Em Caná da Galileia...


Domingo XXXII do Tempo Comum, ano C

Reflexão semanal, escrita pela Teresa, sobre as leituras da missa do domingo seguinte, publicada no jornal diocesano Correio do Vouga

EM DEUS, NADA FICA POR COMPLETAR

O ano litúrgico está a acabar. É hora de meditar nas verdades últimas da nossa fé, os “novíssimos”: o que há para além do tempo, do espaço, da morte?

Embora a história dos Macabeus aconteça cento e muitos anos a. C., ela parece escrita para a nossa geração. Como os judeus de então, também hoje vivemos tempos de perseguição.  Como a cultura helénica se impunha à judaica, seduzindo o povo e levando-o à apostasia, também hoje o paganismo procura ativamente destruir a fé cristã.

O relato da leitura de hoje é arrepiante: “Naqueles dias, foram presos sete irmãos, juntamente com a mãe; e o rei da Síria quis obrigá-los, à força de golpes de azorrague, a comer carne de porco proibida pela Lei judaica.” Se julgava conseguir convencer os sete irmãos a apostatar, o rei estava muito enganado: “Estamos prontos para morrer, antes que violar a lei de nossos pais.” Um a um, morreram os sete no meio de terríveis torturas, e sob o olhar da mãe. É aliás a ela que, na continuação desta leitura, se dirige a admiração do autor bíblico: “Particularmente admirável e digna de grandes elogios foi a mãe que, num dia só, viu perecer os seus sete filhos e suportou essa dor com serenidade, porque punha a sua esperança no Senhor.” E deixem-me que continue um pouco mais, para citar as palavras desta “mãe-coragem” momentos antes do assassinato do filho mais novo: “Meu filho, não temas este carrasco, mas sê digno dos teus irmãos e aceita a morte, para que, no dia da misericórdia, eu te encontre no meio deles.”

Revemo-nos nesta mãe? Revemo-nos nestes jovens mártires, que preferem a morte à apostasia? No dia do batismo dos filhos, santa Zélia Martin rezava: “Senhor, se é para se vir a perder, leva-o hoje mesmo!” Não só ela, mas muitos e muitos cristãos no passado pediam para os filhos a graça da fidelidade. “Que sejam honrados”, “que cumpram o seu dever”, “que não cometam pecado mortal.” Foi com uma oração assim nos lábios, nomeando um a um os seus sete filhos e o que estava para nascer, que morreu o Beato Carlos, Imperador da Áustria. E aos Tessalonicenses, seus filhos na fé, Paulo escreve: “O Senhor é fiel: Ele vos dará firmeza e vos guardará do Maligno.”

E nós, pais e mães do século XXI? Nós vivemos na chamada “ditadura da felicidade”. Em vez do “antes morrer que pecar”, que levou aos altares o jovem Domingos Sávio e tantos outros santos, dizemos “antes pecar que morrer”, ou pelo menos, “antes pecar que ser infeliz”. Desejamos acima de tudo, não a santidade, mas a felicidade terrena dos filhos, ainda que, para a alcançar, tenham de fazer escolhas contrárias à fé… Que distância da mãe dos Macabeus! Consequentemente, educamo-los também de uma forma muito diferente. Os nossos filhos não estão preparados para enfrentar pequenas dificuldades, quanto mais para enfrentar a morte. Em vez de criarmos santos e mártires – e se eles são necessários hoje! – criamos apóstatas. Muitas contas nos serão pedidas no último dia.

O que é que se perdeu pelo caminho? O Evangelho sugere uma resposta: como os saduceus do tempo de Jesus, também nós deixámos de acreditar na ressurreição. Deixámos de acreditar que depois da morte há Céu e há Inferno, e que ambos começam aqui, nas escolhas que hoje fazemos. Para a nossa geração, a morte transforma-nos simplesmente em “estrelinhas”, o que não é propriamente atraente, quando imaginamos o tamanho da eternidade e a distância que nos separará dos que amamos.

Dir-me-eis: não foi Jesus que disse que no Céu não há casamento? Não devemos concluir que não nos relacionaremos com os que amámos na Terra? Como estamos enganados! Ao responder aos saduceus, Jesus não explicava o mistério do matrimónio, mas o da ressurreição, que não nos devolve a vida terrena, com os seus conflitos e relações, antes nos introduz numa realidade que só poderemos abarcar quando ressuscitarmos. Aqueles que alcançarem o Céu – sim, porque nem todos passarão pela porta estreita, disse também Jesus – viverão plenamente em Deus.

E em Deus, que é Amor, todos os nossos amores chegarão à plenitude, de forma bem mais perfeita do que aqui. “Quando morrer, estarei com Carlos de novo”, dizia a Serva de Deus Zita da Áustria na sua velhice. “Vou para o Céu para cuidar da Maria e do David, mas tu ficas aqui com o papá”, escreveu Chiara Petrillo ao filho de um ano por quem dava a vida, uma semana antes de morrer. Zita sabia que reencontraria o marido, que partira tão jovem, e Chiara sabia que reencontraria os filhos, mortos à nascença. Porque em Deus, nada fica por completar, nada fica por viver. Tudo o que aqui não concluirmos, concluiremos no Céu; os sonhos que aqui não realizarmos, realizaremos ao chegar a Casa.

Hora da missa. A eternidade vertida numa hora… Que mistério o teu! Na tua Cruz, morreste por mim, para que agora, na minha cruz, também eu mereça morrer por Ti. Tu és o Deus dos vivos, não dos mortos; e, contudo, só a morte – a minha e a tua –abre a porta da eternidade… “Senhor, ficarei saciado, quando surgir a vossa glória!”

2 Comments

  1. Pilar Pereira

    Muito, muito obrigada por esta reflexão! Palavras fortes mas necessárias!

  2. Teresa por mais que tente não consigo comentar esta sua oração.
    Peço ao Senhor a graça da fidelidade para, nos momentos de prova, nunca O negar. Vem-me frequentemente à memória o grande Jose Luís Sanchez del Rio… ….só com a graça de Deus mesmo, digo para mim mesma! Mas essa nunca falta!!!

    “E em Deus, que é Amor, todos os nossos amores chegarão à plenitude, de forma bem mais perfeita do que aqui.” Que alegria! 😀
    “Paradiso, paradiso…paradiso paradiso…” – canto como Filipe Néri…desejando-o também como ele! 🙂

    Obrigada Teresa por ter o coração no Céu 😉

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