Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga
TODAS AS OPERAÇÕES ENVOLVEM SOFRIMENTO
Neste domingo, contemplemos a maravilha e o mistério do sacramento do matrimónio, santificador da união entre homem e mulher e berço de vida, essas crianças que Jesus abraçará no Evangelho.
O relato do Génesis sobre a origem da mulher é pitoresco, colorido e ternurento; mas sobretudo, é de uma profundidade como só um escritor inspirado por Deus pode alcançar. A mulher, diz-nos a parábola, foi criada durante o sono do homem, “um sono profundo”. É por isso que ela será para sempre um mistério, que o amor apaixonado irá sondar, mas nunca dominar. A mulher, diz-nos ainda a parábola, foi retirada do lado do homem, bem junto do coração. Ela é “osso dos meus ossos e carne da minha carne”, isto é, feita da mesma poeira e do mesmo sopro, com o mesmo valor e a mesma dignidade.
Mas há em tudo isto um pormenor cujo significado só centenas de anos depois entendemos: Adão adormecido, de lado aberto, é a primeira imagem bíblica de Jesus morto na cruz, com o Coração trespassado de onde jorra Sangue e Água, a Igreja (cf. Jo 19, 34). Adão e Eva, Jesus e a Igreja: eis a dignidade infinita do sacramento do matrimónio, tornado também ele, sacramento de salvação. Assim o explica o Papa Francisco em A Alegria do Amor: “Cada matrimónio é uma história de salvação” (nº 221)
As operações envolvem sempre sofrimento. Quando Deus tirou Eva do lado de Adão, tratou-se de uma operação delicada. E quando Jesus foi trespassado no Coração, abriu-se uma ferida que jamais cicatrizou, como nos diz o relato da aparição a Tomé (cf. Jo 20, 27). Na Carta aos Hebreus, Segunda Leitura deste domingo, o Senhor diz-nos que o verdadeiro amor se prova no sofrimento, e por isso, para nos salvar, “era necessário que (Jesus) experimentasse a morte em proveito de todos.” Assim terá de acontecer também no matrimónio, sinal deste amor até ao fim de Jesus pela Igreja: é preciso que cada esposo esteja pronto a dar a vida pelo outro, a deixar-se ferir de amor, essa lança que trespassa o coração e o faz deitar cá para fora o que de melhor ele tem para dar.
A parábola do Génesis termina com uma afirmação surpreendente: “Por isso, o homem deixará pai e mãe, para se unir à sua esposa, e os dois serão uma só carne.” Não estará o autor bíblico a levar longe demais a união entre esposos, afirmando que a sua relação deverá suplantar a relação instintiva, biológica, que liga pais e filhos? No mundo em que vivemos, nenhum legislador nem ninguém no seu perfeito juízo defenderia tal coisa. Aliás, as leis das sociedades modernas – como a lei de Moisés – protegem a relação entre pais e filhos, mas preveem o divórcio. Hoje considera-se que um homem não pode abandonar os filhos, porque isso é contra a natureza, mas pode trair a mulher, com quem tem apenas uma relação contratual. E agora vem-nos o Génesis, ali nas primeiríssimas páginas da Bíblia, dizer-nos que a relação entre homem e mulher faz dos dois uma só carne, ou seja, une-os como numa relação biológica!
A dificuldade – hoje e no tempo de Jesus – em entender o vínculo matrimonial deve-se, diz o Evangelho, à dureza do nosso coração. Um coração perturbado pelo pecado não consegue ver com clareza o que para um coração puro é óbvio: “Deste modo, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, não separe o homem o que Deus uniu.”
O sacramento do matrimónio não se perde nos inícios da história familiar, antes informa toda a vida da família que aí nasce, como uma fonte sempre a jorrar. Assim canta o salmo: “De Sião o Senhor te abençoe: vejas a prosperidade de Jerusalém todos os dias da tua vida!” É esta graça sempre a jorrar que confere ao matrimónio fecundidade, não apenas, nem sempre, biologicamente, mas de muitas outras formas.
Os filhos são, claramente, os frutos mais desejados desta árvore que nasce no dia do matrimónio. Quando a natureza não os permite, o sofrimento do casal é imenso, e as bênçãos deste belíssimo salmo quase soam a ofensa. É nessa altura que é preciso lembrar as tais feridas de amor no lado aberto de Jesus e de Adão, desafiando-nos a transformar a ferida dolorosa da infertilidade numa ferida gloriosa.
Para outros casais modernos, porém, as crianças são um estorvo. Estes casais precisam de escutar a indignação de Jesus perante a atitude dos discípulos, que afastavam d’Ele as crianças: “Deixai vir a Mim as criancinhas!” Há três semanas que o Evangelho insiste para acolhermos os pequeninos. Teremos nós a porta da nossa família aberta a mais uma criança, se Deus nos quiser conceder tal bênção?
Hora da missa. Tenhamos pressa neste encontro amoroso entre Jesus e a sua Igreja, entre Jesus e cada um de nós, como dois esposos que se amam. Estejamos atentos: ali, sobre o altar, Jesus deixará trespassar o seu Coração, e o Sangue e a Água que dele brotarem irão inundar de graça a nossa vida e a nossa família. No momento da comunhão, seremos finalmente “uma só carne” com Jesus… Possa este amor maior transformar também as nossas histórias familiares em histórias de salvação! Ámen.
Acabados de sair da missa e que sentimento trago de nem sei o quê… Qualquer coisa entre o desânimo e o escândalo. Que medo, incapacidade, falta de entusiasmo, ou apenas falta de foco na imensa beleza e mistério deste sacramento, o matrimónio. O evangelho é tão, tão claro e todo o encadeamento da liturgia tão belo…E assim as ovelhas vão sendo levadas adiante sem a interpelação à profunda alegria do amor!
Obrigada, Teresa, pelo teu serviço.