Em Caná da Galileia...


Domingo XXVIII do Tempo Comum, ano C

Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga

JÁ TEREI DADO CONTA DA MINHA LEPRA?

Naamã era um general sírio que tinha tudo para ser feliz, exceto saúde. Leproso, procurou em vão remédio em todos os médicos da sua terra. Por fim, a sua criada judia falou-lhe do profeta Eliseu. Se Naamã o fosse consultar, de certeza que ficava curado… Naamã já nada tinha a perder. “Partiu levando consigo dez talentos de prata, seis mil siclos de ouro e dez mudas de roupa”, e foi ao encontro do profeta estrangeiro. Certamente que, à vista de tanto dinheiro, ele faria alguma coisa por ele!

Mas o profeta não aceitou o dinheiro de Naamã. Para desagradável surpresa do poderoso general, habituado a comprar tudo e todos, o profeta nem sequer o recebeu, limitando-se a enviar recado para que descesse ao Jordão e nele mergulhasse sete vezes. Naamã hesitou, despeitado. A tomar banho, seria nos rios de Damasco, bem mais imponentes! De qualquer forma, não perdia nada em experimentar algo tão simples e barato…

E é aqui que começa a leitura deste domingo: “O general sírio Naamã desceu ao Jordão e aí mergulhou sete vezes, como lhe mandara Eliseu.” Naamã desceu, mas não apenas ao Jordão: Naamã desceu do alto do seu orgulho até às águas da humildade, compreendendo pela primeira vez que tudo o que possuía – bens, dinheiro, posição social – nada valia diante do Único que o podia curar.

Então “a sua carne tornou-se tenra como a de uma criança e ficou purificado da lepra.” Agora sim, Deus podia atuar, pois já havia espaço na vida e na alma de Naamã para Ele. E o milagre aconteceu, um milagre muito maior do que aquele que desejara: humilhando-se, Naamã ficou curado não apenas da lepra, mas sobretudo, dos seus preconceitos, do seu complexo de superioridade, da dependência dos bens materiais e, finalmente, da idolatria.

“Naamã foi novamente ter com o homem de Deus”, não já para lhe cobrar uma cura, mas para lhe agradecer. Pois agora, reconhecia “que não há outro Deus senão o de Israel.” Transbordando gratidão, Naamã usou o seu dinheiro para construir um altar ao verdadeiro Deus e, assim, O poder adorar.

O Evangelho também nos fala de leprosos. Eram dez, e vieram ao encontro de Jesus, encorajados por tudo o que d’Ele ouviam dizer. “Jesus, Mestre, tem compaixão de nós”, gritaram, num misto de desespero e esperança. Como Eliseu, também Jesus despediu os leprosos sem os curar, dando-lhes, contudo, a certeza do milagre: “Ide mostrar-vos aos sacerdotes.”. Como Naamã, também os dez leprosos seguiram caminho, provavelmente com os mesmos sentimentos de ultraje e confusão: mostrar-se aos sacerdotes antes de serem curados? E diz-nos o Evangelho que, “pelo caminho, ficaram livres da lepra.”

Que emoção a sua! Há meses ou anos que viviam afastados da família, dos amigos, dos vizinhos, prisioneiros de esconderijos de deserto, proibidos de entrar na cidade. E agora estavam livres de todos os seus tormentos! Saltando e correndo de alegria, foram mostrar-se aos sacerdotes, que era o que lhes faltava para poderem ser aceites na comunidade.

Todos, menos um… Como Naamã, também era estrangeiro o único que se lembrou de voltar atrás. Vinha agradecer, “glorificando a Deus em alta voz, e prostrou-se de rosto em terra aos pés de Jesus”. Se os outros nove fizeram o caminho até Jerusalém, só este samaritano fez o caminho até à verdadeira cura: ali, de rosto em terra, este homem ficou curado da sua revolta, da sua raiva, da sua angústia, e certamente também, da idolatria, pois em Jesus, adorou o único Deus.

Nestas duas histórias encontramos leprosos à procura de uma cura física, a fim de recuperarem a liberdade e a alegria. É natural que se tenham deixado levar por sentimentos de gratidão! Mas na segunda leitura encontramos um Paulo saudável que, pela fé, se tornou prisioneiro. E este prisioneiro está tão cheio de gratidão, que fica feliz por poder sofrer “por causa dos eleitos, para que obtenham a salvação”.

Paulo não esquece que Jesus o curou da pior das lepras, o pecado. Para Lhe agradecer, não se limita a voltar atrás ou a construir um altar, antes está disposto a entregar a própria vida, “até ao ponto de estar preso a estas cadeias como um malfeitor.” Que importam a saúde ou a doença, a alegria ou a tristeza, a vida ou a morte, diante do amor infinito de Deus? Paulo não agradecerá o bastante enquanto não der tudo. E dará tudo até ao fim.

Hora da missa. Já terei dado conta da minha lepra? Saberei que sou estrangeiro neste mundo, e que tudo o que de Ti recebo é graça? Ou vivo convencido de que tenho os meus direitos, porque pertenço ao teu povo? Às vezes ainda acho que posso comprar-Te favores… “Jesus, tem compaixão de nós!” Faz-me descer, pois as águas puras da tua misericórdia correm lá em baixo, no vale da humildade! E que eu sempre saiba agradecer, cantando como o samaritano e Naamã, no auge da saúde; mas sobretudo, agradecer como Paulo, permanecendo fiel mesmo quando não recupero a saúde ou tudo corre mal… “Se morremos com Cristo, também com Ele viveremos; se sofremos com Cristo, também com Ele reinaremos”. Ámen!

6 Comments

  1. Isabel Miguel

    Faço das suas as minhas palavras Teresa: ” Faz-me descer, pois as águas puras da tua misericórdia correm lá em baixo, no vale da humildade! E que eu sempre saiba agradecer, cantando como o samaritano e Naamã, no auge da saúde; mas sobretudo, agradecer como Paulo, permanecendo fiel mesmo quando não recupero a saúde ou tudo corre mal…” Ámen!

  2. O dinheiro que compra tudo e todos…que compra sonhos, projetos, relações familiares…que pensa poder comprar a Vontade de Deus! Hoje penso na liberdade e na privação dela…e nessas lepras que nos privam de liberdade mais do que grades e muros altos mas que parecem ser tão mais discretas e subtis. Penso nas águas de Lourdes e na sede de cura de tanta gente. Na misericórdia de Jesus que se faz tão próximo exactamente de nós leprosos.
    Obrigada Teresa por esta reflexão! Bom Domingo!!!

  3. Este texto fez-me lembrar de quantas vezes eu não tenho coragem para pedir a Jesus que me cure da minha lepra e das maravilhas que Ele opera quando o faço.
    Obrigada teresa por esta reflexão.

  4. Isabel Marantes

    Querida Teresa,
    Obrigada por tão bela explicação da interligação entre as leituras de hoje!
    É tão difícil termos coragem de olhar para as nossas lepras, as lepras do nosso coração, as distorções que temos sobre o valor das coisas, sobre o valor das pessoas, sobre aquilo que realmente procuramos…Então tapamos as feridas, não só para ninguém ver, mas também para que nós não as vejamos… são feridas que doem só de olhar para elas. Mas se destaparmos cada ferida perante Jesus e O deixarmos curá-la, a ferida não volta a ser pele sã, a ferida torna-se uma cicatriz, por onde Jesus faz reflectir uma luz completamente nova. Isto é, Jesus tira sempre dessas cicatrizes um bem maior… Se nós deixarmos, claro…nunca tenhamos dúvida disso.
    Tenhamos pois a coragem te expor todas as nossas lepras, as nossas feridas à luz de Deus… Ele ama-nos com elas e apesar delas…e não nos esqueçamos que só Ele, com o nosso sim, as poderá transformar… as poderá glorificar…benditas sejam, então, essas feridas, Senhor, se através delas me uno mais a Ti…
    Bom domingo!

  5. Muito bonito e tanta coisa para reflectir… muito obrigada Teresa pelo texto e muito obrigada a todos pelas partilhas…

  6. Confortantes e inquietantes as suas palavras Teresa, tal como é a Palavra de Deus! Tantas lepras tenho para curar, Senhor!!! Mas sei que se tiver a humildade de te abrir o meu coração, virás cura-las, porém, que eu nunca perca a gratidão…que eu saiba sempre agradecer as maravilhas que operas na minha vida, ainda que muitas vezes não atues da forma que estava à espera.
    Que eu saiba, Senhor, aceitar a tua vontade e a tua forma de te fazeres presente na minha vida.
    Bem-haja Teresa por tão eloquente reflexão e sobretudo pela forma incisiva como as suas palavras acertam no meu coração, fazendo-o abrir-se para acolher as graças que o Senhor me concede todos os dias.
    Bem-hajm e Bendito seja Deus pela graça que vos foi dada!

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