se – e este “se” é a resposta livre que nos é pedida – de facto amamos a Deus e estamos dispostos a “comprar” – vendendo tudo – o campo que Ele nos quiser oferecer.

Talvez por isso mesmo, Jesus tenha contado a parábola da pérola. Apenas mais uma comparação? A Palavra de Deus é minuciosa. As pérolas não são um tesouro qualquer: as pérolas formam-se nas ostras que se deixam ferir. Quando um pequeno grão de areia penetra a casca e a fere, a ostra reage produzindo camadas e mais camadas daquilo que virá a ser uma pérola, cicatrizando, assim, a ferida. Seremos capazes de fazer o mesmo? Quando a dor nos atinge, seremos capazes de a envolver em camadas sucessivas de amor, perdão, paciência, misericórdia? Assim fez Jesus na Cruz, e das Suas feridas, jorrou a nossa salvação. Façamo-lo nós também, chamados a ser conformes à imagem de Jesus, como nos diz S. Paulo. E um dia, todas as nossas feridas serão transformadas em pérolas preciosas – “pois àqueles que justificou, também os glorificou”. Nesse dia, teremos encontrado o Reino dos Céus.

Descobrir tesouros nos campos que habitamos, permitir que se formem pérolas a partir de cada uma das nossas feridas, eis a verdadeira sabedoria do coração, que Salomão pediu a Deus como o maior dos dons. Na verdade, de que nos serve a riqueza, a longa vida, o sucesso, a glória, se não tivermos essa inteligência divina – a inteligência dos simples, diz o salmista – que nos habilita a descobrir o Reino, lá onde ele se esconde?

“Entendestes tudo isto?” Pergunta Jesus aos discípulos. “Entendemos”, respondem. Naquele momento, entenderam com a cabeça. Mais tarde, entenderão com o coração. Por causa do Reino dos Céus, todos eles irão, de facto, vender tudo, escavar a terra do seu campo com as mãos, transformar perseguições, dores e trabalhos em pérolas e, por fim, entregar a própria vida. E como valeu a pena!

“Por isso, todo o escriba instruído sobre o reino dos Céus é semelhante a um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e coisas velhas”. Todos somos chamados à paternidade ou maternidade, se não biológica, certamente espiritual. Quando, ao fim do dia, reúno a minha família para rezar, lembro-me muitas vezes deste versículo do Evangelho. É preciso que os pais distribuam o tesouro das Escrituras pelos filhos, que não os privem das Palavras Novas e Velhas, do Antigo e do Novo Testamentos. E é preciso que estejam dispostos a vasculhar o tesouro da Tradição da Igreja, construindo a novidade da sua cultura familiar sobre os alicerces antigos: os sacramentos, o Terço, as vidas dos santos… Equipemos os filhos ou os que nos são confiados espiritualmente, para que também eles descubram o verdadeiro Tesouro e rezem, como o salmista: “A minha herança é cumprir as vossas palavras.”

Hora da missa. Poucos sabem, Senhor, que nesta hora nos é dado realmente vislumbrar, tocar, penetrar no Reino dos Céus! Tu, único Tesouro que vale a pena procurar, Tu, única Pérola que vale a pena encontrar, Tu dás-Te todo de graça sobre este altar, e tão poucos capazes de Te receber! Dá-nos, Senhor, um coração verdadeiramente sábio, para que nem nos passe pela cabeça hesitar na hora de deixar tudo e vir aqui. Ámen!

5 Comments

  1. Ontem esse foi tema de conversa aqui em casa: porque é que, quando lemos a história de um santo, ficamos com a sensação de que naquele tempo era bem mais fácil, aquele lugar era bem mais propício, aquela sociedade ajudava mais…? Uma falsa ilusão! Porque na realidade as dificuldades existiram sempre em todos os tempos e lugares. O que parece que faz a diferença é o desejo grande e profundo do Céu. Não nos sentimos chamados à santidade hoje porque não desejamos o Céu. Para quê ter hoje esse trabalho todo de vender tudo e escavar para encontrar o grande tesouro??! Basta-nos o que o mundo nos oferece (e até somos menos criticados!) e depois ler uns livros bonitos de Santos no máximo…! Já não recebemos da nossa família essa herança…os nossos pais não nos ensinaram a Palavra de Deus mas antes as palavras do mundo: sucesso, carreira, dinheiro. Agora resta-nos dar saltos grandes de maturidade para reconhecer a verdadeira alegria, deseja-la e vender tudo para a possuir!
    Que bom poder dar esses saltos junto a outras famílias que também já deram, estão a dar e/ou desejam dar…e descobrir juntos como se encontra um tesouro num campo às vezes demasiado grande e dificil. E mais do que isso, que bom fazer tudo isso com o desejo de Céu, o desejo de viver a alegria das Bodas! Ainda bem que Deus sonhou as Famílias de Cana! 🙂

  2. ANA MARIA JORGE RIBEIRO ALVES

    Li com redobrado interesse.

  3. Lindíssima reflexão, Teresa! Muito obrigada!

  4. Boa Noite Teresa, espero que esteja tudo bem consigo e com a sua família. Digo isto uma vez que já há alguns dias que não publica. beijinho de leitora assídua.

    • Bom dia, Maria! Escrevi um post, anterior a este, em que explico a razão! Obrigada pelo carinho! Bj

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