Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga
O SIM E O NÃO
O que significa dizer “sim” a Deus? Hoje, a Palavra irá centrar-nos na honestidade das nossas palavras e atos, que tantas vezes estão em contradição. Lembrai-Vos, Senhor, da vossa misericórdia!
O profeta Ezequiel fala ao povo de Deus no tempo do exílio babilónico. E hoje, fala-nos em plena pandemia e em plena crise. “A maneira de proceder do Senhor não é justa”, dizia o povo, dizemos nós. Quem nunca se zangou com Deus? Quem nunca amuou, como uma criança pequena, perante o sofrimento “imerecido”?
Como sempre, a resposta do Senhor é surpreendente: a justiça ou injustiça da ação divina nada tem a ver com a sequência de acontecimentos da vida, sejam eles aparentemente bons ou maus. Nem sempre nos é feita justiça nesta vida, e todos nós sofremos as consequências do pecado original. A justiça de Deus manifesta-se antes na oportunidade que, a cada momento, nos é dada de escolhermos o bem em vez do mal – porque é isso o que, à luz da eternidade, realmente importa.
Na verdade, para Ele, cada um de nós é apenas presente, tendo não mais do que o dia de hoje – e cada momento concreto – para amar ou para odiar: “Filho, vai hoje trabalhar na vinha.” E a grande maravilha é que, ao contrário do que o mundo diz, ninguém é refém da sua história, ninguém vive sem que lhe sejam dadas oportunidades de conversão: “quando o pecador se afastar do mal que tiver praticado, praticar o direito e a justiça, salvará a sua vida.” Por isso, o Senhor pergunta: “Não será antes o vosso modo de proceder que é injusto?” Aprendamos, nós que tão facilmente rotulamos os outros, que dificilmente aceitamos de volta uma amizade traída, que raramente oferecemos emprego a um ex-recluso! Recebamos o outro no seu “hoje”, como Deus nos recebe a nós, e também nós seremos justos.
Deus é tão bom, que aceita o nosso pedido de perdão, no confessionário, ainda que o façamos por medo, por interesse ou por qualquer outro motivo menos nobre. Teremos depois oportunidade, no tempo ou no Purgatório, para purificar as nossas intenções e corrigir os estragos causados, restaurando a “veste nupcial”. Mas a bondade de Deus vai mais longe: se o meu arrependimento for realmente sincero, profundo, regado com as lágrimas da dor sentida de ter magoado o Senhor (a Igreja chama-lhe contrição perfeita), nada mais é preciso para expiar a minha culpa. O Bom Ladrão, crucificado com Jesus, viu assim abertas as portas do Céu num único instante de conversão. É, de facto, excessiva aos nossos olhos, esta justiça divina, toda ela banhada em misericórdia!
No entanto, o oposto também pode acontecer: “Quando o justo se afastar da justiça, praticar o mal e vier a morrer, morrerá por causa do mal cometido.” No Evangelho, Jesus explica-nos que nenhum “sim” é dado de uma vez por todas, antes precisa de ser repetido a cada nova oportunidade de escolha entre o bem e o mal. Penso nos muitos “sins” que os cristãos dão ao Pai, em Igreja, e que não são mais do que boa educação: “Vós que seguis o caminho do Matrimónio, estais decididos a amar-vos e a respeitar-vos, ao longo de toda a vossa vida?” “Sim, estou.” “Estais dispostos a receber amorosamente os filhos como dom de Deus e a educá-los segundo a lei de Cristo e da Sua Igreja?” “Sim, estou”. Quantos dos “sins” dados na receção de cada um dos sacramentos serão sinceros?
Há ainda outros “sins” menos formais: o “sim” a uma vida moralmente correta, mas que é “não” quando está em causa a “ternura e misericórdia”, como diz S. Paulo; o “sim” ao trabalho na paróquia ou no movimento, mas que é um “não” ao trabalho, menos visível e menos atraente, na família; o “sim” a todas as tradições e regras, mas o “não” ao testemunho concreto de fé junto dos irmãos; o “sim” feito “por rivalidade e por vanglória”, volta a dizer S. Paulo, que Deus terá de ler como um “não”…
Na carta aos Filipenses, S. Paulo explica o que é, na prática, dizer “sim” a Deus: significa acima de tudo imitar Jesus, o Filho que nunca disse “não”: “Tende entre vós os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus.” Como se faz isso? “Ele, que era de condição divina (…) aniquilou-Se a Si próprio (…), obedecendo até à morte, e morte de cruz.” Queremos concretizar? Fiquemos com este desafio, talvez uns dos maiores da vida: “Considerai os outros superiores a vós mesmos.” Sim, todos os outros, os bons e os maus. Sirvamo-los e amemo-los como Deus faz, e o nosso “sim” será do agrado do Pai.
Hora da missa. Estremeço de emoção ante a perspetiva do que se vai desenrolar aqui, sobre este altar, diante dos meus olhos interiores: Tu, que és de condição divina, não Te fazes valer da Tua igualdade com Deus, mas vais aniquilar-Te a Ti próprio, humilhando-Te e obedecendo até à morte, e morte de cruz! Por isso ajoelho, Jesus, junto dos meus irmãos de fé, no meio de uma multidão de anjos e de santos… Como não hei de dizer “sim” ao amor excessivo e absurdo que me tens? Ah, Jesus, “não recordeis as minhas faltas e os pecados da minha juventude”! Hoje mesmo vou trabalhar para a Tua vinha…
Mais uma vez, estava a precisar destas tuas palavras!!!
Obrigado
Obrigada por mais esta excelente reflexão!
Li, como sempre, com interesse e expetativa.