Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga
O GRITO DE HABACUC É O NOSSO GRITO
“Até quando?” É o grito de toda a humanidade, desde tempos imemoriais. Até quando, Senhor, suportareis a maldade dos homens? Até quando, a opressão dos pobres, a violência contra crianças, a guerra, a fome, as injustiças? O grito angustiante pode tornar-se mais pessoal e preencher a nossa oração em determinados momentos da vida: até quando terei de suportar a traição, ou as manias, ou as indelicadezas do meu marido ou da minha esposa, dos meus pais ou dos meus filhos? Até quando terei de suportar a discriminação? Até quando terei de suportar a calúnia e a inimizade de alguns? Até quando terei de rezar sem obter o que peço?
O grito do profeta Habacuc é o nosso grito. E eis a primeira boa notícia deste domingo: não há qualquer problema em rezar assim! Se os profetas têm licença para desabafar assim com Deus, nós também temos. Aliás, é para Deus – e excecionalmente, para um punhado de pessoas mais próximas – que devemos guardar as nossas lágrimas. Não é próprio de um cristão lamuriar-se diante dos homens, pois o cristão conhece a resposta permanente de Deus a este seu legítimo desabafo: “O justo viverá pela sua fidelidade.” Não importa o quanto sofremos, se formos fiéis a Deus, triunfaremos. A virtude teologal da esperança foi-nos infundida no dia do nosso batismo!
Assim escreve também a Timóteo um Paulo aparentemente derrotado, prisioneiro, próximo da morte sem, contudo, ter visto chegar o Ressuscitado, que esperava a qualquer momento. O seu grito “até quando” já foi aqui suavizado, porque Paulo sabe, com a certeza da fé, que a única coisa que importa é a fidelidade a Deus, vivida como fidelidade à doutrina recebida: “Guarda a boa doutrina que te foi confiada”.
O fracasso ou o sucesso da nossa vida não está, pois, dependente das atitudes dos outros, mas das nossas; dos problemas que os outros nos causam, mas da forma como respondemos. Fui caluniado? Não caluniarei. Fui traído? Não trairei. Fui ferido? Não ferirei. Fui roubado? Não roubarei.
Mas eu tenho o direito de… Que direito? O Evangelho magoa pela sua dureza: somos servos inúteis, fizemos apenas o que tínhamos de fazer. Se a uns, é pedida uma tarefa agradável, a outros é pedida uma tarefa desagradável, mas em ambos os casos, ao servo é pedida fidelidade, sem “mas” nem “porquê”.
Gostaríamos de poder suavizar tudo isto. Eu sinto vontade de escrever palavras bonitas e adocicadas, para mim e para vós. Mas depois, pego por exemplo na Autobiografia de Santa Margarida Maria, vidente do Sagrado Coração, e leio: “O meu soberano Senhor tinha-se apoderado da minha vontade, e nem uma queixa, nem um desabafo ou ressentimento consentia Ele em mim contra aquelas pessoas (que tanto mal me faziam), nem que eu permitisse que outros me lastimassem ou tivessem compaixão de mim. Antes, dizia-me o Senhor que eram disposições suas…” (nº9)
Até quando? Num destes dias, fazia eu uma pesquisa sobre o Beato Carlos, último imperador da Áustria, quando me deparei com um conjunto de textos de historiadores que punham em causa a decisão da Igreja Católica. Diziam eles que o imperador tinha sido um derrotado e um político medíocre, incapaz de alcançar a paz no império, assistindo impotente ao seu colapso, que culminou na Primeira Guerra Mundial. Carlos veio depois a morrer de pneumonia no exílio na Madeira, deixando sete filhos e a esposa grávida do oitavo. Poderá haver maior derrota? A que propósito, um processo de canonização? Acontece que os santos não são heróis, mas homens e mulheres que souberam ser fiéis ao Crucificado, amando, como Ele, até ao fim. “Embora esta visão só se realize na devida altura, ela há de cumprir-se com certeza e não falhará”, diz o Senhor a Habacuc. Para alguns, como para Carlos da Áustria, a visão só se cumprirá na eternidade.
Perante tudo isto, somos levados a rezar, como os Apóstolos: “Aumenta a nossa fé!” Mas o Senhor diz-nos que não precisamos de ser excecionais para sermos fiéis. Basta-nos uma fé pequenina como um grão de mostarda… São os pequenos “sins”, uns atrás dos outros, dados com a simplicidade de um servo inútil, que pouco a pouco abrem um caminho sem retorno para o Céu. Não desperdicemos nenhuma oportunidade de fidelidade!

Um pequeno serviço…
Hora da missa. Venho aqui uma vez por semana e, no entanto, Tu está aqui todos os dias, prisioneiro do tabernáculo, como dizia Alexandrina de Balasar… “Não te envergonhes de mim”, pedia Paulo, o prisioneiro, a Timóteo; e pedes-me Tu, Jesus, o Prisioneiro. E continuas: “Sofre comigo pelo Evangelho”. Nem sempre tenho forças. Até quando? Grito, com este grito que escondo de todos e só quero que seja ouvido por Ti, meu Amor. Até quando? Só até ao dia de hoje, respondes-me. “Se hoje ouvirdes a voz do Senhor, não fecheis os vossos corações!” Para ser santo, basta-me ser fiel hoje, e amanhã repetirei o meu sim, e depois ainda, fazendo a tua vontade um bocadinho de cada vez. De sim em sim, chegará o dia em que arrancarei do coração, pela raiz, tudo o que me separa de Ti e o lançarei ao mar…
Gostei muito, muito🙏🏼🙏🏼🙏🏼
Muito obrigada!
Tão importante para mim esta reflexão! A parte de guardar só para Deus as lágrimas, ou para alguns próximos, em situações excecionais, ecoou em mim, porque não é isso que faço! Que de “sim” em “sim”, pequenos nadas, possamos todos chegar ao nosso Destino, para o qual fomos criados!
Obrigada Teresa! Muitas respostas obtive com esta reflexão, algumas que apenas vão sendo esquecidas mas outras que iluminam acontecimentos e atitudes meus ou perto de mim. Obrigada 😊
“O grito angustiante pode tornar-se mais pessoal e preencher a nossa oração em determinados momentos da vida”… é por sermos crentes e termos fé que de facto temos esta sensação de estarmos “desamparados”, “abandonados” e questionamos o Pai… os que não crêem num Pai, não sentem este “abandono”… não têm ninguém a quem “cobrar” o apoio, o amor…
Tenho pensado muito nisso… por vezes os não crentes parecem-me tão mais “leves”, despreocupados, alegres… porque não esperam nada… a vida é o que é!…
E a nós às vezes dói tanto…
Olá N. queria só partilhar aqui a resposta que uma pessoa “ateia” quando lhe disse aquilo que aqui escreveu, esta pessoa disse que não é bem assim, que via nos crentes uma força maior, uma compreensão maior de certas coisas da vida, enquanto que ela só via “vazio”… e isso deixou-me a pensar, de facto não estamos sós, Deus não nos abandona, Ele está connosco sempre, Ele não disse que nos pode privar dos acontecimentos difíceis, apenas disse que caminha connosco: “Ainda que atravesse vales tenebrosos, não temeria mal algum, porque Tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam.” Salmos 23:4
É verdade… 🙂
Sou eu que estou a pensar apenas no “eu” e na “minha felicidade”… mais uma vez…
Obrigada Olívia. Beijinhos!
“O fracasso ou o sucesso da nossa vida não está, pois, dependente das atitudes dos outros, mas das nossas; dos problemas que os outros nos causam, mas da forma como respondemos. Fui caluniado? Não caluniarei. Fui traído? Não trairei. Fui ferido? Não ferirei. Fui roubado? Não roubarei” tão, tão difícil… As nossas atitudes, é tão difícil de “domar” o nosso eu. O devolver na mesma moeda quando somos atacados, até podemos fazê-lo de uma forma educada. Mas no íntimo o nosso coração, o meu coração, sabe que não está a ser fiel. Senhor ajuda-me a ser fiel! A chorar, a pedir, a zangar-me Contigo, mas mantém – me perto, bem pertinho de Ti, para que ainda assim, na minha pequenez saiba ser teu instrumento!
Amén!