Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga
LARGUEMOS A CAPA
O Senhor fez maravilhas em favor do seu povo, canta o salmo este domingo. Quantas maravilhas o Senhor fez e continua a fazer em favor do seu povo! Estaremos atentos?
Bartimeu era um pobre cego, sentado à beira do caminho a pedir esmola. Um dia, deu-se conta de que algo diferente se passava. À sua volta, a multidão comprimia-se, numa agitação invulgar. Foi então que lhe contaram que Jesus de Nazaré ia a passar. Bartimeu não hesitou: “Jesus, Filho de David, tem piedade de mim”, gritou e tornou a gritar. Estava decidido a não deixar Jesus passar por ele em vão.
Quantas vezes nos sentamos à beira do caminho, acomodados, achando que tudo nos é devido e que só nos cabe receber? Quantas vezes nos desculpamos que não podemos caminhar, porque crescemos com limitações, ou porque as nossas condições de vida não nos permitem ousar diferente? “Se o meu marido tivesse fé…”, “se eu trabalhasse menos horas…”, “se tivesse mais tempo ou mais dinheiro…” Teremos nós a vontade de Bartimeu de mudar de vida? Jesus passa à nossa beira, mas ao contrário de Bartimeu, nem sempre gritamos com ânsia de conversão. E Ele passa em vão.
A multidão tentou calar Bartimeu, tal como hoje tenta silenciar os cristãos. Mas Bartimeu não se calou, antes reforçou a sua súplica. E porque tanto insistiu, foi atendido: “Chamai-o”, disse Jesus. Era só isso que Bartimeu queria ouvir. De um salto, alcançou o Senhor, deitando fora a capa, pequeno-grande detalhe que Marcos recorda. De nada nos vale aproximarmo-nos de Jesus se não estivermos dispostos a deixar as nossas riquezas, sejam elas muito dinheiro ou uma simples capa, pois não é preciso ser-se rico para se ser agarrado. Ao contrário do Homem Rico, Bartimeu não era de meias-medidas.
“Que queres que Eu te faça?” Perguntou Jesus, como perguntara a Tiago e a João, no domingo anterior. Bartimeu não ambicionava honras, fama ou glória, apenas queria recuperar a sua dignidade e fazer-se de novo ao caminho: “Mestre, que eu veja”. Jesus sabe bem do que precisamos, mas quer que Lho peçamos, uma e outra vez. Quer ter a certeza de que não nos dá nada que não desejemos ardentemente, do dom da fé à verdadeira felicidade. Como também nos quer certos de que não nos dará nada que nos faça mal, se nós o pedirmos por engano. Assim, Jesus não deu aos seus amigos o que eles lhe pediam – tinha-lhes reservado algo muito melhor – mas deu-o a Bartimeu. E nesse instante, Bartimeu “recuperou a vista e seguiu Jesus pelo caminho.”
Nunca mais Bartimeu se sentou a pedir esmola. Já não havia qualquer desculpa para não se fazer à estrada, pois o próprio Jesus lhe abria caminho. Era hora de deixar o exílio em que até ali vivera para regressar a Casa, a comunidade cristã, onde Bartimeu deu testemunho do seu encontro até ao fim da vida, ou não fosse o seu nome (ao contrário do nome do Homem Rico) bem conhecido entre os primeiros cristãos, segundo os Evangelhos.
Séculos antes, o profeta Jeremias anunciara este agir de Deus: “Vou trazê-los das terras do Norte e reuni-los dos confins do mundo. Entre eles vêm o cego e o coxo, a mulher que vai ser mãe e a que já deu à luz”. Queria assegurar-nos que não iria reconduzir a Israel apenas os soldados e os “úteis”, mas também aqueles que, pela sua condição de doença ou pela iminência da maternidade, se afiguravam como um peso inútil. Queria assegurar-nos que não vale desculparmo-nos com as nossas limitações ou condições, porque a salvação é mesmo para todos. A decisão final depende unicamente de nós, das desculpas que damos por estarmos ainda sentados a pedir esmola, ou do salto de que somos capazes, deixando para trás a capa.
“Eles partiram com lágrimas nos olhos e Eu vou trazê-los no meio de consolações”, diz o Senhor. É, na verdade, o oposto da história do Homem Rico, que chegou junto de Jesus a correr alegremente, no meio da sua abundância, e se retirou cheio de tristeza. O Bartimeu e todos os Bartimeus da História, pelo contrário, viram o seu sofrimento transformado em alegria no momento em que decidiram seguir Jesus. Porque a recompensa não nos espera apenas do outro lado da vida, na eternidade, mas é-nos oferecida aqui e agora, se apenas nos levantarmos do chão e nos pusermos a caminho.
Hora da missa. Alguns de nós vêm a chorar, trazendo as sementes, outros estão simplesmente sentados à beira da estrada, acomodados na sua indigência espiritual, talvez um pouco distraídos ou rotineiros. Mas diante dos nossos olhos ainda cegos, Jesus vai passar e vai agitar a nossa praça. Teremos a ousadia de gritar bem alto “Jesus, Filho de David, tem piedade de mim”? À nossa frente, o sacerdote, “escolhido de entre os homens” como diz a Carta aos Hebreus, tomará as nossas sementes e oferecê-las-á ao Senhor, como “dons e sacrifícios pelos pecados” de todos nós. “Mestre, que eu veja”, pedimos, adorando a Hóstia Santa. Não deixemos que Jesus passe em vão. Largando as capas, corramos ao seu encontro. E regressaremos a Casa com as mãos cheias de molhos de espigas…
Gosto muito das reflexões que tens feito acerca da Palavra de cada Missa. Muito obrigada por elas!
Obrigada pelo comentário, Pilar! Sabe bem saber que o texto é apreciado, pois é o que mais trabalho me dá em todo o site. Desde que comecei a escrever para o Correio do Vouga semanalmente, comecei a valorizar muito mais o esforço dos sacerdotes ao prepararem a sua homilia! Bjs