Em Caná da Galileia...


Domingo XXIX do Tempo Comum, ano C

Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga

QUAL O SEGREDO?

Num destes dias, recebi um sms com um pedido de oração: “O meu primo está à espera de um transplante pulmonar urgente. Está à espera de que alguém saudável morra para ele viver. O que se pode pedir nesta hora, que morra alguém jovem e saudável, para outro viver? É desesperante. Já nem rezar sei…” Lembrei-me deste sms ao ler a leitura do Livro do Êxodo deste domingo. Trata-se de mais um episódio nas lutas sangrentas entre amalecitas e judeus, que terminam geralmente com aquela frase terrível: “e desbarataram o povo ao fio da espada.” Nesta luta em particular, Moisés colocou-se no cimo da colina em oração contínua, e Deus fez depender da força desta oração a vitória ou a derrota do seu povo. Será Deus mais amigo dos judeus que dos amalecitas? Para defender os judeus, será Deus capaz de fazer “passar ao fio da espada” um povo inteiro? Como dizia a minha amiga, será justo pedir a morte de uns para que outros vivam?

Falando de oração, também no Evangelho Jesus parece dar a entender que Deus nos dará tudo aquilo que Lhe pedirmos. E sendo assim, é preciso cuidado com os nossos pedidos, ou não? Porque se eu preciso de sol para o meu passeio, o meu vizinho pode precisar de chuva para as suas sementeiras… De que lado estará Deus?

Todas estas questões perdem o interesse quando, um dia, decidimos entrar numa igreja silenciosa e começamos a rezar. E dissipam-se de vez quando depois, já fora da igreja, nos apercebemos de que continuamos em diálogo interior, pedindo, agradecendo, narrando, escutando.

Pouco a pouco, apaixonamo-nos. Deus torna-Se Companheiro de jornada, vivendo connosco cada momento do nosso dia. Mergulhados nesta oração contínua, deixamos de pensar “eu” para pensar “nós” – “Nós, Jesus, Tu e eu”. Quem reza, nunca está só. “Não dormirá Aquele que te guarda. (…) O Senhor é quem te guarda, o Senhor está a teu lado. Ele é o teu abrigo”, diz o salmo deste domingo. E conclui: “Ele te protege quando vais e quando vens, agora e para sempre.”

A oração concreta, sincera que aprendemos pouco a pouco a fazer não traz Deus para o nosso lado contra nada nem ninguém, mas lança-nos a nós para o lado de Deus. Devagarinho, deixamos de nos centrar nas vitórias ou nos fracassos, nas conquistas ou nas derrotas, nossas ou daqueles por quem rezamos. E centramo-nos antes em nunca deixarmos de estar “do lado” de Deus. Se vencem ou são derrotados os “amalecitas” que nos atacam – sejam eles pessoas, doenças ou problemas –, não é realmente importante. Importante é que os nossos braços se mantenham levantados. Se nos fazem ou não justiça os “juízes” da nossa vida, não é realmente importante. Importante é que o Senhor, ao voltar, “encontre fé sobre a Terra” – e dentro de nós.

Tenho muito receio das pregações e dos testemunhos que se baseiam em milagres, sugerindo que uma fé forte tudo alcança. Prefiro o testemunho humilde e sofrido das vidas que se deixaram transformar e encher de Deus sem nunca terem visto acontecer o milagre por que rezaram. Santa Zélia Martin, mãe de Santa Teresinha, morreu em sofrimento atroz de cancro da mama, mesmo tendo um marido santo e cinco filhas santas a rezar por ela, mesmo tendo mergulhado nas águas geladas de Lurdes a implorar a sua cura. Onde está o milagre? A cura do cancro seria sempre muito pouco, comparada com o grande milagre da sua santidade. Deus atendeu a sua oração, sim, mas a medida de Deus é uma medida divina… Cheia de Deus, ela vive agora a vitória dos eleitos, bem segura sobre a montanha santa do Senhor, que lhes fez justiça eterna, para lá de todos os seus mais belos sonhos.

Qual o segredo de uma vida de oração? Primeiro é preciso alicerçá-la sobre a doutrina, compilada no Catecismo e atualizada por cada Papa: “Permanece firme no que aprendeste e aceitaste como certo,” diz Paulo a Timóteo. Quantas heresias, hoje como então, impedindo-nos de conhecer o verdadeiro Deus!

Depois, e à luz da doutrina, é preciso ler as Escrituras, deixando-nos “ensinar, persuadir, corrigir e formar” por elas, pois só assim nos apaixonaremos. Timóteo, diz Paulo, conhecia as Escrituras desde a infância. Mas hoje, as crianças entram na catequese sem conhecer uma única parábola de Jesus – e muitas saem, doze anos depois, praticamente no mesmo ponto… Estaremos a oferecer, nas nossas casas, a Palavra aos mais novos, insistindo “a propósito e fora de propósito”? Ou permitimos que cresçam ao som da palavra do mundo, esse sim, insistindo “a propósito e fora de propósito”? Meditando as Escrituras, aprenderemos a reconhecer a voz de Deus, quando Ele quiser responder às nossas orações.

Hora da missa. Do campo de batalha que é a vida, “levanto os meus olhos para os montes”, para o monte santo do Calvário, e contemplo-Te crucificado, de “mãos levantadas” como Moisés – mas bem mais doridas…  E assim permaneces, derrotado, porém vitorioso, crucificado, porém ressuscitado, em cada Eucaristia. Que poderei eu desejar senão unir-me a Ti eternamente? É só essa a ânsia me faz clamar por Ti dia e noite…

5 Comments

  1. Susana Machado

    Quanto me confortam ler as suas Reflexões, Teresa…

    Simplesmente OBRIGADA.

    Susana

  2. Querida Teresa muito obrigada❤️
    Simplificando será”faça se em mim segundo a Tua vontade” e confiar que o que daí vier é o melhor para nós e para todos.
    Desde há uns tempos para cá que por vezes digo para que se faça em mim segundo a Sua vontade mas nem sempre é fácil dize lo plenamente pelo medo que se apodera do que daí poderá advir…no entanto mesmo que não o diga tudo o que tiver de ser será, só eu não estarei pronta para receber… Pequenos devaneios de quem acha que controla alguma coisa. Muito obrigada outra vez Teresa por este espaço de reflexão e partilha❤️

  3. Pilar Pereira

    Uma vez, já há muitos anos, ouvi um diálogo entre dois homens, do qual conto uma pequenina parte:
    H1: Quando era pequeno, um raio entrou pela casa adentro e acertou mesmo ao fundo da cama onde eu e os meus irmãos dormíamos. Aí, vi que Deus me amava.
    H2: E se o raio vos tivesse acertado, Deus já não te/vos amava?

    Nunca mais me esqueci deste diálogo, porque me ajudou a ver que Deus me ama em todas as situações, fáceis e alegres, ou difíceis e tristes.

  4. Licínia Maria

    Só sei repetir o mesmo comentário da Susana Machado:
    “quanto me confortam ler as tuas reflexões, Teresa…

    Simplesmente OBRIGADA.”

  5. Este é daqueles posts para ler e reler. Devagar. Muitas vezes. Obrigada!

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