Em Caná da Galileia...


Domingo XVIII do Tempo Comum, ano A

Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga

Nota: esta reflexão “irá de férias” e regressará no dia 28 de agosto

TEREMOS NÓS VERDADEIRA SEDE?

“Abris, Senhor, as Vossas mãos e saciais a nossa fome”, cantamos no salmo responsorial. O banquete está pronto. Celebremos a Eucaristia!

O povo de Deus estava exilado na Babilónia. Uma segunda geração nascera e crescera em terra estrangeira, e aí estabelecera morada confortável. Como é fácil acomodarmo-nos! Sem guerras, fome ou perigo, o povo ambientara-se e não tinha desejo sincero de regressar a Jerusalém.

Cheio do Espírito, Isaías desafiou o povo a abandonar as seguranças e a partir para Casa, ainda que fosse arriscado. “Todos vós que tendes sede, vinde à nascente das águas.” Teremos nós verdadeira sede? Durante a pandemia, contou-me um sacerdote amigo que uma das situações mais dolorosas para ele foi oferecer a algumas pessoas a oportunidade de comungar fora da missa, com a devida segurança sanitária, e obter por resposta um educado “pode ser”. “Pode ser”? Talvez muitos cristãos, sem necessidade real, estejam agora acomodados à “missa online”, como o povo de Deus ao exílio, e se sintam desculpados por não terem ainda regressado à Eucaristia, lá onde “se compra”, “sem dinheiro e sem despesa, vinho e leite.” Mas não se trata de estarmos ou não justificados. Trata-se de sede. E quem tem sede autêntica, arrisca a vida por um copo de água.

“Porque gastais o vosso dinheiro naquilo que não alimenta e o vosso trabalho naquilo que não sacia?” Pergunta o Senhor ao povo exilado. Também nós gastamos o nosso “dinheiro” – e as nossas energias – construindo uma vida bem-sucedida no exílio, segundo as regras do mundo. E preguiçamos na hora de nos levantarmos para regressar a Casa.

Reconstruindo…

Para nos fazer experimentar verdadeira fome e sede, o Senhor conduz-nos ao deserto, onde a vida é arriscada. Assim fez com os hebreus do Egito, assim fez nos nossos dias, ao permitir a pandemia, e assim fez no Evangelho de hoje, ao retirar-Se “num barco para um local deserto e afastado”, sabendo que o povo O seguiria.

No “deserto” da praia…

“Ao cair da tarde”, os discípulos queriam mandar embora o povo, conscientes de que a falta de alimento se transformaria em graves problemas de saúde e relacionamento. Mas Jesus tinha uma ideia diferente: “Dai-lhes vós de comer.” Assim nos diz a nós também hoje, quando Lhe pedimos que intervenha e resolva, com um golpe divino, os problemas do mundo. Mas acima de tudo, é assim que o Senhor diz a cada sacerdote: “Dá-lhes de comer. Não deixes que o meu povo passe fome. Não permitas, por razão alguma, que o privem de Mim, porque desfalecerão pelo caminho.”

Há hoje uma tentativa herege de reduzir o milagre de Jesus a um milagre de solidariedade e de partilha, “divisão” em vez de “multiplicação”. Não nos deixemos confundir, pois a Palavra não dá lugar a dúvidas: “Não temos aqui senão cinco pães e dois peixes.” O milagre que o povo presenciou foi realmente um milagre de multiplicação, extraordinário, inesquecível, que certamente provocou exclamações emotivas e lágrimas de alegria e fé.

Contam os biógrafos de São João Bosco que, durante uma missa onde participavam várias centenas de jovens, um erro do sacristão fez com que o santo consagrasse uma âmbula com pouquíssimas hóstias. Quando chegou o momento da Comunhão, D. Bosco dirigiu-se ao sacrário, convicto de aí encontrar outra âmbula cheia, mas também ela estava praticamente vazia. De coração apertado, D. Bosco começou a distribuir a Comunhão. E perante o olhar atónito do seu jovem ajudante, que segurava a patena, todos os jovens comungaram, pois a âmbula não se esvaziava. Mais tarde, quando este jovem, já sacerdote salesiano, repetiu a história aos companheiros, D. Bosco confirmou: “Sim, vi que eram poucas partículas na âmbula e, não obstante, pude dar a Comunhão a todos aqueles que se apresentaram à sagrada mesa. E não eram poucos. Estava comovido, mas tranquilo. Pensava: é um milagre maior o da consagração do que o da multiplicação…” O Evangelho reescreve-se na vida dos santos e, se estivermos atentos, também na nossa.

Preanunciando o mistério eucarístico, Jesus “ergueu os olhos ao céu e recitou a bênção.” Mas não foi Ele quem distribuiu o pão pelo povo: foram os discípulos, futuros sacerdotes. Que dignidade, a do sacerdote! Nunca nos esqueçamos de pedir e agradecer a Deus pelos sacerdotes que nos dá.

“Todos comeram e ficaram saciados”, diz o Evangelho, repetindo o que Isaías profetizara. E depois, antecipando o magnífico dom do sacrário, conclui: “Dos pedaços que sobraram, encheram doze cestos.”

Hora da missa. Vimos cheios de fome e sede, mas temos “os olhos postos em Vós”. Por uma breve hora, teremos chegado a Casa… Trazemos-Vos tudo o que temos e somos, e sabemos que é pouquíssimo. Contudo, em Vossas mãos, transbordará. Pois Vós “abris as Vossas mãos e todos saciais generosamente.” Quem poderá separar-nos do Teu amor? Não permitas que a morte ou a vida, a pandemia ou o medo, o conforto ou a segurança, a doença ou o perigo nos separem de Ti! O milagre da multiplicação, que hoje escutamos, é grande, sim. Mas o da consagração é, realmente, ainda maior…

 

8 Comments

  1. ANA MARIA JORGE RIBEIRO ALVES

    Li com interesse redobrado. Tomamos tudo como garantido, também eu tomava como garantida a leitura dos textos da Teresa. Agora cada texto seu é ainda mais precioso. Para quando o próximo livro?
    Boa semana para todas as Famílias

    • Estou na revisão final 🙂 Agora que deixei de escrever o blog, tenho finalmente tempo para concluir o livro, se Deus quiser antes de ir de férias! Depois é esperar que o queiram publicar, claro 😉 Bj!

  2. Obrigada por este texto e pelo ensinamento mensal – em especial por este último, aliás! Teresa, o ensinamento mensal vai continuar disponível, ou passará a ser exclusivo das Famílias de Caná?

    • Disponível, claro! Disse isso no outro artigo. O ensinamento pode e deve ser partilhado o mais possível, pelas paróquias e amigos. É para todos! Tudo ficará na mesma, com exceção do blogue. Na mesma, não, melhor, espero! 🙂

      • A que blogue te referes? A uma parte do site “Famílias de Caná”, a que se chama “Em Caná da Galileia?” A palavra “blogue” faz pensar noutro endereço a colocar no browser, por isso fiz confusão, acho eu.

        • O blogue é Em Caná da Galileia, onde relatava as nossas vivências enquanto Família de Caná, na primeira pessoa. É só esta parte do site que irá encerrar. Bjs!

          • Pilar Pereira

            Eu inicialmente tinha ficado com essa ideia, mas depois “perdi-me”. Obrigada pelo esclarecimento! Beijos e boas férias!

  3. Isto assim não é a mesma coisa. Sinto-me triste, um bocadinho órfã até..enfim, desamparada. Lamento a vossa decisão. Perdoem-me.
    Beijo

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