Em Caná da Galileia...


Domingo XXXII do Tempo Comum, ano A

Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicadas no jornal diocesano Correio do Vouga

ESTAMOS PREPARADOS?

Aproximamo-nos do fim do ano litúrgico. Com cada vez maior urgência, a Igreja aponta para o Céu. Não deixemos escapar esta oportunidade anual de falarmos sobre o Céu, de desejarmos o Céu, de sonharmos com o Céu.

“O Reino dos Céus pode comparar-se a dez virgens que, tomando as suas lâmpadas, foram ao encontro do esposo.” A imagem é de alegria esfusiante: o Reino dos Céus é uma festa nupcial. Não havia, em Israel, festa mais bela. O maior sonho de uma jovem israelita era casar, e era em vista do casamento que defendia ciosamente a sua virgindade.

Qual o nosso maior sonho? Para quem guardamos nós a virgindade do coração? A quem nos queremos nós entregar para sempre? A festa nupcial começa já aqui na Terra, onde preparamos a nossa veste e que acendemos as nossas lâmpadas, enchendo-as diariamente com o óleo da fé, da esperança e do amor, este óleo com que fomos ungidos no Batismo e no Crisma. O Céu não vem interromper, mas elevar à perfeição tudo o que tivermos vivido aqui.

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Talvez andemos distraídos, como as virgens insensatas, que, “ao tomarem as suas lâmpadas, não levaram azeite consigo.” Entre as várias coisas boas que a pandemia nos trouxe está a tomada de consciência de que somos mortais. Tínhamo-nos habituado a acreditar que “o esposo se demora”, que a morte fica lá longe, porque a ciência tem uma solução para tudo. Foi preciso um vírus microscópico para que entendêssemos que não somos donos da vida.

“Como o esposo se demorava, começaram todas a dormitar e adormeceram.” Quantos de nós passamos pela vida a dormir! “Que fizeste este fim-de-semana?” Pergunto aos alunos, no início da aula. “Nada. Dormi, comi e joguei computador”, respondem-me vários. Penso no novo beato, o adolescente Carlo Acutis, que gostava muito de jogar na sua playstation mas, sensato como as cinco virgens do Evangelho, não se demorava nisso mais do que uma hora semanal. A imposição desta regra partira de si, não dos seus pais… Teremos nós, bem mais velhos que Carlo, a coragem de nos impormos algumas normas de sensatez espiritual, a fim de não nos deixarmos adormecer (e a coragem para o fazermos com os filhos)? Ou desperdiçamos o nosso tempo (e deixamos que os filhos o desperdicem) diante do televisor, ou em prazeres pouco próprios de um cristão? “Não tenho medo de morrer”, dizia Carlo à sua mãe nas vésperas da morte, “pois não perdi um minuto da minha vida a fazer coisas que desagradam a Jesus.”

O esposo demorava, diz Jesus. Depois de 2000 anos de cristianismo, não só nos habituámos à demora da morte individual, como também à demora da última vinda do Senhor. Os primeiros cristãos e, entre eles, S. Paulo, convenceram-se de que esta vinda estava iminente, que a qualquer momento, Jesus viria renovar os Céus e a Terra e instaurar o seu Reino. Ao longo destes vinte séculos, foram muitos os que, de novo, se convenceram da iminência do fim do mundo. A única afirmação que, sobre isso, a Bíblia nos dá é a do Evangelho de hoje: “não sabeis o dia nem a hora.”

Assim, não nos deixemos levar por profecias estranhas, comuns na Internet, que nos querem encher de medo e convencer de que a vigilância a que nos chama Jesus consiste em acautelarmos a nossa segurança material, adotando determinado estilo de vida. Como é contrária ao Evangelho esta preocupação mundana! Só há uma forma de vigilância que interessa ao Senhor: a do coração. E essa é possível acontecer em qualquer lugar da Terra e em qualquer circunstância da vida. Falamos aqui num banquete nupcial, numa história de amor, não num filme de terror ou num thriller.

E todas as histórias de amor exigem intimidade. Os esposos procuram alcançar uma união tão intensa, que faça dos dois um só. Ao falar-nos na consumação das bodas à porta fechada – “e a porta fechou-se” -, Jesus aponta para esta união especialíssima, que começa aqui mesmo, mas só no Céu será perfeita. Diz S. Paulo: “Então estaremos sempre com o Senhor.”

O segredo para a alcançarmos é muito mais simples do que imaginamos. Chama-se desejo. Desejo ardente, sede intensa, “como terra árida, sequiosa, sem água.” Procura contínua, “desde a aurora”. Pois quando se trata de Deus, desejar é encontrar: “A Sabedoria (…) antecipa-se e dá-se a conhecer aos que a desejam.” O maior obstáculo à santidade é não a desejarmos a sério. Porque o desejo de amar é já amar. Tudo o resto – a oração, a vida sacramental e a caridade – flui naturalmente deste desejo, não como voluntarismo estoico, mas como “jugo suave” (Mt 11, 30): “quem a busca desde a aurora não se fatigará, porque há de encontrá-la já sentada à sua porta.”

Hora da missa.  Venho ao Teu encontro caminhando de noite, lâmpada acesa no peito, desejo intenso de me unir profundamente, intimamente a Ti. Comove-me saber que preparaste um banquete para celebrar o nosso amor, e que empenhaste nele a Tua vida. E eu, tantas vezes a dormitar! Mais uns minutos, e o grito soará: “Aí vem o esposo!” Então “serei saciado com saborosos manjares e com vozes de júbilo Vos louvarei…”

3 Comments

  1. Amén!

  2. Assim seja!

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